“Vil ou Irado?”

Assisti a Wicked por acaso, em janeiro de 2008, no West End de Londres. Na noite anterior, tinha acabado de assistir a uma apresentação brilhante de Billy Elliot, que havia me levado às lagrimas não só durante a leitura da carta, que é o cliché esperado, mas durante todo o espetáculo, que retrata a tensão social que eu via pelo noticiário na minha infância aqui no Brasil. Eu havia ficado tão satisfeito e feliz com Billy Elliot que gastar o que me restava de libras em um outro musical me pareceu um excesso.

O hotel em que eu estava hospedado ficava próximo ao teatro e, voltando um dia, parei para conversar com o rapaz que estava entregando panfletos sobre o musical. Simpático, perguntou de onde eu era, o que fazia, conversamos sobre Billy Elliot. Disse-me, claro, que eu deveria assistir a Wicked, e disse, inclusive, que eu talvez conseguisse ingressos de último minuto, pois em dias de semana, principalmente no inverno, sobravam bons lugares para 1 pessoa. A simpatia do cara me ganhou, e lá estava eu na bilheteria comprando um excelente lugar pela metade do preço.

Quando comprei o ingresso, não sabia nada sobre o espetáculo. Às vezes eu faço isso. Se eu soubesse que se tratava de um desdobramento de O Mágico de Oz, eu talvez não tivesse comprado o ingresso. Entrar no teatro sem saber o que vai rolar dá uma adrenalina. De qualquer maneira, minhas expectativas estavam baixas, porque não imaginava uma apresentação tão boa quanto a da noite anterior, mas confesso: desde a apresentação, vira e mexe, depois de tantos anos, ainda ouço Popular e Defying Gravity de vez em quando.

Toda essa introdução, na verdade, foi para explicar a memória afetiva que me fez adotar o seguinte: não vou contar a história, porque eu gostaria que o leitor se surpreendesse, como eu me surpreendi. Se quiser, dá uma lida do release aqui Wicked, O Musical. Mas vou falar do que ficou.

Eu lembro de ter pensado: ainda bem que eu assisti ao Mágico de Oz quando eu era criança, porque, do contrário, ia boiar. Não boiar completamente, até porque o musical tem uma linha narrativa bem clara e autônoma, mas não ia achar graça das várias referências cruzadas que o espetáculo tem com o filme. Então, se for encarar o ingresso (que, diga-se de passagem, custa quase o mesmo preço que eu paguei pela assinatura da temporada lírica do Teatro Musical de São Paulo, com três óperas), faça valer a pena e assista à saga da Dorothy filmada em 1939 como preparação. Teve uma regravação, com o James Franco, mas esse não tem nada a ver com Wicked.

Gostei da ideia de haver duas protagonistas e de os personagens masculinos serem secundários. Essa dinâmica libera a narrativa para explorar temas como competição feminina, formas e conceitos de sucesso, lealdade, inimizades e amizades, individualidade, frustrações, etc. Pode parecer pouco, mas quando as personagens femininas não estão brigando por causa de homem (o que é demasiadamente comum), a história segue rumos bastante mais originais.

O musical tem tudo que se espera de um blockbuster: há drama, há comédia, superação, tensão, inveja, decepções, reviravoltas. Ora se está rindo, ora se prende a respiração (e, confessemos, ora rola uma lagrimazinha). A música é competente em manipular as nossa emoções, qualidade fruto de anos e anos de desenvolvimento da indústria dos musicais, e, em inglês, a letra é impecável: a versão em português é uma incógnita. Há ótimas sacadas, como, por exemplo:

Celebrated heads of State or specially great communicators, did they have brains or knowledge? Don’t make me laugh! They were popular! (Festejados chefes de Estado ou grande comunicadores, ele tinham cérebro ou conhecimento? Não me faça rir! Eles eram populares!)

Can’t I make you understand? You’re having delusions of grandeur! (Não consigo fazê-la entender? Você está tendo delírios de grandeza!)

 

Lembro que a parte técnica era um show à parte. Dançarinos, atores, precisão vocal, iluminação, cenários, efeitos especiais. Difícil avaliar de forma imparcial a produção brasileira, que sabemos dispor de um mercado profissional em formação. Se eu me dispuser a pagar para ver, eu conto para vocês como foi, mas eu queria terminar esse texto com uma pergunta: se você pudesse desafiar a gravidade e voar, mesmo sob risco de queda, você arriscaria o fracasso ou ficaria no chão?

Quantos de nós ficamos no chão em razão do medo de estarmos sofrendo delírios de grandeza!

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