Titãs, Walter Franco e o Espetáculo

“Nheengatu”. Língua geral amazônica, tupi, yẽgatú, língua brasílica. Etimologicamente, “língua boa”…

No mais recente trabalho dos Titãs, lançado em 2014, a raiz cultural brasileira é intensamente presente não só no título, como em suas composições críticas, nem um pouco dóceis ou românticas. De fato, a maior impressão que se tem ao ouvi-lo atentamente faixa a faixa é que, neste álbum, os Titãs buscaram resgatar não somente sua identidade sonora, marcante nos anos 80 de “Cabeça Dinossauro”, considerado a maior obra da discografia Titânica, como também escancarar as mazelas da história político-social do país, desde a Era das Colonizações (“Chegada ao Brasil”, faixa 8) às manifestações de Junho de 2013 (“Fardado”, faixa 1), marcadas pela forte repressão policial seguida da mobilização das massas.

Lançados CD e DVD da Turnê “Nheengatu Ao Vivo”, em 2015, os Titãs lançaram mão do formato original da obra e voltaram a tocar livres das máscaras arlequinas, anunciando novas datas na Chopperia do Sesc Pompéia, um dos palcos mais tradicionais da música paulistana. De tão importante, foi o primeiro a receber a banda de Sergio Britto, Branco Mello e cia, fato relembrado por Branco, membro fundador da banda, em duas ocasiões na noite de sábado, 16, terceira da série de quatro apresentações com ingressos esgotados.

O cenário, estampado pelo inflamado Coliseu característico da arte de capa de “Nheengatu”, muito bem condizia com o que viria pela frente. A grande expectativa do público, diversificado em faixa etária, gênero e classes sociais, comprovara o poder de alcance dos sucessos que marcam as três décadas da banda.

Anunciado o início do show, a banda entra e assume os instrumentos. A partir daí, a catarse. A cada uma das 25 músicas tocadas (e que capricho!), Titãs revelou-se grandioso, numa noite em que não se demonstrou qualquer sinal de cansaço, no palco e na multidão, em um momento sequer. Gigante, um verdadeiro choque. A cada martelada, já frequentes em “Fardado”, a primeira da apresentação, ouvia-se o grito cada vez mais alto partindo do público.

Do álbum-título, “Cadáver Sobre Cadáver”, comandada por Paulo Miklos, surpreendeu pela sincronia da banda, entre vozes e elétrica; “Chegada Ao Brasil (Terra À Vista)”, por sua dinâmica rápida e crescente, satiriza a narrativa da ‘descoberta’ do país pelos portugueses; e “Massacre”, rock potente conduzido pela bateria rápida acompanhada da voz rasgada de Sergio Britto.

Voltando às décadas de 80 e 90, destaque para “Jesus Não Tem Dentes No País dos Banguelas”, composição resumida ao título e lançada em álbum homônimo, densa por sua própria simplicidade; “Lugar Nenhum”, de guitarras harmônicas e bateria quebrada, que prega a auto independência frente ao Estado; “AA UU”, crítica à “rotinização” da vida, cada dia mais superficial; “Pulso”, eternizada pela voz de Arnaldo Antunes no histórico ‘Acústico MTV’; e “Bichos Escrotos”, rockão do bom, de se gritar nos dias de revolta e indignação contra o fútil e o hipócrita.

O ritmo era ininterrupto, enquanto a fome por Rock n’ Roll continuava insaciável. Infraestrutura, alinhamento, setlist, presença de palco, tudo parecia absolutamente favorável àquela que já era forte candidata a uma das melhores apresentações musicais entre as dezenas que assisti nos últimos anos. Mas foi impossível não reconhecer que o grande destaque da noite foi o convidado. ‘Maldito’ Walter Franco.

Franco revelou-se um dos ícones da chamada MPB maldita, autor de “Revolver” (1975), “Respire Fundo” (1978) e “Vela Aberta” (1980), diferenciado essencialmente por suas influências entre gêneros impopulares no país da bossa-nova. De essência soturna, do progressivo ao experimental, a criação de Walter Franco provoca, seja pela letra, sonoridade ou suas típicas cacofonias, que em conjunto criam uma simbiose extraordinária aos ouvidos mais afinados e raciocínios ‘fora da caixa’.
Um monstro à luz de Ave Sangria e Mutantes.

Definitivamente, Walter Franco não foi feito para muitos. Brilhante para quem é capaz de interpretá-lo e cruel para aqueles acostumados com o “mais do mesmo”, massiva maioria do público presente naquela noite, que parecia mais se preocupar com seus celulares que com a apresentação em si.

Recebido com louvores de Britto, Miklos e Branco, que o intitulou “um dos maiores ídolos da música brasileira”, Walter realmente é um patrimônio histórico, espécie rara de artista por sua complexa simplicidade. Gritou a dor “Canalha”, sua composição então gravada pelos Titãs para “Nheengatu”, protestou contra a “Polícia”, pediu para que o mundo lhe deixasse em sua “Me Deixe Mundo” e trouxe o inferno à terra em “Cabeça Dinossauro”. Êxtase.

Houve ainda uma homenagem a Raul Seixas, com a contextualizada “Aluga-se”, seguida das ovacionadas “Sonífera Ilha” e “Marvin”.

Os Titãs causaram a Desordem, tiraram todos da Televisão e deram Comida à quem quisesse assistir a um verdadeiro show de Rock.

Please, go back.

Fotos: Heigor Martins

Heigor Martins

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