“Antes da Festa” expõe o machismo na sociedade

“Antes da Festa” é uma tragicomédia escrita pelo dramaturgo, roteirista de cinema, ator e artista plástico Pedro Vicente, que conversou conosco e deu detalhes do processo de criação do espetáculo, conforme você verá a seguir. A estreia ocorreu nesta quarta-feira, 3 d agosto no Teatro Folha – Shopping Higienópolis.

As amigas Bianca (Jeyne Stakflett), Sofia (Lívia Prestes), Pan (Luciana Caruso) e Leila (Ana Rita Abdalla) encontram-se antes de uma festa e, entre vestidos e taças de champanhe, trocam revelações que as levam a questionar os valores, comportamentos e papéis que representam na sociedade e em suas próprias vidas.

Entre os primeiros esboços do texto e a sua estreia passaram-se cerca de dez anos. A montagem, no entanto, ocorreu nos últimos seis meses. Em conversa com o Flertaí, o autor falou que reescreveu a peça várias vezes. Suas inspirações são o mito de Afrodite, as mulheres de seu círculo social e notícias sobre mulheres. Afinal, é uma peça sobre mulheres. E não, não é sobre sapatos.

Os temas abordados incluem traição, aborto, gravidez, casamento, estupro e drogas. Enquanto se preparam para a noitada, as amigas trocam confidências que, se ora beiram o absurdo, ora chocam pela trágica veracidade.

Bianca é uma obstetra com o marido perfeito e ausente; Sofia, uma advogada e modelo de sexcam com problemas de relacionamento; Pan, uma atriz esnobe e Leila, uma psicóloga com problemas psiquiátricos.

O espetáculo pode ser dividido em duas partes. A primeira, filtrada pelas aparências criadas pelas personagens, movimenta-se mais pela comicidade, embora sutil, do universo feminino. Tudo e todas – exceto Leila – parecem em seus devidos lugares. A psicóloga é o grande contraste. Obscura de alma e figurino, é autodestrutiva, mas também a única que entende que há alguma coisa errada – talvez tudo.

A segunda e melhor parte desconstrói as personagens. Segredos são revelados, infernos e traumas vêm à tona. O que antes era festa e piada, torna-se caos e humor negro. Esta virada é muito envolvente porque, enquanto público, começamos a “juntar as peças” e a reinterpretar aquelas mulheres. O texto, agora uma tragédia, soa como um grito de desespero, ódio e libertação de alguém que cansou de minimizar as próprias misérias. De alguém que, mesmo sendo a vítima, passou a vida se culpando.

Com uma excelente desenvoltura, o espetáculo chega forte à sua grande questão: mulheres contaminadas pelo machismo. Para Pedro Vicente, seu objetivo foi alcançado. Ele acredita que conseguiu “colocar na peça, de uma maneira bem didática, a história de que aquelas atitudes contraditórias e indignas, que tornam as personagens ridículas – apesar de grandes, são atitudes que cometem por caírem em armadilhas do machismo impregnadas na sociedade.” Questionado se o fato de ser homem não o impediria de tratar o tema com a especificidade requerida, o autor discorda: “claro que é temerário, eu, como homem, dizer que uma mulher pode ser machista, mas o machismo não é um comportamento apenas masculino, está em toda a sociedade.”

A direção de Marcos Loureiro é fiel a alma do texto e não sucumbe à – penso eu – facilidade que seria transformar tudo em um drama dilacerante. Mesmo tratando de traumas e assuntos pesados, o humor está sempre presente.

Para o autor, a comédia é a melhor forma de se fazer refletir: “São questões humanas… a morte, o lado negro da vida, a sombra. Tudo faz parte. O humor é a melhor maneira de expor a sombra. Se você escancarar algo negro na vida de uma pessoa, pode ser muito violento. Ela pode bloquear tudo e fingir que o mundo é um mar de rosas.”

Pedro Vicente diz que investigou a si mesmo para escrever a peça e que seu objetivo é apontar que “alguns comportamentos femininos, tipicamente tidos como normais, são apenas reproduções de valores machistas.”

Para o autor do espetáculo, no entanto, seu maior desafio foi dar o devido cuidado aos assuntos abordados. “Eu não poderia ser leviano, principalmente no momento em que vivemos… observe a falta de mulheres no governo e essa cultura do estupro.”

Gostei muito da peça. A desconstrução das personagens é também a nossa e a montagem acerta em cheio ao envolver o público e fazê-lo trilhar o mesmo caminho de estranhamento daquelas mulheres. Dificilmente alguém sairá do teatro sem se sentir incomodado com os valores da sociedade.

Antes da Festa” de Pedro Vicente, fica em cartaz até 29 de setembro de 2016 no Teatro Folha com a direção Marcos Loureiro de as atrizes Livia Prestes, Ana Rita Abdalla, Luciana Caruso e Jeyne Stackflett.

Foto: Flávio Russo

 

Isaac Gonçalves

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