O Musical Madame Satã na Caixa Cultural São Paulo

Dirigido por João das Neves, o espetáculo dos mineiros Grupo dos Dez faz curta temporada de 8 a 18 de junho…

 

 

 

 

Em Madame Satã, o grupo se vale da biografia de um dos mais peculiares personagens brasileiros para dialogar com questões que permeiam a homofobia, o racismo e a homoafetividade. Com trilha sonora inédita, o espetáculo é entrecortado por textos ora poéticos, ora combativos, e traz à tona não apenas a biografia de Satã, mas dá visibilidade às pessoas invisíveis da sociedade que não se enquadram na heteronormatividade vigente.

Com dramaturgia assinada por Rodrigo Jerônimo e Marcos Fábio de Faria, Madame Satã é o terceiro espetáculo do Grupo dedicado à pesquisa de linguagem acerca do teatro musical e suas possibilidades.

 

Madame Satã – Um Musical Brasileiro
O mundo que rodeia uma das mais peculiares figuras brasileiras, aquele que carregou a alcunha de primeiro travesti do Brasil, Madame Satã, é a personagem escolhida para falar de um universo invisível: a prostituição, a pobreza, o racismo, a homofobia e toda a violência de uma sociedade calada frente ao preconceito e à intolerância.

A montagem apresenta Madame Satã antes mesmo de receber este nome. João Francisco dos Santos, foi um dos 18 filhos de uma família pobre. Trocado por uma égua, tornou-se, a duras penas, uma figura mitológica da Lapa carioca, sendo preto, pobre e homossexual, tudo isso no início do século XX. Cem anos depois, o que mudou?

Esta pergunta que ainda ecoa é o impulso para a criação do espetáculo, tomando Madame Satã a metáfora de uma ideologia política e também estética. Analfabeto de pai e mãe, como ele costumava dizer, o artista Madame Satã é símbolo da incorporação de elementos da cultura ocidental europeia à malandragem carioca, com caras referências às manifestações africanas.

O espetáculo dá continuidade à pesquisa de linguagem do Grupo dos Dez, desenvolvida desde 2008 sobre os musicais brasileiros, investigando como a ancestralidade e a corporeidade negras podem contribuir para os espetáculos musicais tipicamente brasileiros. A montagem foi realizada ao longo do ano de 2014, dentro do projeto Oficinão do Galpão, em Belo Horizonte, tendo estreado em janeiro de 2015.

Com preparação corporal orientada pelo bailarino e ator Benjamin Abras, a corporeidade das danças afro-brasileiras sutilmente torna-se parte do trabalho, tendo como método principal o treinamento para a capoeira angola, o samba de roda, a dança dos orixás e a dança contemporânea. Dos terreiros de candomblé e das rodas de capoeira, deslocam-se os movimentos de origem afro brasileiros de seus locais originários para o palco, dando a eles significados diversos.

O espetáculo tem direção musical de Bia Nogueira, que conduziu um processo de experimentações sonoras e improvisações de melodias, com bases criadas por instrumentos musicais (harmônicos e percussivos), assim como a elaboração de letras que contribuam efetivamente para a dramaturgia. Neste processo foi erigida a trilha sonora inédita, criada pelos atores do espetáculo.

Há dois anos em cartaz, Madame Satã foi sucesso de público e crítica por onde passou. Em breve a dramaturgia será publicada em livro e a proposta do grupo é gravar um CD com as composições inéditas do espetáculo. Este espetáculo completa a trilogia afro-mineira de João das Neves que também dirigiu Galanga – Chico Rei e Zumbi, outros dois espetáculos que abordam a temática do negro e que foram apresentados anteriormente na CAIXA Cultural.

 

Debate E Oficinas
Selecionada no edital de Ocupação da CAIXA Cultural, a temporada inédita em São Paulo contempla ainda a realização de duas oficinas e um debate com o diretor João das Neves e elenco, tendo como temática A Brasilidade nos Corpos.

As oficinas, a serem ministradas pelo Grupo dos Dez, pretendem compartilhar a pesquisa de linguagem desenvolvida pelo Grupo desde 2008. A proposta é abordar a função da música no teatro como um todo e, em especial, no teatro musical tipicamente brasileiro. As duas oficinas, com carga horária de 20 horas cada uma, são fruto da pesquisa desenvolvida para a criação do espetáculo. São os dois pilares do Madame Satã: a corporeidade negra e a ação musical dramatúrgica.

A luta dos invisíveis retratada no espetáculo Madame Satã, pauta uma discussão necessária sobre as violências que permanecem ao longo dos séculos contra populações específicas. Rodrigo Jerônimo que assina a codireção do espetáculo e também a dramaturgia, destaca as adaptações realizadas ao longo destes anos em que a peça vem sendo encenada: “A cada apresentação, temporada ou reflexão que fazemos sobre o espetáculo, percebemos a necessidade da atualização da dramaturgia. Apesar de discursos de ódio estarem impregnados em nossa sociedade desde os primórdios é importante mostrar que os crimes permanecem impunes e continuam acontecendo no Brasil, como o assassinato do povo negro, indígenas e LGBT’s”.

O diretor João das Neves destaca a contemporaneidade do espetáculo, ressaltando como a história de Madame Satã perpassa a vida de muitos outros brasileiros: “Madame Satã vive. Vive na pujança do movimento negro que exige o reconhecimento cada vez maior de seu papel de protagonista na construção de uma sociedade mais justa; Vive na dignidade de movimentos que lutam contra a discriminação de gêneros, seja ela qual for”.

 

 

Madame Satã por João das Neves
“Madame Satã não é uma personagem do passado. Está aqui, nas ruas. Em cada criança jogada ao próprio destino: sem casa, comida, escola; humilhada e ofendida por ser pobre, negra, homossexual. Atraída pelo crime, seja este o roubo nos sinais de trânsito, ou o tráfico de drogas nas periferias e favelas de nossas metrópoles. Crianças que só se diferenciam de Madame Satã, por que ele, Satã, ainda podia e pôde se socorrer de sua força individual para se contrapor à sociedade pós-escravidão, mas ainda escravocrata, dos primórdios do século XX no Rio de Janeiro. Podia e pôde impor a sua dignidade, seu heroísmo.

Não há mais espaço para isso em nossos dias. O capoeira de ontem, hoje é portador de uma AR5. À violência extrema a que os seus secularmente foram submetidos, responde com a extrema violência; não chegará nunca a idade de Satã porque sua expectativa de vida não ultrapassa os vinte anos de idade. Não será reconhecido como um ícone da malandragem porque o malandro de ontem está definitivamente enterrado. Na visão, sempre escravocrata, retrógada e predatória de nossa elite endinheirada, se nasceu pobre, já nasceu marginal. É preciso tirá-lo a todo custo do meio do caminho. Para isso, todos os recursos são válidos: diminuir a maioridade penal; plantar sempre “evidências irrefutáveis”, em cada chacina perpetrada, do envolvimento das vítimas com o tráfico de drogas; violar lares humildes a tiros e pontapés; criminalizar toda e qualquer ação coletiva contra as arbitrariedades policiais etc.

E, no entanto, Madame Satã vive. Vive na pujança do movimento negro que exige o reconhecimento cada vez maior de seu papel de protagonista na construção de uma sociedade mais justa; Vive na dignidade de movimentos que lutam contra a discriminação de gêneros, seja ela qual for; Vive na serenidade com que jovens secundaristas ocupam escolas em S. Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte. Brasil afora, enfim, contra uma reforma de ensino arbitrária e que, como sempre, serve aos interesses do andar de cima.

Madame Satã vive. Com sua força, destemor, anseio de um mundo fraterno, onde o amor não mereça punição, mas respeito e admiração.

Infeliz do país que precisa de heróis, diria Bertolt Brecht. Nós outros ousamos contrapor o mestre: Infeliz do país que não sabe reconhecer seus verdadeiros heróis.”

Ficha Técnica
Direção Geral: João das Neves e Rodrigo Jerônimo
Direção Musical: Bia Nogueira
Dramaturgia: Marcos Fábio de Faria e Rodrigo Jerônimo
Supervisão da dramaturgia: João das Neves
Elenco: Rodrigo Jerônimo, Bia Nogueira, Alcione Oliveira, Denilson Tourinho, Evandro Nunes, Juliene Lellis, Gabriel Coupe, Carla Gomes, Kátia Aracelle, Nath Rodrigues, Rodrigo Ferrari, Thiago Amador, Junim Ribeiro e Sam Luca (com sua personagem Drag Queen Azzula)
Arranjo Musical: Alysson Salvador
Preparação Rítmica: Daniel Guedes
Preparação Corporal: Benjamin Abras
Iluminação: João das Neves
Técnico de Luz: Orlan Torres Nascimento
Cabelo e maquiagem:Xisto Lopes
Cenário e figurino: Cicero Miranda e Débora Alves
Assistente de cenário e figurino: João Paulo Sousa e Rodrigo Ianni
Confecção de sapatos: Helênio Lima
Equipe de apoio figurino: Ana Maria Faleiro e Zilanda Barroso
Cenotécnico: Italo Tadeu de Souza Silva
Realização/Produção: Grupo dos Dez e Associação Campo das Vertentes
Gestão e elaboração de projeto: Rodrigo Jerônimo
Produção executiva: Bia Nogueira
Assistente de Produção: Sam Luca e Rodrigo Ferrari
Produtora Local: Telma Dias
Criação Gráfica: Estúdio Lampejo

 

 

 

Madame Satã
Caixa Cultural São Paulo
Praça da Sé, 111 – Centro – SP.
Informações: 3321-4400
Próximo à estação Sé do metrô
Capacidade: 80 lugares
Duração: 80 minutos
Temporada: 8 a 18 de junho
De quinta-feira a domingo, às 19h15
Classificação indicativa: 16 anos
Entrada franca (ingressos distribuídos a partir das 9h do dia da apresentação)
Acesso para pessoas com deficiência
Patrocínio: Caixa Econômica Federal

Debate

“A Brasilidade nos Corpos”
Com João das Neves e Grupo dos Dez
Dia 08 de Junho (quinta-feira) – após a apresentação.

 

Oficinas

Corporeidade Negra Para Construção de Espetáculos de Teatro Musical Brasileiro
Com Grupo dos Dez e Benjamin Abras.
De 6 a 10 de junho, das 9h às 13h.
Inscrições de 29 de maio a 4 de junho pelo e-mail: grupodosdezbh@gmail.com
20 vagas.

 

Ação Musical Dramatúrgica
Ministrantes: Bia Nogueira e Rodrigo Jerônimo.
De 13 a 17 de junho, das 9h às 13h.
Inscrições de 29 de maio a 4 de junho pelo e-mail: grupodosdezbh@gmail.com
20 vagas.

 

Foto destaque: Leticia Souza
Fotos: Guto Muniz

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