Um menino negro, que mora na periferia, e narra sua trajetória desde o momento em que vai comprar pão na padaria, o encontro com um policial e sua corrida pelo mundo é o ponto de partida de Buraquinhos ou O Vento é Inimigo do Picumã, segundo espetáculo da programação da Mostra de Dramaturgia em Pequenos Formatos Cênicos do Centro Cultural São Paulo, que estreia no dia 22 de junho…
Com texto de Jhonny Salaberg, que integra o elenco ao lado de Ailton Barros e Clayton Nascimento, montagem tem direção de Naruna Costa.
Narrativa em primeira pessoa de uma personagem – menino negro – nascido e criado em Guaianases, zona leste de São Paulo, Buraquinhos ou O Vento é Inimigo do Picumã, apresenta a história de um jovem que vai a padaria no primeiro dia do ano e leva um “enquadro” de um policial. A partir daí, o menino começa a correr e não para mais, o que o leva para uma maratona pelo mundo passando por países da América Latina e África.
Ao longo do seu caminho, o menino – atingido por 111 tiros de arma de fogo do policial que o persegue, numa clara referência aos cinco jovens fuzilados em Costa Barros, no Subúrbio do Rio de Janeiro no final de 2015 com a mesma quantidade de tiros e também aos 111 mortos no massacre do Carandiru –, encontra várias personagens, que são arquétipos sociais que costuram os acontecimentos da história. Totalmente inserido na narrativa, o realismo fantástico do texto de Jhonny Salaberg mostra um menino com o corpo cheio de buracos, onde o real já não importa mais, pois ele precisa descobrir outras maneiras de sobreviver.
Para o dramaturgo, formado em 2016 no Núcleo de Dramaturgia da Escola Livre de Teatro de Santo André, diante de um caos social é preciso reinventar a vida. “É preciso acreditar que se pode correr em cima dos fios de eletricidade, pular até as nuvens, escorregar pelos encanamentos embaixo do asfalto e até voar com asas remendadas. A personagem precisa descobrir dispositivos de sobrevivência para poder continuar correndo, já que a fantasia invade a realidade derrubando todas as portas invisíveis pelo caminho. A ideia é falar de coisas pesadas de uma forma leve”, explica Jhonny.
Ferida aberta nas periferias
Convidada pelo Coletivo Carcaça de Poéticas Negras para dirigir o espetáculo devido a sua trajetória de teatro e negritude, a atriz Naruna Costa conta que foi um grande desafio levar ao palco um texto tão literário e imagético. “Fizemos várias leituras e junto com o elenco fomos descobrindo as formas de encenação desse tema tão importante que é o genocídio da juventude negra”, diz a diretora.
Para ela, Buraquinhos ou O Vento é Inimigo do Picumã é um grande jogo aberto, assim como o assunto tratado, que é uma ferida aberta nas periferias das metrópoles. “A encenação é pautada na presença dos atores em cena. Eles precisam estar vivos dentro e fora da cena”, acredita Naruna.
Segundo Jhonny Salaberg, o espetáculo é uma pesquisa em cima do genocídio e etnocentrismo da população negra que mergulha no universo do realismo fantástico, pautada na construção de um imaginário étnico-cênico-racial. “Em um tempo, em que aprendemos a naturalizar a barbárie, tragar o caos, vivendo em um moto-contínuo solitário e vertiginoso, insistir na sensibilidade do encontro com o outro e na empatia da arte para olhar para si é um instrumento de possibilidades”, pontua o dramaturgo.
Dividido em oito cenas, Buraquinhos ou O Vento é Inimigo do Picumã conta com dois músicos que executam a trilha sonora ao vivo com violão, violoncelo, piano, alfaia, bandolim e djembê. O cenário e figurinos, de Eliseu Weide, usam como referência a cor e a textura do papel pardo dos sacos de pães e um playground infantil com brinquedos antigos e envelhecidos completa a cenografia.
Ficha Técnica
Dramaturgia – Jhonny Salaberg
Direção – Naruna Costa
Elenco – Ailton Barros, Clayton Nascimento e Jhonny Salaberg
Direção Musical – Giovani Di Ganzá
Músicos – Érica Navarro e Giovani Di Ganzá
Preparação Corporal – Tarina Quelho
Cenografia e Figurinos – Eliseu Weide
Assistente de Cenografia e Figurino – Carolina Emídio
Iluminação – Danielle Meireles
Operação de Luz – Danielle Meirelles e Thays do Valle
Fotos – João Luiz Silva
Artista Gráfico e Ilustrações – Murilo Thaveira
Produção – Nós 2 Produtoras Associadas – Bia Fonseca e Iza Marie Miceli
Assistente de Produção – Lucas Cândido
Realização – Carcaça de Poéticas Negras, Centro Cultural São Paulo e Nós 2 Produtoras Associadas
Buraquinhos ou O Vento é Inimigo do Picumã
Mostra de Dramaturgia em Pequenos Formatos Cênicos do Centro Cultural São Paulo
Centro Cultural São Paulo
Espaço Cênico Ademar Guerra
Rua Vergueiro, 1000 – Liberdade (Estação de metrô Vergueiro)
Tel.: 3397-4002
Capacidade: 83 lugares
Duração: 90 minutos
Estreia: Sexta-feira, 22 de junho, às 21h
Temporada: Até 15 de julho
Sextas-feiras e sábados, às 21h
Domingos, às 20h
Ingressos:
R$ 20,00
R$ 10,00 (meia-entrada)
Na sexta-feira, dia 29 de junho, a apresentação terá o valor promocional de R$ 3,00 e a bilheteria abre a venda duas horas antes.
Classificação: Recomendação para maiores de 14 anos
Bilheteria: de terça a sábado, das 13h às 21h30; e domingos, das 13h às 20h30
Acesso para deficientes físicos
Continuidade da mostra
Depois de Buraquinhos ou O Vento é Inimigo do Picumã, a última montagem da quarta edição da Mostra de Dramaturgia em Pequenos Formatos Cênicos a estrear será Necropolítica, de Marcos Barbosa e direção de Aury Porto. Com Carol Badra, Luis Marmora, Mariano Mattos Martins e Tatiana Tomé, o espetáculo é um mosaico sombrio de uma sociedade em crise, mergulhada em dilemas que envolvem o surgimento de uma nova classe: os mortos. Atravessados pela disputa por recursos, por espaços e por representações, agora são eles que pautam os grandes debates em que se constroem, aos trancos e barrancos, entre a ética e a estética, uma possível nova política.
Para Kil Abreu, curador de teatro do Centro Cultural São Paulo, este quarto movimento da Mostra é sem dúvida o que consolida o projeto, que levou ao palco até aqui nove autores e autoras selecionados nas edições anteriores, além de algumas centenas de outros que enviaram seus textos para avaliação. “A edição atual ensaia mais deliberadamente as pontes entre estética e política em um momento em que esta relação volta a ganhar recorrência na cena brasileira. Nas peças de Ave Terrena e Jhonny Salaberg prevalecem as discussões sobre gênero, raça, lugares de classe e uma espécie de microfísica do poder, como dizia Michel Foucault. Já a quase anti-peça de Marcos Barbosa observa a sociabilidade em uma visada mais ampla, discutindo as formas atuais do ativismo agora travadas nas variações da polarização em que vivemos”, explica ele.
Próxima estreia:
Necropolítica – Dramaturgia de Marcos Barbosa e direção de Aury Porto
De 19 de julho a 05 de agosto
Fotos: João Luiz Silva
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