Um Brasil distópico em um tempo indeterminado, que mostra uma sociedade altamente controlada, militarizada e segregada. A exploração do trabalho atingiu níveis inimagináveis e a hipermedicalização culminou no consumo obrigatório do “remédio da felicidade”, droga do controle da satisfação e da manutenção do poder. Apesar do suicídio ser criminalizado, cada vez mais jovens resolvem tirar a própria vida. Esse é o panorama político e social de Mau Lugar, nova montagem do Coletivo de Galochas, que estreia dia 13 de setembro, no Tusp…
Com direção de Daniel Lopes e dramaturgia de Antonio Herci, Jéssica Paes e Rafael Presto, que também integra o elenco ao lado de Diego Henrique, Kleber Palmeira, Mariana Queiroz, Roanne Aragão e Wendy Villalobos, Mau Lugar acompanha a a história de Lúcia, uma mulher comum cuja vida é transformada pelo suicídio da filha.
Se o direito à melancolia é negado, como compreender o suicídio? Seria um ato de desespero, de desobediência, de recusa? Normalmente se considera o suicídio algo pessoal e de foro íntimo. Mas e se ele se torna um gesto coletivo, cometido por parcelas significativas da população? Dentro dessa distopia, o suicídio assume diversas faces: desde o cansaço por carregar o fardo humano até a resistência em aceitar a regulação e o controle sobre os corpos.
Em Mau Lugar (tradução literal da palavra ‘distopia’), o ato de tirar a própria vida também é uma metáfora para um tempo em que a política parece levar a becos sem saída. As trincheiras que se armam servem para nos assegurar de certezas ainda por cristalizar, ao invés de nos armar para enfrentar algum inimigo real ou imaginário.
Falta de perspectivas
“Vivemos um cenário político de retrocessos e perseguições que, por vezes, parece ser nossa própria distopia. São tempos sombrios, marcados pela repressão cotidiana e por uma onda de intolerância arrasadora, que busca minar os debates e a produção artística. Não há mais lugar para o sonho de liberdade. As utopias foram consideradas inúteis. Sobrou apenas uma amarga sensação de falta de perspectiva. É esta a matéria-prima da criação da peça: a falta de horizontes vivida por movimentos sociais, organizações políticas, grupos de teatro. Perdemos conquistas, espaços, militantes”, explica o diretor Daniel Lopes.
No espetáculo, o Coletivo de Galochas optou por remoer poeticamente a terrível sensação oca de ausência de perspectivas. A imagem que se forma em cena é violenta e dura, como a própria espera angustiada do cotidiano sem horizontes. A realidade degradada do universo distópico é o fio que amarra a estética da peça, norteando a confecção do cenário, figurinos e adereços.
O cenário é composto por caixas de papelão montadas sobre estruturas móveis, que tecem uma coreografia que recompõe e reconfigura o cenário. Os seis atores do elenco carregam consigo seu duplo, um boneco confeccionado em tamanho real. “No mau lugar, é difícil distinguir entre o que está vivo e o que não está. Os duplos, que se confundem entre corpos e objetos, representam esse limiar perturbador. Dessa forma, cada boneco representa o papel dos corpos humanos em uma sociedade altamente controlada: matéria com aparência de vida, apenas”, conta o diretor.
Sons dos ensaios
Com piano e percussão ao vivo, a composição da trilha sonora assinada por Antonio Herci está vinculada ao tema do espetáculo e teve na cenografia um de seus elementos disparadores, montando a trilha como blocos que se superpõem e se movem com a cena através da montagem digital. Os sons captados em ensaios do Coletivo servem de base para a mixagem final, através da manipulação dos ruídos.
Mau Lugar também conta com três músicas compostas pelo grupo e cantadas pelo elenco. A peça se apoia em uma interpretação dramática realista com incursões no melodrama, buscando elementos do grotesco para criar o estranhamento de descartabilidade pretendido.
Ficha Técnica
Direção – Daniel Lopes
Elenco – Diego Henrique, Kleber Palmeira, Mariana Queiroz, Rafael Presto, Roanne Aragão e Wendy Villalobos
Dramaturgia – Antonio Herci, Jéssica Paes e Rafael Presto
Direção Musical e Sonoplastia – Antonio Herci
Iluminação – Mariana Queiroz, Rafael Presto e Rodrigo Oliveira
Cenografia e Bonecos – Daniel Lopes, Diego Henrique e Kleber Palmeira
Figurinos – Mariana Queiroz e Roanne Aragão
Músicos – Antonio Herci (piano preparado) e Rafael Presto (percussão)
Preparação Corporal – Gabriela Segato
Danças Urbanas – Andrezinho
Comunicação – Antonio Herci e Wendy Villalobos
Imagens – Leonardo Fernandes
Mau Lugar
Com o Coletivo de Galochas
Tusp – Centro Universitário Maria Antonia
Sala Multiúso
Rua Maria Antônia, 294 – Vila Buarque
Tel.: 3123-5222
Capacidade: 72 lugares
Duração: 80 minutos
Estreia: quinta-feira, 13 de setembro, às 21h
Temporada: De 13 a 30 de setembro
De quinta-feira a sábado, às 21h
Domingo, às 19h
Ingressos:
R$ 20,00
R$ 10,00 (meia-entrada)
Recomendado para maiores de 16 anos
Bilheteria abre duas horas antes do início da sessão
Coletivo de Galochas
O Coletivo de Galochas é um grupo de teatro da cidade de São Paulo criado em 2010 para pesquisar formas de atuação político-poéticas. Nesses oito anos de trajetória continuada, realizaram seus espetáculos ao lado de movimentos, grupos parceiros, ocupações e comunidades diversas da região metropolitana de São Paulo. O histórico do grupo conta com quatro diferentes montagens, sendo três delas autorais: Piratas de Galochas, Revolução das Galochas e Cantos de Refúgio, peças que se desdobraram em inúmeras experiências teatrais e ocuparam os mais diferentes espaços. Mau Lugar é o quarto espetáculo autoral do Coletivo de Galochas. Todas as dramaturgias dessas montagens podem ser conferidas no livro Coletivo de Galochas: Dramaturgia Completa, que pode ser baixado gratuitamente no site do grupo Coletivo de Galochas.
Fotos: Leonardo Fernandes
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