A violência contra a mulher é o tema central de Quarança. O espetáculo d`A Próxima Companhia retorna e faz duas apresentações na sede do grupo, nos dias 13 e 14 de julho, sábado, às 21 horas, e domingo, às 20h…
No dia 21 de julho, às 18 horas, na Refinaria Teatral. Fruto de uma parceria com a Unaluna – Pesquisa e Criação (representada por Luciana Lyra, que assina direção, encenação e dramaturgia da montagem), propõe uma reflexão sobre o feminícidio, violência, estupro, discriminação, e outras tantas questões que ainda compõem o universo feminino. O elenco é composto pelas atrizes Juliana Oliveira e Paula Praia, d’A Próxima Companhia, além da atriz convidada Lívia Lisbôa. As apresentações na sede do grupo são parte do projeto Tebas – A Cidade em Disputa, contemplado na 32ª edição do Fomento ao Teatro da Cidade de São Paulo.
A palavra “quarança” vem do verbo “quarar a roupa”, do regionalismo brasileiro, que significa clarear a roupa pela exposição à luz do sol. Da mesma forma, o espetáculo Quarança expõe à luz do teatro questões referentes à opressão feminina em nossa sociedade, tais como o estupro, o feminicídio, a pedofilia e o controle do macho sobre a mulher, seja ela criança, adulta ou idosa.
Quarança é uma fábula dramatúrgica que conta a história de Alereda, uma cidade fictícia onde o sol é insistente e a terra, esturricada. Alereda é feita de caminhos estreitos, uma trama de vida e morte. Ocupada por um exército de jagunços, liderados pelo temido Sô Déo, o lugarejo tem suas mulheres violentadas, mortas e, uma a uma, quaradas ao sol, veladas sem lua, extintas, carbonizando o chão. Neste contexto surge a guerreira Rosa Ararim, que se posiciona contra este estado falocêntrico de opressão.
Há algum tempo o grupo ensaia voltar com a montagem. Mas, como afirma Juliana, apresentar esse espetáculo novamente agora virou uma necessidade. “O atual cenário político tornou a mensagem de Quarança ainda mais urgente. Precisamos falar sobre violência contra a mulher”, diz.
Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, uma inspiração
O processo de pesquisa da companhia iniciou-se em 2014, mesclando vivências pessoais das atrizes-criadoras e da diretora com referências externas, como filmes, livros, artigos, espetáculos, palestras, documentários etc. Uma das ferramentas que a companhia utilizou para aproximar os mitos pesquisados da realidade vivida foi o levantamento de depoimentos de mulheres comuns. Relatos de familiares e amigas, histórias de notícias de jornal, fábulas urbanas etc.
“A partir de nossas experiências pessoais, queremos ampliar o debate sobre a opressão contra as mulheres. E não pretendemos trazer uma versão da mulher somente como vítima, e sim, como ser histórico – sujeito e objeto destas situações -, trazendo à tona histórias de mulheres comuns, afinal, o universo pessoal também é político”, conta a atriz-criadora d’A Próxima Companhia Juliana Oliveira.
Entre os filmes assistidos, um em especial chamou a atenção da companhia: o documentário sobre a vida de Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, conhecida como o “Anjo de Hamburgo”, uma figura praticamente desconhecida. Uma mulher como outra qualquer (divorciada do primeiro marido, com um filho, que trabalhou para sobreviver, que escrevia diários e mandava cartas de amor), mas que teve feitos heróicos. Poliglota brasileira que prestou serviços ao Itamaraty na Alemanha nazista, Aracy teve um importante papel ao livrar da morte aproximadamente uma centena de judeus, concedendo-lhes vistos para o Brasil.
Segunda esposa do escritor João Guimarães Rosa, há uma hipótese de que a personagem ícone de Grande Sertão: Veredas (obra que o autor dedica à Aracy), a guerreira Diadorim, tenha sido inspirada em Aracy, fato que também serviu de inspiração ao coletivo feminino criador de Quarança.
“Em pleno século XXI, basta abrir o jornal para vermos ainda hoje meninas de 10 anos (ou menos) sendo obrigadas a casar por acertos de suas famílias, desigualdade gritante de salários, estupros e culpabilização das vítimas, mortes por abortos clandestinos, a obrigatoriedade de abrir mão de sonhos para ser uma ‘esposa perfeita’ ou mãe muito jovem, violência física, moral e verbal. A sociedade em que vivemos ainda acha bastante indigesto ser comandada por uma mulher, seja no plano familiar, empresarial ou político”, conta a atriz Paula Praia.
“Estes fatos que nos assolam todos os dias se tornaram um caldeirão muito rico de material para nos posicionarmos política e artisticamente. Estas histórias perpassam nossas vidas também, embora não tenhamos sido as protagonistas de todas elas. Quando percebemos isso, ficou impossível não nos posicionarmos. Nós três, atrizes d’A Próxima Companhia, escolhemos o teatro para este posicionamento. Ou melhor, temos a obrigação de fazê-lo”, conclui.
Construção colaborativa
Apesar de Luciana Lyra ter função tripla – dramaturgia, direção e encenação – no espetáculo, sua direção não era verticalizada e impositiva, e o trabalho foi construído em colaboração com as atrizes.
Mesmo com a história se passando em Alereda, Luciana e as atrizes criaram uma peça em que tempo e localidade não são definidas, apesar da forte referência ao sertão nordestino por conta da obra de Guimarães Rosa. “A encenação trabalha em três planos: o mítico, onde existem figuras bem poéticas; o dramático, onde a trama acontece; e o plano do distanciamento, onde temos uma narrativa, com depoimentos de mulheres que sofreram algum tipo de violência e trechos de discursos figuras políticas e públicas. Essa parte é uma das que atualizamos para essa volta: as declarações iniciais de Bolsonaro, Michel Temer ou Edir Macedo que usávamos na trilha ficaram pequenas perto das novas declarações desse último ano que ferem os direitos conquistados pelas mulheres. Essas três camadas ajudam a criar a sensação de que a peça pode estar se passando aqui e agora, como também pode acontecer em qualquer lugar e época”, explica.
Ficha Técnica
Dramaturgia, Encenação e Direção: Luciana Lyra
Assistente de Direção: Gabriel Küster
Atrizes-Criadoras: Juliana Oliveira, Lívia Lisbôa e Paula Praia
Atriz colaboradora no processo de criação: Julia Pires
Vozes em off: Caio Marinho, Gabriel Küster, Kerson Formis, Márcio Marconato (Jagunçaria); Walter Breda (Sô Déo)
Direção Musical: Alessandra Leão
Produção Musical: Missionário José
Cenário e figurinos: Marco Lima
Iluminação: Ari Nagô
Preparação corporal: Gabriel Küster
Preparação para manipulação de bonecos: Júnior Siqueira
Costureira: Zezé de Castro
Cenotécnico: Zé Valdir Albuquerque
Fotos e vídeo: Adriana Nogueira
Design gráfico: Rafael Victor
Equipe Técnica de Som e Luz: Caio Franzolin, Caio Marinho e Gabriel Kuster
Produção: A Próxima Companhia
Núcleo Artístico A Próxima Companhia: Caio Franzolin, Caio Marinho, Gabriel Küster, Juliana Oliveira e Paula Praia.
Realização: A Próxima Companhia e Unaluna – Pesquisa e Criação em Arte
Quarança
Realização A Próxima Companhia em parceria com a Unaluna – Pesquisa e Criação
Espaço Cultural A Próxima Companhia
Rua Barão de Campinas, 529, Campos Elíseos, Próximo à Estação Santa Cecília do Metrô.
Tel.: (11) 3331-0653
Capacidade do espaço: 50 lugares
Apresentações – 13 e 14 de julho
Sábado, às 21h
Domingo, às 20h
Classificação etária: 14 anos
Duração: 90 minutos
Ingressos: Pague o quanto puder
Refinaria Teatral
Rua João de Laet, 1507 – Vila Aurora
Domingo, 21 de julho, às 18h
Classificação etária: 14 anos
Duração: 90 minutos
Ingressos: Pague o quanto puder
Sobre A Próxima Companhia
Núcleo artístico da Cooperativa Paulista de Teatro, A Próxima Companhia foi constituída a partir da união de artistas egressos do Clã – Estúdio das Artes Cômicas que, após cinco anos de trabalho conjunto (2009 – 2013), em 2014 optaram por ter seu núcleo artístico constituído. O grupo tem sua criação cênica e método de pesquisa com foco nas questões da memória, no trabalho do intérprete e sua relação com o público. Propostas de treinamento são trazidas pelos próprios integrantes e artistas colaboradores convidados, privilegiando técnicas e dinâmicas de improviso, valorizando o jogo entre os atores e as tradições do teatro popular e a linguagem das máscaras e do circo. A Próxima Companhia vale-se ainda de técnicas extra teatrais como recurso para potencializar o discurso cênico (meditação ativa, danças circulares, ateliê de canto etc.). Também são parte da preocupação do grupo o trabalho de investigação teatral e a troca de conhecimentos com o público. Para tanto, também são realizadas atividades lúdico-teatrais (intervenções urbanas, performances, contações de história) e de formação, ministradas a diferentes públicos pelos integrantes da companhia que também possuem formação como arte-educadores (cursos de iniciação à técnica do palhaço, improvisação para a cena, iniciação teatral, formação de educadores, confecção e uso das máscaras teatrais etc.). Como forma de potencializar suas ações artístico-culturais o grupo mantém um espaço cultural no bairro Campos Elíseos em São Paulo/SP.
Sobre a Unaluna
Associada à Cooperativa paulista de Teatro, desde 2007, a UNALUNA configura-se enquanto de investigação, que congrega coletivos, grupos artísticos, e mesmo, artistas autônomos que intentam trabalhar a partir dos procedimentos da Mitodologia em Arte e da Artetenografia, conceitos desenvolvidos pela atriz, performer, encenadora, dramaturga e professora Luciana Lyra, em suas pesquisas de mestrado, doutorado em Artes Cênicas (UNICAMP/SP) e pós doutorados em Antropologia (USP) e Artes Cênicas (UFRN). Na sua trajetória, UNALUNA vem desenvolvendo projetos na área de pesquisa, criação, produção e formação artísticas, assim como projetos pedagógicos em arte, significando-se como um espaço de germinação, cultivo e florescimento do templo jardim que é a arte e seus artífices. Das pesquisas artetnográficas e mitodológicas, foram criados os espetáculos Joana In Cárcere (UNICAMP-2005), Calunga (Funcultura-PE-2006), Conto (Prêmio de Fomento às Artes Cênicas da Prefeitura da Cidade do Recife-2007), Guerreiras (Funcultura-PE-2008/Prêmio Funarte Myriam Muniz de Teatro-2009/Prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua-2009), Homens e Caranguejos (Prêmio de montagem de espetáculo inédito no Estado de São Paulo, ProAC -SEC-SP-2011/ Prêmio Funarte Myriam Muniz de Teatro- circulação 2012), Salema- Sussurros dos Afogados (ELT-2012), Obscena, Fogo de Monturo e Cara da Mãe (2015), Quarança (2017). O estúdio também produziu os livros Guerreiras; texto teatral e trilha sonora original, com subsídio do Funcultura Pernambuco, em 2010, e De como meninas guerreiras contaram heroínas, contemplado com a Bolsa de Criação Literária da Funarte, o Prêmio de Publicação de livros ProAC no Estado de São Paulo e o Funcultura-PE, entre 2009 e 2013. Em 2011, Luciana Lyra, fundadora de UNALUNA , recebeu o Prêmio de Texto Inédito de Dramaturgia também pelo ProAC, com o texto LUNIK (2012) e com o texto JOSEPHINA (2017).
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