Trabalho documental com direção de Fernando Kinas reflete sobre os impasses das migrações contemporâneas…
O espetáculo tem canções em vários idiomas, incluindo purepecha e tamazight, línguas do atual México e do norte da África, respectivamente, além de músicas brasileiras.
Para o Coletivo Comum, os deslocamentos forçados de pessoas por conta de guerras, violações de direitos humanos, condições climáticas e perseguições de qualquer tipo são um dos principais temas da atualidade, envolvendo questões individuais e coletivas, políticas e subjetivas. O grupo decidiu, então, fazer desses deslocamentos o seu material de pesquisa para construir o espetáculo “eXílio”. Depois de temporada no Teatro de Contêiner Mungunzá, a peça faz apresentações no Teatro Arthur Azevedo, até 2 de junho, com apresentações de quinta a sábado, às 20h, e, aos domingos, às 19h. Não haverá sessões entre os dias 16 e 19 de maio em razão da Virada Cultural.
Mantendo a tradição de fazer teatro documental, o Coletivo Comum estruturou cerca de 30 cenas para dar conta da multiplicidade de abordagens referentes ao tema do exílio. São quadros independentes, nos quais o elenco formado por Fernanda Azevedo, Maria Carolina Dressler, Renan Rovida, Renata Soul e Roberto Moura narra as diferentes dimensões envolvidas nas questões envolvendo migração, refúgio e exílio.
“Optamos por deixar o ‘X’ em caixa alta no nome do espetáculo para reforçar o tema da encruzilhada, do conflito e das oposições”, afirma o diretor Fernando Kinas. Assim, a obra “eXílio” é mais um capítulo na ampla investigação do grupo sobre os desafios civilizacionais contemporâneos.
Ao se debruçar sobre a temática das migrações, a companhia decidiu ampliar a discussão, incluindo deslocamentos dentro do próprio país, além da migração subjetiva, interna, já destacada por Ovídio no primeiro século da era cristã.
“Estamos discutindo também o sentimento de não se sentir pertencente a uma comunidade, mesmo dentro da sua própria cidade ou país. Há pessoas que se sentem exiladas de seu próprio corpo. Neste sentido procuramos fazer uma discussão ampla, incluindo questões que envolvem, por exemplo, a população LGBTQIAP+, que sofre todo o tipo de preconceito e violências”, completa Kinas.
Outro aspecto abordado pelo grupo é a noção de exílio interior descrita pelo crítico literário Antonio Candido como o sentimento que algumas pessoas têm de não se sentirem representadas pelo seu país ou regime político, como no caso das ditaduras militares.
Sobre a encenação
Para a construção da dramaturgia, foram utilizados muitos materiais, como o livro “Conversas de Refugiados”, escrito por Bertolt Brecht durante seu exílio na Finlândia e nos Estados Unidos nos anos 1940 por conta do nazismo. O livro foi traduzido e comentado por Tercio Redondo, professor da USP que participa como consultor do projeto. Também são utilizadas notícias veiculadas na imprensa, cartas de migrantes, documentos de órgãos oficiais, entre outros materiais.
De acordo com o ACNUR (Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), atualmente, mais de 110 milhões de pessoas estão vivendo, de forma não voluntária, fora dos seus locais de origem. Nesse contexto, elas estão sujeitas a violências anti-imigração, como estupro, discriminação e humilhação.
E, em meio a tantas informações, o grupo se inspirou em algumas personagens reais para criar as cenas, como o imigrante congolês Moïse Kabagambe, espancado e morto do Rio de Janeiro após cobrar duas diárias de trabalho atrasadas; a militante brasileira Dorinha, exilada durante a ditadura militar no Brasil que acabou tirando sua própria vida no exílio; e o crítico literário palestino Edward Said, que aborda o conceito de orientalismo como criação do ocidente.
O trabalho busca o compartilhamento entre atores, atrizes e público. Por isso, o coletivo apostou em uma paisagem visual de roda ou elipse, com o uso de cercas e barreiras, evocando campos de refugiados e de deportação.
“Estamos chamando nosso espaço cênico de campo, já que essa expressão está intimamente ligada ao refúgio. Existe campo de averiguação, de concentração, de triagem… No nosso caso, é também um campo de batalha, em que a memória e a resistência também estão presentes. E, de certa forma, quando o elenco está mais perto do público, ele está exilado da cena”, conta Beatriz Calló, que assina a assistência de direção e colaborou no roteiro ao lado de Fernando e do grupo.
A trilha sonora ganhou muita importância na encenação. Tanto que duas pessoas da área da música se juntaram ao elenco, Renata Soul e Roberto Moura, este último também assina a direção vocal. Além das canções executadas pelo elenco, uma cuidadosa trilha sonora evoca os temas da migração.
Sinopse
Atualmente, mais de 110 milhões de pessoas no mundo, segundo dados oficiais, foram obrigadas a se deslocar por causa de guerras, violações de direitos humanos, condições climáticas e perseguições de todo tipo (políticas, religiosas, étnicas, por orientação sexual). Elas estão sujeitas a violências anti-imigração, como estupro, discriminação, humilhação. Muitas perderam suas vidas. A experiência do exílio também pode ser vivida dentro do próprio país, como no caso das ditaduras e nos processos de desumanização. eXílio é um trabalho teatral, proposto pelo Coletivo Comum, que parte desta atualidade brutal, mas também da perspectiva de que as fronteiras são criações históricas, portanto, podem ser alteradas e suprimidas.
Ficha Técnica
Roteiro: Fernando Kinas, com a colaboração de Beatriz Calló e elenco
Direção: Fernando Kinas
Elenco: Fernanda Azevedo, Maria Carolina Dressler, Renata Soul, Renan Rovida e Roberto Moura
Assistência direção: Beatriz Calló
Cenografia: Julio Dojcsar
Iluminação e operação de luz: Dedê Ferreira
Figurino: Beatriz Calló, com a participação do Coletivo Comum e pessoas em situação de migração e refúgio
Treinamento e direção vocais: Roberto Moura
Pesquisa musical e trilha: Fernando Kinas, com a colaboração de Eduardo Contrera
Assessoria dramatúrgica: Tercio Redondo (Bertolt Brecht e o exílio)
Interlocução crítica: Clóvis Inocêncio (Berna), Beatriz Whitaker, Leneide Duarte-Plon, Dominique Durand e Cimade (Paris), Organon Art Cie (Marseille), Jean-Michel Dolivo (Lausanne), Rabii Houmazen (Marrocos e São Paulo), Museu da Imigração do Estado de São Paulo, Arro (Afeganistão e São Paulo), Banda Mundana Refugi (São Paulo) e Padre Assis (Cabo Verde e São Paulo)
Desenho e operação de som: Lienio Medeiros
Programação visual: Casa 36|Camila Lisboa
Fotografia: Fernando Reis
Serralheria: Fernando Lemos (Zito)
Assessoria de Imprensa: Canal Aberto|Márcia Marques, Daniele Valério e Carol Zeferino
Produção: Patricia Borin
Realização: Coletivo Comum
eXílio
Teatro Arthur Azevedo
Avenida Paes de Barros, 955, Alto da Mooca
Temporada: até 2 de junho
Quinta a sábado, às 20h
Domingos, às 19h
Atenção: entre os dias 16 e 19 de maio não haverá espetáculo em razão da Virada Cultural.
Ingresso: R$20,00 (inteira), R$10,00 (meia-entrada) e gratuito para estudantes do ensino público e pessoas em condição de migração e refúgio.
Duração: aproximadamente 140 minutos
Classificação indicativa: 14 anos
Redes Sociais e site
www.coletivocomum.com.br
Instagram @coletivocomum
Foto: Fernando Reis
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