Roda Morta estreia no Teatro Pequeno Ato

Com estreia prevista para o meio do período eleitoral, Roda Morta aponta para um discurso quase psicótico, que parece ter se consolidado nos últimos anos, em torno da ditadura militar no Brasil. A partir de 18 de outubro de 2018 (até 29 de novembro), os atores Biagio Pecorelli, Felipe Carvalho, Ines Bushatsky, Mariana Marinho e Pedro Massuela tomam o palco do Teatro Pequeno Ato, dirigidos por Clayton Mariano, a partir do texto de João Mostazo para estrear o terceiro trabalho da Cia. Teatro do Perverto…

 

 

 

O espetáculo traça um panorama histórico farsesco do Brasil desde a época da Ditadura Militar, trabalhando com clichês do período como luta armada, perseguição política e violência de Estado – até a crise atual. Na trama, um grupo de militantes deslocado no tempo decide sequestrar um ex-torturador que está em coma em uma clínica para pacientes com Alzheimer.

“Acho que a sacada da peça é que não se trata realmente da Ditadura. Se trata do hoje em dia. Quer dizer, ela aparece mais como uma fantasmagoria do que como um período a ser retratado com precisão histórica ou documental. Volta como uma assombração mesmo. Nunca entramos em um acordo quanto a existir uma narrativa coerente sobre o nosso passado totalitário. Daí a peça ser uma farsa, ter esse aspecto psicótico, como um delírio”, comenta o autor João Mostazo.

A peça tem direção de Clayton Mariano, diretor e ator do grupo Tablado de Arruar que em parceria com Alexandre Dal Farra há alguns anos vem se debruçando sobre questões políticas do país. Para o diretor se trata de uma oportunidade de diálogo com novos dramaturgos e novos grupos.

“Um dos principais motivos que me levou a aceitar o convite do grupo, para além de gostar muito do projeto, foi por se tratar de um autor jovem, aliás de um grupo inteiro jovem. Acho fundamental para o crescimento do teatro que haja este diálogo entre aqueles que estão chegando e os que já estão na estrada há mais tempo, sobretudo para o crescimento da dramaturgia. Hoje há muitos novos dramaturgos que sequer têm a chance de ver seus textos montados, por conta das circunstâncias atuais. De certa forma, a minha geração surgiu num período em que o teatro de grupo em São Paulo passava por uma revolução”, explica o diretor, que conheceu o texto após ter participado de um projeto do SESI/British Council para novos dramaturgos.

A montagem se apropria do gênero farsesco, por vezes beirando o esdrúxulo, com referências que vão do Cinema Marginal brasileiro até o teatro do diretor alemão Frank Castorf, abusando da teatralidade. A interpretação tem excessos de representação que parecem ir na contramão da onda performativa que figura no teatro paulista dos últimos anos.

“A primeira coisa do texto que me chamou a atenção foi o fato de estar classificada como uma farsa psicótica. Foi a forma farsesca que me pareceu ser algo atual. Nos últimos anos no Brasil vimos uma explosão de peças que ora mais, ora menos, se apropriavam daquilo que se convencionou chamar genericamente de teatro performativo. Particularmente, sinto que caminhamos em sentido oposto. A teatralidade e sobretudo a farsa, o fingimento descarado, os tipos, as diversas formas de fake, os excessos de representação, tudo isso parece traduzir mais a nossa atualidade”, conclui o diretor.

 

Sobre o grupo
“Roda Morta” é o terceiro espetáculo da Cia. Teatro do Perverto. O trabalho se iniciou após a temporada de estreia da peça “A Demência dos Touros” (apresentada em São Paulo, entre junho e julho de 2017). Continuando na linha de pesquisa da Companhia, entre psicopatologias sociais, violência sistêmica e ação política, o trabalho de traços farsescos e surrealistas da Cia. Teatro do Perverto se concentra na criação dramatúrgica autoral e na atenção e treinamento para o trabalho de atuação, conjugando experimentação literária nos textos com elementos pop na encenação e composição de trilha sonora autoral.

 

Encenação
Na peça o ambiente da peça é fechado, com poucos objetos de cena, móveis gastos pelo tempo, com alguns objetos que marcam a passagem de época, como uma cama velha e uma tina d’água. Figurino e cenário também foram criados sobre esse eixo. A juventude revolucionária deslocada no tempo, por exemplo, se apresenta de forma caricata, escancaradamente fora de época. Casacos de pele, boinas, perucas e óculos escuros (referência aos Panteras Negras), sobretudos tipo BaaderMeinhof – todo esse aparato adquire um elemento cômico, ao aparecer deslocado por uma época em que a própria ideia de Revolução se vê também fora de lugar.

 

Histórico
A Cia. Teatro do Perverto foi fundada em 2014, a partir do encontro de Ines Bushatsky e Pedro Massuela, ex-estudantes do curso de Artes Cênicas da Universidade de São Paulo, com João Mostazo, poeta e dramaturgo. A pesquisa da companhia se baseia na ideia de que a sociedade em que vivemos é uma sociedade fundamentalmente perversa, violenta e desigual. Para além, os textos, encenações e atuações farsescas dos espetáculos da companhia – que fazem um pastiche dos recursos melodramáticos presentes na indústria cultural – tentam dar conta das anomias sociais a partir de uma forma que incorpore a incompletude, o nonsense, a incoerência, a contradição, sugerindo a utilização da comédia e do humor como veículos de apreensão do drama humano muitas vezes mais poderosos do que a tragédia ou o próprio drama.
O primeiro espetáculo da companhia, “Fauna Fácil de Bestas Simples”, estreou em 2015, com direção de Pedro Massuela, texto de João Mostazo, trilha e direção musical de Vinícius Fernandes, e tendo no elenco Ines Bushatsky, Felipe Carvalho, Vicente Antunes Ramos e Caio Horowicz. A peça cumpriu temporada entre novembro e dezembro daquele ano e, no ano seguinte, integrou o festival II ETU – Encontro de Teatro Universitário. Acompanhando a trajetória de duas personagens moradoras de rua que passeiam pela cidade de São Paulo, a peça visitava diversas situações de violência urbana, como os abusos policiais, a atuação cínica e coercitiva do mercado imobiliário e o descaso social para com a situação de vulnerabilidade extrema de pessoas sem condição de moradia digna.
Em junho de 2017 estreou no Teatro Pequeno Ato, em São Paulo, o espetáculo “A Demência dos Touros”, com direção de Ines Bushatsky, texto de João Mostazo – a sua segunda peça escrita para o grupo –, dramaturgismo da ativista trans e pesquisadora Dodi Leal e provocação de Luiz Fernando Ramos. No elenco estavam Felipe Lemos, Rafael de Sousa, Jorge Neto, Pedro Massuela e Felipe Carvalho. A peça contava ainda com trilha sonora original, composta e executada ao vivo por Gabriel Edé e Vinícius Fernandes, e com direção de arte, cenografia e figurinos assinados por Lídia Ganhito. Refletindo sobre a relação entre segregação urbana e performances de gênero a partir da questão trans, o espetáculo teve a temporada de estreia prorrogada nas últimas semanas por conta da alta demanda de público, tendo tido destaque na imprensa e repercussão crítica.

Ficha Técnica
Texto: João Mostazo
Direção: Clayton Mariano
Elenco: Biagio Pecorelli, Felipe Carvalho, Ines Bushatsky, Mariana Marinho e Pedro Massuela
Direção de Arte: Lídia Ganhito e Maria Rosalem
Direção Musical: Gabriel Edé
Cenografia: Fernando Passetti
Realização: Cia Teatro do Perverto

 

 

 

 

Roda Morta
Teatro Pequeno Ato
Rua Dr. Teodoro Baima, 78, Vila Buarque
Capacidade: 40 lugares
Duração: 70 minutos
Estreia: 18 de outubro de 2018
Temporada: de 18 de outubro a 29 de novembro
Quintas e sextas, às 21h
Ingresso:
R$ 40,00
R$ 20,00 (meia)
Vendas: venda na bilheteria, no dia da apresentação, e online antecipada no site Sympla
Classificação: 16 anos

Foto: Divulgação

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