Fazer parte do elenco de “100% São Paulo”, performance integrante da 3ª edição da Mostra Internacional de Teatro, que ocupou o Theatro Municipal de São Paulo entre os dias 5 e 7 de março, foi uma experiência muito enriquecedora.
Com base em dados do IBGE e nas histórias de vida dos 100 participantes não-atores, o grupo suíço-alemão Rimini Protokoll, formado pelos diretores Helgard Haug, Stefan Kaegi e Daniel Wetzel, levou ao palco uma representação de toda a disparidade de São Paulo.
No início do espetáculo, todos os participantes tinham 10 segundos para dizer, quem são e o que fazem da vida. O restante do espetáculo consistia em perguntas/declarações, sobre as quais tínhamos que nos posicionar a favor ou contra, de modo a criar um espelho de toda a diversidade desta que é uma das maiores cidades do mundo.
Declarações como “sou a favor da pena de morte” e “acho que o país era melhor no tempo dos militares”, atingiam o objetivo do projeto, enquanto experimento coletivo, à medida que ajudavam a materializar a diferença entre os cidadãos que representávamos.
Do “lado de dentro”, no entanto, a experiência foi ainda mais ampla. Se, enquanto para a plateia éramos uma tentativa de espelho da sociedade, na coxia estávamos em um experimento bem mais amplo, pois convivíamos com pessoas de todos os grupos sociais e suas diferentes ideologias.
Para a participante Patrícia Tolentino, “a diferença de entendimento das propostas e a visão do todo entre os participantes foi bastante clara, assim como o “não cumprimento” das regras estabelecidas no grupo no momento de individualidade e improviso no palco.” A Radiologista Patricia Domingos completa que “quanto mais tempo de convívio, mais difícil se torna lidar com essas diferenças.”
Na vida real podemos escolher a quais grupos pertenceremos, reduzindo ao máximo a possibilidade de conflitos. Mas como lidar com 99 desconhecidos defendendo suas mais diversas opiniões? é quase uma bomba-relógio. “Se por um lado aceitamos as diferenças religiosas, políticas, entre outras, por outro lado exercemos a capacidade de não tolerar assuntos como homofobia, fascismo e admiração pelo regime militar. Relações de amor e ódio e admiração e desprezo se estabelecem a partir daí.”, como relata o Engenheiro João Valandro.
Se há conflitos, também há descobertas. Do mundo que nos cerca e, principalmente, de nós mesmos. Quando temos de defender nossas escolhas, reavaliamos nossa própria vida. A Universitária Rosana Melo, por exemplo, saiu diferente do projeto, pois sentiu falta do seu próprio “eu”, ou como ela mesma disse, “poderia ter sido mais verdadeira e real.”
Houve momentos de completa harmonia e outros de tensão, mas no geral acredito que foi uma experiência inesquecível para todos. Afinal, todas aquelas pessoas saíram juntas pela mesma porta. Saber enxergar o outro é um grande aprendizado, mesmo que ele seja oposto a tudo que você acredita.
Um dos momentos mais
emblemáticos da performance foi quando a luz fechou sobre a pergunta “quem quer que as coisas continuem do jeito que estão?” e não havia ninguém de acordo. Todos querem mudança. Mas qual? Para a Consultora Andrea Leoncini, “é desafiador pensar num Mundo Melhor pra todos, pois o mundo melhor de cada um é muito particular.”
“100% São Paulo” foi, portanto, mais que uma representação do que há na cidade. Foi um convite à convivência, ao respeito, ao questionamento e à quebra de barreiras. Seja qual foi a reação de cada um, a Advogada Nádia Migoto, que assistiu à última apresentação, acredita que “ninguém, do palco ou da plateia, saiu do teatro sem se sentir incomodado com alguma coisa.”
E, se isso aconteceu, a missão foi cumprida.
Fotos: Arlete Gimenez
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