Em comemoração aos seus 60 anos de carreira, o ator Fulvio Stefanini está em cartaz no Teatro Masp Unilever com O Pai, premiado texto do francês Florian Zeller. Sob a direção de seu próprio filho (Léo Stefanini), Fúlvio é um pai de terceira idade que vê sua memória falhar ao passo que a relação com sua filha se torna cada vez mais difícil.
Multifacetado, o espetáculo aborda a velhice e suas implicações, a perda de memória e as relações familiares. E o faz de forma muito sensível ao retratar tanto o olhar do pai quanto dos que o cercam.
Confuso em suas lembranças, o personagem de Fulvio entende cada vez menos o que está acontecendo ao seu redor. Ele sabe – ou pelo menos acha, que há alguma coisa muito errada. Mas não sabe o quê. A fim de possibilitar a aproximação entre a plateia e o protagonista, os atores invertem papéis, cenas são repetidas e histórias são contadas e recontadas.
É enlouquecedor como tudo, assim como num cubo mágico, apesar de intrinsecamente relacionado, se constrói e descontrói sem que consigamos compreender seus rumos. A narrativa, ao abusar dos detalhes, das repetições e das trocas, coloca-nos na cabeça daquele pai.
Desaparecem os limites entre o real e o imaginário, entre drama, tragédia e comédia, entre o fútil e o necessário, entre a vida que acaba e a que começa. A narrativa nos permite vivenciar, em certa medida, o drama do personagem para que, assim como ele, fiquemos à deriva diante da vida que segue seu curso impiedosamente. A sensação é de vazio, impotência e alienação. Personagens entram e saem de cena e nós, assim como O Pai, permanecemos sentados, questionando, reconstruindo lembranças, tentando dar um sentido, organizar e esclarecer os acontecimentos.
Ao mesmo tempo em que sentimos na pele o drama do protagonista, também acompanhamos os dilemas de sua filha, que, ao fazer de tudo para dar-lhe conforto e segurança, enquanto também precisa viver sua própria vida, se vê atropelada pelas dificuldades provenientes desta relação e da saúde debilitada de seu pai.
As atrizes Lara Córdulla e Carolina Gonzalez revezam-se como “a filha”. Apesar de serem a mesma personagem, interpretam-na em momentos distintos de sua vida. Isso aumenta a confusão do protagonista, que além dos problemas de memória, ainda precisa lidar com uma filha que vai viajar e, segundos depois, diz que nunca falou isso. As atrizes merecem destaque pela sintonia em cena, não fossem as diferentes histórias, dificilmente notaríamos as trocas. Tanto que a personagem, tanto de uma quanto de outra, dispensa o mesmo tratamento ao pai.
Diferentemente ocorre com “o genro” vivido pelos atores Paulo Emílio Lisboa e Wilson Gomes. Enquanto à filha o revezamento de atrizes presta-se a dar maior profundidade à vida de quem tem um idoso sob sua responsabilidade, aqui as trocas problematizam o tratamento que é dispensado a essa parcela vulnerável da população. De personalidades opostas, o genro interpretado por Gomes é compassivo e o de Lisboa é impaciente, falso e agressivo. A boa atuação de ambos cumpre seus objetivos e desperta, respectivamente, a empatia e a repulsa da plateia.
A cuidadora novata, vivida pela atriz Carol Mariottini, deixa um pouco a desejar. A expectativa que precede a chegada da personagem não é justificada pelo papel que desempenha, que, mal aproveitado, é apenas “protocolar”, ficando aquém tanto da importância para a família quanto da natureza de seu trabalho.
Fulvio e seu personagem estão irretocáveis. Sua sensível atuação dá conta de todo o caos que vive o personagem, sem deixar de lado o humor refinado das situações, por contraditórias que sejam.
Eu ri muito e me emocionei mais ainda. Não pergunte onde exatamente cessaram-se os risos e me ensurdeceram os silêncios porque não saberei lhe dizer. O Pai é exatamente isso. Nada é só preto ou branco. Um retrato realista das relações e transformações que o tempo traz e requer. Um poema sobre humanidade cujos versos são a vida e todas as vírgulas que a compõem.
Fotos: João Caldas Filho
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