Composta por quatro exposições, a mostra Estou Cá converge os questionamentos e reflexões reunidos nas etapas anteriores do projeto, com a finalidade de enfatizar as muitas formas de relação entre público e obra de arte…
Lançado em julho de 2015, o Projeto [Estou Cá] com curadoria geral de Paulo Miyada, gerou vários questionamentos sobre arte contemporânea. Depois das exposições Potlatch: Trocas de arte, que começou vazia e se desenvolveu por meio de trocas entre o público e a equipe curatorial, e Sempre Algo Entre Nós, que reuniu artistas contemporâneos com obras que enfatizam as relações entre obras e público, o projeto chega em sua última etapa. A exposição Estou Cá, que abriu ao público no último dia 30 de novembro, no Sesc Belenzinho, testa hipóteses a respeito da arte, seus agentes, processos constitutivos e a relação com o lugar e os públicos da unidade.
Dividida em quatro núcleos, a exposição Estou Cá combina, em tom provocativo, exposições, oficinas e projetos pedagógicos, em que público, artistas, mediadores e curadores se questionam sobre conceitos pré-estabelecidos, promovendo trocas de informações e experiências.
O primeiro núcleo apresenta um conjunto de obras inéditas de Paulo Bruscky chamada Artistas achados e apropriados, em que exibe objetos encontrados em feiras, depósitos e lixeiras e que remetem ao trabalho de artistas brasileiros como Volpi, Hélio Oiticica e Sérgio Camargo. O segundo núcleo, ZL, será composto por trabalhos de artistas que tem essa região de São Paulo como contexto, convidados a partir da pesquisa que se iniciou com a estada dos curadores no Potlatch. Já o terceiro núcleo é o resultado da oficina Refeitos, coordenada por Pedro França em que se exercita a refatura de obras conceituais das décadas de 1960 e 1970 e, por último, o quarto núcleo, Boletim Público, iniciativa experimental que registra os processos de mediação de todo o projeto, além pesquisar perguntas-chave para o debate atual de mediação e educação de arte contemporânea.
Para o curador Paulo Miyada, “A exposição Estou Cá é o ponto de chegada, na qual produção local, exercícios de convívio, processos colaborativos e diálogos acontecem com toda a complexidade que a arte contemporânea consegue promover quando diretamente voltada à esse fim”. Sobre a relação com o lugar, continua: “Ao invés de começar pela eleição de obras e assuntos de interesse peculiar e pensar em como mostrá-las a determinado público, todo o projeto pretende responder diretamente às particularidades dos vários perfis de visitantes e comunidades que atravessam este espaço, procurando implicá-los por noções abertas do que é a arte hoje”.
Paulo Bruscky
O artista de Recife apresenta na mostra Artistas achados e apropriados um conjunto de obras inédito. Durante anos, Paulo Bruscky colecionou objetos que encontrava em feiras, depósitos e lixeiras e que o lembravam diretamente da obra de algum artista contemporâneo: um tapete que remete a pinturas de Volpi, uma colcha bordada que provoca a lembrança do manto de Bispo do Rosário, restos de madeira que se organizam como esculturas de Sérgio Camargo. A reunião desses objetos resultará em uma inusitada coleção de grandes obras da história da arte que é, ao mesmo tempo, uma intrigante mostra de Paulo Bruscky. “Em destaque atualmente no Brasil e em outros países, a obra do Paulo nos dá uma dupla visão sempre com humor e tendo o cotidiano como pano de fundo”, conta Miyada.
Zona Leste
Durante a etapa do Potlatch houve um mapeamento de parte da produção artística nos bairros da Zona Leste paulistana. Após uma pesquisa complementar e alguns encontros nos ateliês e espaços de produção destes artistas, a curadoria convidou sete artistas para expor seus trabalhos. Os artistas convidados são: Caio Carpinelli, Kim Cavalcante, Moisés Patrício, Pedro Seman, Renato Almeida, Rafael Calixto e Vitor Oliveira. São artistas de linguagens e perfis variados, que têm em comum a atenção a processos, culturas, materiais e símbolos do espaço urbano.
“A ideia desse núcleo é mostrar a arte contemporânea deslocada do centro expandido da capital paulista e fazer uma conexão com toda a cidade de São Paulo”, conta o curador.
Refeitos
Resultado de uma oficina coordenada por Pedro França, a mostra Refeitos apresenta exercícios de refatura de obras fundamentais do minimalismo, da arte conceitual e da arte povera dos anos 1960 e 1970, no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos. O objetivo da oficina foi discutir obras da história da arte contemporânea que carregam em sua concepção a possibilidade de serem reconstruídas, reelaborando seus processos para refazê-las (sem necessariamente imitar sua forma final) como adverte Paulo Miyada: “Não são releituras, nem cópias ou imitações”.
Além dos três núcleos, a exposição Estou Cá contará com um espaço dedicado ao educativo, organizado no projeto experimental de mediação Boletim Público, com cocuradoria de Valquíria Prates. Tendo como foco principal os processos e debates discutidos e praticados nas exposições anteriores, os mediadores irão atuar nos espaços do Sesc Belenzinho – não apenas discutindo sobre as obras, mas produzindo provocações, reflexões, pesquisas e notações sobre e com as obras, o público e suas relações com cada módulo da exposição.
Como parte do espaço expositivo, haverá uma sala que funcionará como síntese de toda a pesquisa e discussão já promovida pelo projeto e também do que os mediadores produzirem e coletarem durante a exposição.
Artistas ZL
Caio Carpinelli
Produz pinturas e desenhos, tendo a cidade de São Paulo e, mais especificamente, o bairro do Belém, como local de percepção, anotação e composição de formas, enquadramentos e densidades. Mesmo quando suas obras possuem traços muito sintéticos, aparentemente abstratos, sua concepção depende da observação atenta de construções, telhados, horizontes e passagens.
Tendo nascido e crescido no Belém, Caio aprendeu a perceber sutis particularidades no bairro e no que ele é diferente do centro da cidade e de outras partes da Zona Leste. O passado industrial, a densidade habitacional, a grande escala e a proximidade com áreas em acelerada reconstrução imobiliária geram detalhes na ambiência urbana muito menos óbvios do que monumentos construções famosas. A pesquisa do artista, então, procura captar a esses detalhes em gestos pictóricos concisos, breves e precisos.
Fotos: Acervo Pessoal
Kim Cavalcante
Desenvolve performances para serem vistas pessoalmente e pelo vídeo, apenas ao vivo ou apenas registradas. Essa diferença depende dos distintos níveis de intimidade implicada pelas ações que concebe. O que se mantém em todas as propostas é o emprego de seu corpo como lugar em que atos singelos ligados às suas raízes identitárias podem ser repetidos, amplificados e reinventados como poesia e fábula. A poesia está na sincronia entre corpo e movimento, a fábula está na reverberação um pouco fantástica entre contexto e inesperado.
Kim cresceu entre os bairros de São Miguel e Itaquera e atualmente realiza pesquisa acadêmica e poética sobre a investigação performática de aspectos de sua identidade social, cultural, étnica e urbana e sua relação com o ambiente e com os outros. Mesmo dentro dessa pesquisa, entretanto, a artista resguarda o espaço para o silêncio e para o que não pode ser dito, evocando saberes táteis e formas rituais como alternativas ao discurso direto.
Moisés Patrício
Apresenta diversas colagens com arranjos feitos com adesivos de cores variadas, mas tamanhos e conteúdos similares. São anúncios de empresas que consertam portões metálicos retráteis, do tipo que normalmente encontram-se justamente colados sobre portões desse tipo em ruas comerciais. Moisés atentou para esses elementos banais da paisagem urbana a partir do diálogo com pessoas em situação de rua, diversas dela sub-empregadas com a tarefa de colar os adesivos durante as madrugadas.
Moisés, que nasceu e vive na Vila Industrial, decidiu dedicar diversas noites para acompanhar as caminhadas de quem cola esses adesivos, coletando então os materiais para esse trabalho e buscando estabelecer relações dialógicas que acabaram por gerar o material em áudio editado aqui. Nele, é possível identificar algumas das conversas que costuraram a errância pela cidade. Nas colagens, as sobreposições ao acaso que acontecem com o acúmulo de adesivos nos portões são reelaboradas pelo artista, que elege, edita, monta e diagrama padrões gráficos precisos.
Foto: Reprodução do site do artista
Pedro Seman
Gravador dedicado à prática por mais de cinco décadas, por várias vezes voltou-se a códigos e símbolos típicos do espaço urbano metropolitano para encontrar elementos para sua linguagem. Aqui estão apresentadas gravuras produzidas entre 1969 e 2008, todas baseadas em um repertório popular que inclui sinalizações de trânsito, manchetes de jornais e revistas, anúncios publicitários, slogans políticos, pixações e rasuras de porta de banheiro.
Nascido no Belenzinho, Seman acompanhou mudanças no bairro onde abriu seu ateliê de impressão, em funcionamento desde os anos 1960. Enquanto o conjunto de sua obra preza pela experimentação em diversas frentes, suas obras selecionadas combinam especialmente o humor com a sensibilidade às contradições, falsas promessas e apelações das mensagens que saturam a paisagem da cidade. Nesta montagem, pela primeira vez, estão reunidos todos os resultados da apresentação da gravura participativa
Puxe a descarga, junto a uma nova edição aberta à intervenção do público.
Foto: Reprodução do facebook
Renato Almeida
Realiza uma extensa caminhada à margem da linha-vermelha do Metrô, eixo que atravessa a Zona Leste em direção a seus bairros mais distantes. Por todo o percurso, o artista carrega uma espécie de totem feito pelo empilhamento de objetos e materiais encontrados na região ou adquiridos no comércio popular.
Renato nasceu em Itaquera e cresceu se deslocando por diversos bairros da Zona Leste. Aqui, vídeo e objetos testemunham a realização de uma jornada que revisita lugares de sua memória pessoal e, ao mesmo tempo, repete parte do trajeto de milhares de pessoas que dedicam diversas horas diariamente para atender as demandas do trabalho em uma metrópole desigual. No cotidiano, como na obra, tudo está sempre em movimento, mas pode ser difícil apreender a razão para tamanho esforço.
Rafael Calixto
Constrói assemblagens: montagens de objetos e materiais coletados. Ele as chama de “retratos”, por nascerem do convívio do artista com outras pessoas em situação de vulnerabilidade social. Para compor as peças que traduzem suas vivências, utilizou objetos variados encontrados em caçambas e lixos domésticos, junto a outros que foram trocados com seus interlocutores.
Calixto nasceu no Jardim Limoeiro e cresceu na Vila Ré, onde iniciou sua prática com grafite, prática que desenvolve até hoje, paralela ao emprego como arte-educador em instituições culturais. Seus personagens grafitados podem ser encontrados, principalmente, nos muros da Zona Leste e do Centro da cidade de São Paulo, sempre associados a temas como racismo, migração e exclusão social. Sua produção mais recente com assemblagens decorre diretamente dessas experiências e, ao mesmo tempo, afasta-se dos recursos gráficos para investir em uma linguagem enigmática, que sugere atmosferas e conflitos sem representá-los diretamente.
Foto: Reprodução do facebook
Vitor Oliveira
Cria objetos escultóricos de forma condensada, porém carregada de símbolos urbanos, mitologias e sincretismos. A partir de itens coletados na rua, fragmentos de mobiliários urbanos e outras peças, produz moldes com formas peculiares e aparentemente abstratas. Utiliza esses moldes para produzir uma série de esculturas em argila, todas similares, porém com variações de cores e outros detalhes. Em seguida, queima as peças em cerâmica e finaliza seu acabamento.
Vitor nasceu, cresceu e trabalha na Vila Matilde e acessou aspectos menos divulgados da metrópole trabalhando como motoboy e ministrando oficinas para adolescentes da Fundação Casa. Suas esculturas partem de resíduos urbanos e almejam condensar novas formas totêmicas, conectadas com simbologias místicas e imaginários de mistério.
Foto Vitor Oliveira: Reprodução do facebook
Exposição “Estou Cá”
Sesc Belenzinho
Rua Padre Adelino, 1000 – Belenzinho – SP
Tel.: 2076-9700
Até 26 de fevereiro de 2017
Horário de visitação:
De terça-feira a sábado, das 11h às 21h
Domingo e feriado das 11h às 19h30
Visitação: Grátis
Classificação etária: Livre para todos os públicos
Acesso para deficientes físicos
Horário de Atendimento do Sesc Belenzinho – De terça a sexta-feira das 9h às 21h30 e sábado, domingo e feriado das 9h às 19h30
Estacionamento: R$ 10,00 a primeira hora e R$ 2,50 por hora adicional e R$ 4,50 a primeira hora e R$ 1,50 por hora adicional (credencial plena).
Fotos: Divulgação
Agradecimento especial ao Luiz Claudio Ortiz Birai, que gentilmente colaborou na produção da publicação.
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