“Nos Trilhos Abertos de um Leste Migrante”

Os milhares de (i)migrantes que vivem hoje na capital paulista estarão, de alguma forma, representados nas histórias que o Coletivo Estopô Balaio estreia a partir do dia 10 de novembro…

 

 

 

“Nos Trilhos Abertos de um Leste Migrante”, é um projeto que envolve um tríptico, três histórias sobre sonhos, fugas e lembranças de Martha e seu filho Erik, Janaína, e do Sr. Vital, (i)migrantes que saíram da Bolívia, de Pernambuco e de Minas Gerais, respectivamente, para construir novas narrativas pessoais na cidade de São Paulo.

Durante o processo de criação do espetáculo, o grupo se dispôs a escrever cartas na estação Brás da CPTM, para quem quisesse ou precisasse dessa escrita. Surpreendidos pela quantidade de boas histórias, separaram três delas. Foi ali que conheceram seus personagens, suas histórias e trajetórias (e desfechos).

Os espetáculos serão encenados – e vividos por seus protagonistas e pelo público – na SP Escola de Teatro, no Brás (“Carta 1 – A Infância, a Promessa”) e nos trens da CPTM (“Carta 2 – A Vida Adulta, a Mulher” e “Carta 3 – A Velhice“), em viagens em direção à Guaianazes e Rio Grande da Serra, respectivamente. Munidos com fones de ouvido e MP4, os passageiros são convidados a avançar o olhar pelas janelas do trem, onde o audiotour auxilia no mergulho das narrativas que perpassam a vida dos imigrantes da América Latina.

 

 “Carta 1 – A Infância, a Promessa”
Um dos desdobramentos do processo de pesquisa levou Erik e Martha, protagonistas da vida real, “Carta 1 – A Infância, a Promessa”, a conhecer o mar.

A “Carta 1 – A Infância, a Promessa” traz a história de Erik, filho de bolivianos. Já no Brasil, Martha, sua mãe, escreveu uma carta para seu pai (avô de Erik, que estava doente na Bolívia). Martha, com o desejo de rever seu pai na Bolívia, fez a promessa de não cortar o cabelo do filho pequeno enquanto não pudesse voltar ao seu país natal e rever seu pai, para que ele mesmo pudesse cortar o cabelo de Erik. Essa prática cultural boliviana – em que alguém mais velho corta o cabelo da criança e dá a ela um presente – não levava em conta as dificuldades financeiras de Martha voltar à Bolívia e o tempo passou, sem que ela conseguisse cumprir a promessa. O cabelo do menino alcançou um tamanho gigantesco, o que gerou problemas na escola, no bairro e na vida social do garoto.

Quando finalmente a mãe de Erik conseguiu voltar ao seu país com o menino, o avô de Erik não se achou à altura de cumprir a promessa e não cortou o cabelo do neto. Foi então que Erik teve a ideia de oferecer sua história para um programa da TV aberta: o cabelo imenso (media cerca de 1,20m) poderia resolver parte dos problemas financeiros da família. E assim foi que o garoto expôs sua história na TV e conseguiu reformar seu quarto.

A história de Erik se entrelaça com o jogo geopolítico existente entre os países da América Latina e suas relações comerciais, afetivas e de poder. De maneira bem humorada, Erik e Martha propõem uma reflexão sobre os problemas enfrentados pelos cidadãos latino-americanos: das promessas de lucro fácil (na imigração para o Brasil), à realidade da semi-escravidão do setor têxtil, tudo é demasiado real e cruel nessa relação de irmandade com os vizinhos brasileiros.

 

“Carta 2 – A vida adulta, a mulher”
De menina para mulher. A Carta 2 traz fortemente a presença desta transformação

A vida adulta, a mulher” traz a história de Janaina. Nascida e crescida em Pernambuco, em Bonança, sofreu diversos tipos de abuso na infância. Aos 15 anos, foi entregue a um homem ao qual teve que chamar de marido. O sonho da festa de 15 anos, uma idade emblemática, foi interrompido pela transformação forçosa dessa menina em mulher.

Foram 18 anos de um relacionamento abusivo com seu “marido”. Janaina passou por vários tipos de violência – a mais frequente era a doméstica – mas chegou a apanhar dele até mesmo dentro do hospital onde estava internada por causa das surras que recebia.

Estimulada pelos seus dois filhos, Janaina se libertou do relacionamento e veio para São Paulo, com milhões de sonhos na mala. Há seis anos aqui, Janaina é uma das seguranças da estação central da CPTM, no Brás. A narrativa construída pelo Coletivo Estopô Balaio é refazer a festa de 15 anos que Janaína não teve, mas no local que ela escolheu para si: na própria estação de trens. É ali que o público verá a transformação de menina/mulher, mas em uma festa. A viagem, que parte da estação Brás com destino a Guaianases, é para buscar o bolo de aniversário, uma festa na estação do trem, para público/convidados.

 

“Carta 3 – A velhice”
O sonho do Sr. Vital em tocar sanfona foi concluído

A velhice” conta a história de Sr. Vital. Nascido em Mariana (MG), na roça, saiu de lá em 1964, para tentar a sorte na famosa cidade de São Paulo. O destino profissional do Sr. Vital cruzou diversas metalúrgicas, em épocas que o sindicalismo era bastante forte, vivenciou lutas e os desdobramentos trabalhistas do período. Mas o sonho do Sr. Vital sempre foi tocar sanfona. E foi só na sua aposentadoria que um empréstimo bancário fez o sonho virar realidade. E hoje ele toca, toca por aí, pelo prazer de tocar. Já tocou inclusive com Chico César, sem sequer imaginar o tamanho da trajetória musical de seu parceiro.

O Sr. Vital se envolveu no assunto “cartas e Estopô Balaio” quando ofereceu sua música como ferramenta para encorajar os transeuntes da estação de trem do Brás a escreverem cartas, por meio dos integrantes do coletivo. Ele, que estava em processo de alfabetização, aproveitou o ensejo e se permitiu escrever cartas para os amigos.

Em cena, a história do Sr. Vital rememora seu passado de metalúrgico, sua infância e as privações da velhice. Partindo da estação Brás, com destino a Rio Grande da Serra, a partir das janelas do trem é possível ver muitas paisagens, como a de fábricas abandonadas e trens antigos, que revelam a mobilidade urbana dos anos 60. Os rios lameados que cortam o trajeto, remetem à sua infância, e provocam a pensar na cidade natal de Seu Vital, Mariana, e o Rio Doce, afogado pelo descaso dos homens que acham que são donos do rio. Nas inquietações sobre a velhice, o Sr. Vital questiona o confinamento dos idosos em asilos – privados de sua liberdade sobre essa escolha.

Ficha Técnica
Ideia original e direção geral: João Júnior
Coordenação de Dramaturgia Cartas 2 e 3: Ana Carolina Marinho e João Júnior
Dramaturgia Carta 1: João Júnior
Codireção Carta 1: Juão Nin
Elenco: Adriana Guerra, Ailton Barros, Amanda Preisig, Ana Carolina Marinho, Ana Clau, André Maria Leão, Anna Zepa, Barbara Santos, Bastian Thurner, Carol Piñeiro, Filipe Ramos, Jhonny Salaberg, Juão Nin, Júlio Lorosh, Marina Esteves, Romário Oliveira, Tati Caltabiano
Assistente de Direção Cartas 2 e 3: Tati Caltabiano
Trilha Sonora (audiotour): Marko Concá
Direção de Arte: João Júnior e Juão Nin
Produção: João Júnior
Produção executiva: Ana Carolina Marinho
Assistente de Produção: Wemerson Nunes
Figurino Carta 1: Sandra Pestana
Iluminação Carta 1: Rodrigo Silbat
Video Mapping Carta 1: Flávio Barollo
Preparação corporal: Bruna Longo

 

 

 

“Nos Trilhos Abertos de um Leste Migrante”

Carta 1: A infância, a promessa (SP Escola de Teatro)
SP Escola de Teatro – Brás
Av. Rangel Pestana, 2401 – Brás
Lotação: 80 pessoas
Duração: 90 minutos
Dias 10, 11, 17, 18, 24 e 25 de novembro, às 20h
Dias 01, 02, 08 e 09 de dezembro, às 20h
Ingresso: Grátis – mediante reserva
Classificação: 12 anos
Reservas: reservas@coletivoestopobalaio.com.br

 

Carta 2: A vida adulta, a mulher (linha 11 da CPTM)
Espaço Cultural da Estação Brás – Linha Vermelha CPTM
Praça Agente Cícero, s/n – Brás
(localizado na estação Brás da CPTM)
Parte da estação Brás com destino a Guaianases
Lotação: 50 pessoas
Duração: 120 minutos
Dias 16 e 23 de novembro, às 15h
Dia 30 de novembro às 10h e às 15h
Dias 07 e 14 de dezembro, às 10h e às 15h
Horário: 10h (chegar com 30min de antecedência, as reservas caem às 9h30)
Horário: 15h (chegar com 30min de antecedência, as reservas caem às 14h30)
Classificação: 12 anos
Reservas: reservas@coletivoestopobalaio.com.br

 

Carta 3: A velhice (linha 10 da CPTM)
Espaço Cultural da Estação Brás
Praça Agente Cícero, s/n – Brás
(localizado na estação Brás da CPTM)
Partindo da estação Brás, com destino a Rio Grande da Serra
Lotação: 50 pessoas
Duração: 160 minutos
Dias 22 e 29 de novembro, às 10h e às 15h
Dias 06 e 13 de dezembro, às 10h e às 15h
Horário: 10h (chegar com 30min de antecedência, as reservas caem às 9h30)
Horário: 15h (chegar com 30min de antecedência, as reservas caem às 14h30)
Classificação: 12 anos
Reservas: reservas@coletivoestopobalaio.com.br

 

 

 

Coletivo Estopô Balaio
O Estopô Balaio é um coletivo de artistas formado em 2011 na cidade de São Paulo que conta em sua maioria com a participação de artistas migrantes. É por esta condição de vida, a de um ser migrante, que o coletivo se reuniu, no desejo de aferir um olhar sobre a prática artística encontrando como estrangeiros a distância necessária para enxergar o olhar de destino e dos seus desejos.

A distância geográfica das lembranças e paisagens dos integrantes, levaram a uma tentativa inútil na busca por pertencimento à capital paulista. Era preciso reinventá-la para poder praticá-la. Na busca pelo lugar perdido de na memória, eles seguiram para fora e à medida que distanciavam de um tipo de cidade localizada em seu centro geográfico, foram se aproximando de outras cidades, de outros modos de vida e de novos compartilhamentos.

O cinturão periférico da cidade no seu vetor leste revelou um pedaço daquilo que tinha ficado para trás. Havia um Nordeste em São Paulo que estava escondido das grandes avenidas e dos prédios altos do centro paulistano. O Jardim Romano é um pedaço do cinturão periférico que guarda lembranças alijadas da construção histórica da cidade-império.

Os edifícios que arranham o céu ajudam a esconder e afastar um contingente populacional que não consegue se inserir nos apartamentos construídos em novos condomínios. A memória partilhada nos seis anos de residência artística no Jardim Romano são as de estrangeiros de um lugar distante e a destes pequenos deuses alagados de uma cidade submersa pelo esquecimento.

O encontro com o bairro Jardim Romano, se deu num processo de identificação, pois a maioria de seus moradores são também migrantes nordestinos que fincaram suas histórias de vida nos rincões da capital paulista. O alagamento do Jardim Romano era real, oriundo da expansão desordenada da cidade, o do coletivo era simbólico, originário da distância e saudade daquilo que deixaram para trás.

O Estopô Balaio traçou no final de 2016 possibilidades para a expansão do seu território cultural. Para tanto, iniciaram o projeto “Nos trilhos abertos de um leste migrante” que se estabelece no encontro e no afeto com outros bairros da zona leste de São Paulo. O Jardim Romano segue com atividades constantes na sede do Coletivo, a Casa Balaio, com saraus, apresentações de espetáculos, oficinas de teatro, projeções de filmes, entre outras.

 

Fotos: Divulgação

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