Reestreia dia 19 de outubro, às 21h, na Sala Jardel Filho no Centro Cultural São Paulo, o espetáculo Navalha na Carne Negra, com direção e dispositivo cênico de José Fernando Peixoto de Azevedo. No elenco os atores Lucelia Sergio, Raphael Garcia e Rodrigo dos Santos…
A peça de Plínio Marcos, que no ano passado completou 50 anos, é tida como um clássico do “teatro marginal”: aquela cena que fazia ver a “escória da sociedade”. No caso de Navalha na Carne, figuram três personagens, Neusa Sueli, Vado e Veludo, respectivamente, uma prostituta, um cafetão e um camareiro gay, que, nas palavras do crítico teatral Décio de Almeida Prado, fazem parte de um “subproletariado” – “uma escória que não alcançara sequer os degraus mais ínfimos da hierarquia capitalista”.
Se muitos a consideram uma obra “datada” sob alguns aspectos, essa nova montagem pretende friccionar Navalha na carne contra a própria pele – a realidade, a experiência e a pesquisa de uma atriz, dois atores e um diretor negros, que vêm construindo suas trajetórias através de uma proposta estética que articule a presença preta na cena e na sociedade contemporâneas: José Fernando Peixoto de Azevedo, dramaturgo, diretor teatral e professor da Escola de Arte Dramática da USP, foi diretor e fundador do Teatro de Narradores (1997-2017) e colaborador do grupos Os Crespos, além de dramaturgo do espetáculo “Isto é um negro?”; Lucelia Sergio, da Cia Os Crespos (SP); Raphael Garcia, do Coletivo Negro (SP); e Rodrigo dos Santos, da Cia dos Comuns (RJ), grupos que tem extensa pesquisa teatral sobre o tema.
Do Corpo Negro, por José Fernando Peixoto de Azevedo
A problemática do corpo preto e seus históricos processos de marginalização social servem de mote central para nossa montagem, que pretende lançar luzes sobre algumas questões relativas à hierarquização social vigente nas sociedades contemporâneas. Essas questões atravessam o texto de Plínio Marcos e reverberam na própria produção teatral hegemônica em nosso país. Quem são esses “marginais” de Plínio Marcos hoje em dia? Onde se encontram? Como vivem? Como lidam com seus desejos e necessidades? Qual sua expectativa de vida? Será que se reconhecem como parte da “escória”? O que esperam da sociedade – se é que ainda esperam alguma coisa?
Do corpo-mercadoria – essa redução perversa da imagem do corpo preto produzida pela história da escravidão – à mercadoria-corpo que é a prostituta Neusa Sueli estancando a fome com seu sanduíche de mortadela; da sexualidade excessiva da “bicha” Veludo à sexualização do corpo negro, esse corpo-objeto, ao qual não se concede o direito ao desejo; e, a partir daí, até a fantasmagoria viril chamada Vado, cuja expressão é a imitação de uma violência cuja gramática constitui uma gestualidade macaqueada da violência naturalizada na figura do macho nacional.
Do Excesso e da Exceção
São excessos de vida e de morte, de potência e impotência, de grandeza e insignificância, são vestígios de uma história marcada no corpo preto, feita de gritos e de silêncios. Imaginar um futuro implica, para nós, lançar o olhar às cicatrizes e permitir-nos a escuta de uma potência inaudita – provavelmente, a voz de um anseio oprimido que jamais desistiu da vida.
Nessa Navalha na Carne Negra, as figuras em jogo não são apenas vítimas ou imagens de uma destituição absoluta. Elas são sobretudo figuras em luta: em cena como na vida, a luta pela vida revela o quão portadoras de vida ainda são. Na resiliência desses corpos adoecidos de sua negação, revela-se uma intuição silenciosa, de que os atravessamentos produzem diferença, permitem que saibam ainda o que são; como qualquer corpo doente, são corpos que imaginam cura.
Da Cena
A cena se constitui como um dispositivo-estúdio, em que as imagens são captadas e transmitidas ao vivo, elaborando uma espécie de adesão: o ponto de vista da câmera adere a Neusa Sueli. Presente o tempo todo em cena, a câmera, esse dispositivo de olhar, de enquadramento, força a construção. O espectador vê o jogo em cena e compara com o corte que assiste na tela. Os monitores revelam a dimensão do corte, emoldurando o jogo e sua teatralidade. É preciso atravessar essa saturação da imagem, do corte, do enquadramento, para conferir a suposta totalidade da cena, já saturada de presenças, transitando entre o jogo ficcional do texto e o jogo estrutural da captação de imagem. A luta entre as personagens é duplicada pela tensão gerada por esse trabalho de captura da imagem.
O olhar dessa puta – essa Neusa Sueli preta, mulher, corpo-mercadoria – contempla, porque precisa contemplar, a imagem de um futuro. Ela se mantém atenta, examinando a miséria, o desespero e a desesperança, em busca de uma pista – o mais sutil laivo de vida. Seu olhar há de nos indicar a direção do grande salto.
Ficha Técnica
Direção Geral e Dispositivo Cênico: José Fernando Peixoto de Azevedo
Atores: Lucelia Sergio, Raphael Garcia e Rodrigo dos Santos
Vídeo: Isabel Praxedes e Flávio Moraes
Iluminação: Denilson Marques
Direção de Arte: Criação Coletiva
Assessoria para o Trabalho Corporal: Tarina Quelho
Programação Visual: Rodrigo Kenan
Produção: Corpo Rastreado
Navalha na Carne Negra
CCSP – Centro Cultural São Paulo
Sala Jardel Filho
Rua Vergueiro, 1000 – Paraíso
Tel.: 3397-4002
Capacidade: 321 lugares
Duração 60 minutos
Temporada: De 19 de outubro a 11 de novembro de 2018
*Não haverá espetáculo nos dias 27 e 28/10, devido ao período eleitoral.
Sexta e sábado, às 21h
Domingos, ás 20h
Classificação 16 anos
Ingressos:
R$ 20,00 (inteira)
R$ 10,00 (meia)
Horário de funcionamento da bilheteria: De terça a sábado, das 13h às 21h30. Domingos, das 13h às 20h30
Vendas: Ingresso Rápido
Fotos: Isabel Praxedes
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