Montagens inéditas de Koffi Kwahulé, dramaturgo costa-marfinense radicado na França, estreiam no Sesc Belenzinho…
Autor de mais de 30 textos dramáticos, além de romances e contos, Koffi Kwahulé já teve peças traduzidas para 15 línguas e montagens em países da Europa, África e Américas
Uma dramaturgia baseada na oralidade, textos dramáticos escritos em versos a serviço de um ritmo inspirado pelo jazz, poucas referências aos locais em que ocorrem as ações e personagens alegóricos são algumas das marcas de Koffi Kwahulé, autor franco-marfinense que terá duas peças encenadas no Brasil em outubro, no Sesc Belenzinho: Jaz (4 a 20/10), monólogo traduzido e interpretado por Sofia Boito com direção de Joana Dória; e Big Shoot (25/10 a 10/11), dirigido e traduzido por Janaína Suaudeau e interpretado por Daniel Costa e Daniel Infantini. São as primeiras montagens brasileiras desse dramaturgo.
Sofia Boito e Janaína Suaudeau estudaram na França em diferentes períodos. Fascinadas pela potência da obra de Koffi, traduziram duas de suas peças por iniciativa própria, sem nenhum projeto em vista. No final de 2017, por intermédio de uma amiga em comum, descobriram do envolvimento de ambas com o autor. “Foi uma grande coincidência termos traduzido as peças no mesmo período”, conta Sofia, ressaltando que as duas obras são muito diferentes entre si, mas trazem sínteses importantes sobre a produção dramática de Koffi.
Para Janaína, as montagens dão a oportunidade para que o público tenha um panorama amplo da linguagem e dos temas mais caros para o autor, como a desigualdade social, violência, pobreza e o frequente questionamento sobre as estruturas sociais de poder. “Quando nos encontramos, entendemos nossa oportunidade de fazer algo maior, mais expressivo e que pudesse apresentar a obra do Koffi num mesmo projeto”, complementa Janaína.
As artistas contam que as duas peças compartilham de um clima de suspense, com uma ação que vai se revelando aos poucos, não entregando de uma vez ao público os temas ou o perfil das personagens levantadas em cena. Outra característica das obras é que nenhuma delas especifica local ou data concreta da ação. Esse atributo marcante de Koffi reforça o caráter alegórico e por vezes surrealistas do seu estilo.
Sobre Jaz
4 a 20 de outubro de 2019
Em estrutura poética e com um forte apelo ao ritmo jazzístico do seu discurso, uma mulher conta que Jaz acaba de ser estuprada. A peça discute a violência em um modelo de sociedade que historicamente subjuga a mulher; não por acaso Jaz apelida o estuprador como “inquisidor” e “homem com o olhar de cristo”. As referências são, respectivamente, os tempos de perseguição às mulheres – conhecidos como o de ‘caça às bruxas’ – e o fundamentalismo religioso que enclausura a mulher em modelos morais. O nome Jaz dá vazão a interpretações múltiplas, como o gênero musical do jazz, fundamental na obra de Koffi, a planta jasmim e o verbo ‘jazer’, usado com frequência para falar sobre um desejo de descanso para quem morre.
“A narrativa não é linear e o público vai captando aos poucos os detalhes sobre a situação contada por essa mulher”, diz Sofia. Além da atriz, está em cena um videomaker (Flavio Barollo) e uma cantora (Ligiana Costa). O videomaker acompanha a mulher o tempo inteiro, propondo com sua câmera um comportamento masculino que aprisiona, possui e recorta os ângulos que deseja obter; já a cantora cria camadas sonoras com sons que se alternam entre cantos, ruídos, respirações e outros recursos que movimentam a cena. O cenário faz alusão a um canteiro de obras. “É um lugar precário que representa tanto o lugar onde Jaz mora como o banheiro público em que ela é estuprada”, conta Sofia. A artista complementa que ela e a diretora Joana Dória optaram por ambientar a cena em um espaço não realista que também tem uma dimensão simbólica, o espaço do trauma.
“Jaz assume traços surrealistas, com um texto em espiral vai oferecendo pistas sobre o que está ocorrendo aos poucos”, ressalta Sofia, destacando que essas características exigiram que, após cada etapa da tradução, a artista promovesse leituras dramáticas para entender se havia coesão entre o texto escrito e o texto falado, com os sentidos e ritmos propostos pelo original de Koffi.
Sobre Big Shoot
25 de outubro a 10 de novembro de 2019
Big Shoot traz no próprio título a pluralidade de leituras que a peça propõe: a palavra shoot em inglês pode significar tiro, uma carreira de cocaína, um prazer intenso e fugaz, um ensaio fotográfico ou sexo rápido, entre outros significados. Para não comprometer esse leque de possibilidade, Janaína Suaudeau manteve o título original da obra, que é escrita em francês, mas foi nomeada em inglês por Koffi. “Nesta peça, como em outras de sua autoria, as personagens não têm um plano de fundo, nome ou história que os anteceda, o que gera um efeito de suspense no público”, conta Janaína, que além da tradução, também assina direção da obra.
Nesta peça, o público cumpre o papel de uma plateia que está prestes a assistir, voluntariamente, um show de torturas promovido por um homem autodenominado Senhor (Daniel Costa) a uma vítima que ele dá o nome de Stan (Daniel Infantini). Passagens bíblicas sobre os irmãos Caim e Abel são citadas durante a peça – no livro de Gênesis é descrito que, enciumado de seu irmão, Caim matou Abel, cometendo o primeiro homicídio da humanidade. “Essa discussão surge para pensarmos sobre até onde chega a inveja, a ganância, o amor mal resolvido e outras questões humanas que fazem alguém se tornar capaz de um ato tão perverso como matar o seu próximo”, conta Janaína.
Outra referência presente em Big Shoot é o livro O Carrasco, que tem trecho destacado na contracapa da edição francesa da peça. A obra é de autoria do escritor sueco Pär Lagerkvist, ganhador do Prêmio Nobel, e ressalta como a figura de um carrasco precisa ser reforçada pelo apoio social para poder existir.
A premissa violenta é amparada por um ambiente que se assemelha a um show de horrores, a um coliseu, como os que os antigos romanos se reuniam para assistir soldados se digladiarem com as feras – para isso, o cenário representa uma arena quadrada em que há duas cadeiras metálicas, utilizadas nas salas de interrogatórios dos EUA para que o réu não tenha como quebrá-las e usar alguma de suas partes como arma. Sofia Boito assina a luz da peça, que acompanha o ambiente de um show de garagem proposto por uma banda que executa ao vivo um som propositalmente poluído com efeitos sonoros caseiros. A escolha reforça o perigo da espetacularização da violência, já que a sessão se mostra a cada momento uma espécie de espetáculo grotesco que a plateia deseja assistir. “Uma reflexão indigesta que a peça propõe é de que o carrasco só existe devido à presença de um público que aplaude matanças”, diz Janaína.
Koffi Kwahulé
Koffi Kwahulé (1956) é um autor, ensaísta, ator e diretor nascido Costa do Marfim. Ele é formado pelo Instituto de Artes d’Abidjan e pela École National Supérieure des Arts et Techniques du Théâtre de Paris. O dramaturgo também é doutor em estudos teatrais pela Sorbonne Nouvelle Paris III. Kwahulé é autor de mais de trinta peças, publicadas pelas editoras Lansman, Actes-Sud, Acoria et Théâtrales, traduzidas em dezenas de línguas. Suas peças já foram montadas em diferentes países da Europa, África e América Latina, além dos EUA, Canadá, Japão e Austrália. Desde janeiro de 2016 ele é autor associado do CDN de Montluçon, dirigido por Carole Thibaut. Já em seus primeiros textos vemos nascer uma escrita forte, que explode o uso habitual da língua: escrita carnal, concebida na violência imediata que pode ter a oralidade. Uma escrita musical, ardente e cadenciada como um ritmo febril de jazz. Dentre suas peças mais conhecidas e premiadas estão Cette vieille magie noire (1993), Jaz (1998), Big Shoot (2000) et L’odeur des arbres (2014). Pelo conjunto de sua obra recebeu o Prêmio Edouard Glissant em 2013, os Prêmios Mokanda e Prêmio de Excelência da Costa do Marfim em 2015 e em 2017 Kwahulé recebeu o Prêmio Grand Prix CNT pela peça L’odeur des abres e ganhou o Prêmio Bernard-Marie Koltès pela mesma obra em 2018.
Janaína Suaudeau
É uma atriz e diretora franco-brasileira. Ela se forma no Teatro Escola Célia Helena e no Conservatório Nacional Superior de Arte Dramática em Paris (CNSAD). Em Paris, atua em várias montagens, entre as mais importantes La Ville de Crimp direção Marc Paquien; Strindbergman direção Marie Dupleix; La Tempête de Shakespeare direção Georges Lavaudant; Claire en Affaires de Crimp direção Sylvain Maurice. No cinema, atua no longa-metragem Serveuses Demandées de Guylaine Dionne. Atua em vários curta-metragens. Foi coordenadora geral de produção, além de atriz, do espetáculo Strindbergman com sua parceira Nicole Cordery. O espetáculo veio ao Brasil em 2009, pelo Ano da França no Brasil e ganhou prêmio de Melhor Estreia pelo Guia Folha SP. Em 2012, foram convidadas para fazer parte da Mostra Strinberg produzida pelo SESC SP. Em 2014, estreia a peça Não se brinca com o amor, direção Anne Kessler (sociétaire da Comédie-Française); o espetáculo abre as comemorações dos 50 anos do Teatro Aliança Francesa (São Paulo). Em 2015, é preparadora de elenco do longa metragem Além do Homem, direção Willy Biondani. Estreia o espetáculo Um poema cênico para Ferreira Gullar, direção Ana Nero. É assistente de direção de Bruno Perillo no espetáculo Ato a Quatro de Jane Bodie. Em 2016, estreia a peça No Coração das Máquinas, direção Rita Carelli. É provocadora do espetáculo A Última Dança com Natalia Gonsales. Estreou sua direção Término do amor de Pascal Rambert. Em 2017, é assistente de direção de Nelson Baskerville em Carmen, a partir da obra de Mérimée. É assistente de Lígia Cortez na formatura A Reunificação das duas Coréias de Pommerat na Faculdade de Teatro Célia Helena. Atualmente está em cartaz com a peça Cais Oeste de Bernard-Marie Koltès no Sesc Santo Amaro.
Sofia Boito
É artista e pesquisadora doutora em Artes Cênicas pela ECA-USP. Dedica-se especialmente a projetos artístico-teóricos de caráter performativo, que borrem as fronteiras entre teoria/prática; vida/arte; política/poética. Suas criações transitam entre teatro, performance, fotografia e literatura. Colaborou e atuou em diversos projetos de companhias e coletivos nacionais como Teatro da Vertigem; V.AG.A* – vontade de aglomeração – assim como coletivos estrangeiros como TeaterKUNST da Dinamarca; o duo português Ana Borralho & João Galante; a companhia portuguesa TMV; e a diretora francesa Nathalie Béasse. Foi dramaturga e atriz da Cia Temporária de Investigação Cênica, com quem criou seis espetáculos, apresentados em diversos locais do Brasil e da Itália. Durante os anos de 2015 e 2016 foi dramaturga-pedagoga do projeto espetáculo da Fábrica de Cultura da Brasilândia. Em 2017 fez estágio de doutorado na Sorbonne Nouvelle em Paris, e em 2018 realizou residência artística na Cité des Arts, também em Paris, onde iniciou o projeto JAZ em parceria com artistas residentes na cidade.
Fichas Técnicas
Especial Koffi Kwahulé
Concepção: Janaína Suaudeau e Sofia Boito
Dramaturgia: Koffi Kwahulé
Registro em vídeo e teaser: Diogo de Nazaré
Fotografia: Lígia Jardim
Design: Guto Yamamoto
Assessoria de imprensa: Márcia Marques – Canal Aberto
Produção: Mariana Novais e Larissa Maine – Ventania Cultural
Apoio: Institut Français du Brésil, Consulado Geral da França em São Paulo
Agradecimentos: Aliança Francesa de São Paulo e Cité Internationale des Arts.
Jaz
Concepção geral e atuação: Sofia Boito
Tradução: Sofia Boito e Mariana Camargo
Direção: Joana Dória
Composição e performance musical: Ligiana Costa
Vídeo / Operação de vídeo: Flavio Barollo
Coach corporal: Flávia Pinheiro
Cenografia: Flávio Barollo, Joana Dória e Sofia Boito
Figurino: Erika Grizendi
Iluminação: Lucas Pradino e Sofia Boito
Operação de luz: Lucas Pradino
Operação de som: Don Lino
Estagiárias de cenografia e contrarregragem: Ana Suzano, Clara Boucher e Fernanda Marinho.
Produção: Mariana Novais e Larissa Maine – Ventania Cultural
Big Shoot
Direção geral: Janaína Suaudeau
Tradução: Janaína Suaudeau
Colaboração na tradução: Rafael Morpanini
Elenco: Daniel Costa, Daniel Infantini
Músicos: Conrado Goys e Pedro Gongom
Direção musical: Conrado Goys
Trilha sonora: Conrado Goys e Pedro Gongom
Assistente de direção: Victor Abrahão
Cenografia: Ulisses Cohn
Iluminação: Sofia Boito
Figurino: Daniel Infantini
Operação de som: Don Lino
Operação de luz: Priscila Carla
Produção: Mariana Novais e Larissa Maine – Ventania Cultural
Sesc Belenzinho
Sala de Espetáculos I
Rua Padre Adelino, 1000 – Belenzinho
Tel.: (11) 2076-9700
Capacidade: 60 lugares
Não recomendado para menores de 18 anos
Ingresso:
R$ 9,00 (credencial plena do Sesc – trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo credenciado no Sesc e dependentes)
R$ 15,00 (aposentado, pessoa com mais de 60 anos, pessoa com deficiência, estudante e servidor de escola pública com comprovante)
R$ 30,00 (inteira)
Estacionamento
De terça a sábado, das 9h às 22h. Domingos e feriados, das 9h às 20h.
Valores para espetáculos pagos, após as 17h: R$ 7,50 (Credencial Plena do Sesc – trabalhador no comércio de bens, serviços e turismo). R$ 15,00 (não credenciados).
Transporte Público: Metro Belém (550m) | Estação Tatuapé (1400m)
Jaz
De 4 a 20 de outubro de 2019
Sextas e sábados, às 21h30
Domingos e feriados, às 18h30
Duração: 60 minutos
Big Shoot
De 25 de outubro a 10 de novembro de 2019
Sextas e sábados, às 21h30
Domingos e feriados, às 18h30
Duração: 90 minutos
Fotos: Ligia Jardim
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