As cobradoras de ônibus do Terminal Parque Dom Pedro foram a fonte de coleta das histórias, que no palco se somam à ideia da mulher cobradora, aquela insubmissa, a Lilith que abandonou o Éden, a que exige igualdade, respeito e dignidade. Uma cobradora dos seus direitos…
“Quando você abre a porta do ônibus é igual uma porta de uma igreja, qualquer um entra: o preto, o branco, o pobre, o rico, o ladrão, o estuprador, ou seja, você vê de tudo um pouco.” Maria das Dores, cobradora.
No dia 13 de setembro de 2019 estreia em São Paulo, no Auditório do Sesc Vila Mariana, o espetáculo A Cobradora. A peça traz no palco a atriz Maria Alencar, sob direção de Anderson Maurício, a partir da dramaturgia de Cláudia Barral. A Zózima Trupe é um coletivo teatral paulistano reconhecido desde 2007 pela pesquisa que faz sobre o ônibus urbano como espaço cênico, um lugar democrático e descentralizado do fazer teatral. Dessa percepção, somada às muitas histórias ouvidas das cobradoras do Terminal Parque Dom Pedro, nasceu o espetáculo.
Após 12 anos com o ônibus e a cidade como mote para suas investidas e pesquisas cênicas, o grupo paulistano traz as histórias coletadas e o mundo simbólico desse universo para o palco italiano. No palco, em cena, a personagem Maria das Dores, que se renomeia Dolores por não gostar de seu nome. As mulheres podem tudo, inclusive se renomear. E ela segue sendo Dolores, um nome que traz em si a dor das mulheres que ela representa, encerra em si todas as Marias e outras mulheres que circulam por uma cidade árida, composta por empregos destinados a homens e outros a mulheres. Subverter é a ordem do dia.
A dramaturgia de Claudia Barral traz para o palco todas essas “Marias” das histórias reais, trançadas umas às outras, permeadas pela violência, por mortes, pela sobrevivência diária em busca do sustento, da dignidade, vidas que se emaranham no amor, amizade, luta, tristeza, solidão, revolta, presentes em todas as mulheres. Cada narrativa tinha sua particularidade, mas em cada uma delas algo a ligava a outra mulher, com outra história, com semelhanças na dor, ou nos receios, ou nas expectativas. Únicas, mas ligadas por sentimentos comuns.
A pesquisa desenvolvida n´A Cobradora tem camadas que vão além da trabalhadora das catracas de ônibus. A palavra ‘cobradora’ também assume o significado da mulher que cobra seus direitos, a que percebe a injustiça e exige reparações e igualdade. Aparece a “Lilith” que habita muitas das mulheres ouvidas pelo grupo.
Segundo alguns evangelhos apócrifos retirados da Bíblia em 325 d.C no Concílio de Nicéia, Lilith foi a primeira mulher de Adão, antes de Eva. A história conta que Deus criou Adão e Lilith, ambos do pó. Entretanto, Lilith não aceitou a condição de ser submissa a Adão, afinal eram feitos da mesma matéria. E, insubmissa, não aceitou uma posição inferior em relação ao homem, exigiu os mesmos direitos, não aceitou uma posição submissa e assim abandonou o Éden e Adão.
“Por que devo deitar-me embaixo de ti? Por que devo abrir-me sob teu corpo? Por que ser dominada por ti? Contudo, eu também fui feita de pó e por isso sou tua igual” disse Lilith ao Todo Poderoso, o qual retrucou que era assim que Ele havia feito, e assim continuaria. Lilith então se rebelou, e decidiu abandonar o Éden.
Para além de Lilith, o grupo também observou a “Eva” que as mulheres carregam consigo, a culpa de terem protagonizado a destruição do Paraíso. Entretanto, no mundo contemporâneo, é a violência do homem, apontada nas inúmeras estatísticas alarmantes e crescentes de feminicídio que destrói o paraíso – as casas, as famílias – com a morte de esposas, companheiras, namoradas e filhos. Se há paraíso, é o homem que o arrasa reiteradamente.
Ficha Técnica
atriz criadora_ Maria Alencar | encenação_ Anderson Maurício | dramaturgia_ Cláudia Barral | vídeo mapping_ Leonardo Souzza e Otávio Rodrigues | preparação corporal e movimento_ Natalia Yukie | preparação vocal_ Marilene Grama | trilha sonora original_ Rodrigo Florentino | iluminação_ Tomate Saraiva e Otávio Rodrigues | operadora de luz_ Fernanda Cordeiro | operadora de som_ Wayra Arendartchuk Castro | cenografia_ Anderson Maurício e Nathalia Campos | adereços cenográficos_ Nathalia Campos | construtor cênico_ Alício Silva | figurino_ Tatiana Nunes | conteúdo de vídeo_ Leonardo Souzza | orientação de vídeo mapping_ Ana Beraldo e Ihon Yadoya | produção geral_ Tatiane Lustoza | assistente de produção_ Amanda Azevedo e Jonathan Araújo | fotografia_ Leonardo Souzza | assessoria de impressa_Canal Aberto
A Cobradora
Sesc Vila Mariana
Auditório
Rua Pelotas, 141 – Vila Mariana
Informações: 5080-3000
Capacidade: 128 lugares
Duração: 90 minutos
Temporada: de 13 de setembro a 19 de outubro de 2019
Sextas-feiras, às 20h
Sábados, às 18h
Ingressos:
R$ 20,00 (inteira)
R$ 10,00 (estudantes, +60 anos e aposentados, pessoas com deficiência e servidores da escola pública)
R$ 6,00 (Credencial Plena válida: trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo credenciados no Sesc e dependentes).
Classificação: 16 anos
Bilheteria: Terça a sexta-feira, das 9h às 21h30; sábado, das 10h às 21h; domingo e feriado, das 10h às 18h30 (ingressos à venda em todas as unidades do Sesc).
Horário de funcionamento da Unidade: Terça a sexta, das 7h às 21h30; sábado, das 9h às 21h; e domingo e feriado, das 9h às 18h30.
Central de Atendimento (Piso Superior – Torre A): Terça a sexta-feira, das 9h às 20h30; sábado, domingo e feriado, das 10h às 18h30.
Estacionamento: R$ 5,50 a primeira hora + R$ 2,00 a hora adicional (Credencial Plena: trabalhador no comércio de bens, serviços e turismo matriculado no Sesc e dependentes).
R$ 12 a primeira hora + R$ 3,00 a hora adicional (outros). 111 vagas.
BATE-PAPO
Conversação – Os deslocamentos políticos e poéticos da mulher de agora, em sua missão de cobrar
Sábado, 28 de setembro, após a apresentação
Os encontros-conversa são meios de diálogo que vislumbram refletir sobre o universo de pesquisa em torno das histórias orais de mulheres trabalhadoras do transporte público, manancial de construção cênica e dramatúrgica do espetáculo “A Cobradora”. O que neste tempo de agora é necessário cobrar? Existe algo que una todas as mulheres? O que pode em essência conectar Lilith, Eva e a mulher que cobra, a cobradora das catracas?
Com: Maria Alencar, Cláudia Barral, Natalia Yukie e Tatiane Lustoza
Sobre o Coletivo Zózima Trupe
A Zózima Trupe é um grupo de teatro formado por atores profissionais que, desde 2007, pesquisa o ônibus urbano como espaço cênico, espaço de descentralização e democratização do acesso às artes. Desbravar o arcabouço do ônibus como espaço cênico e falar diretamente ao trabalhador, aquele que tem o próprio corpo abatido dia a dia pelas insuficiências do transporte coletivo, são os pontos fundantes dos movimentos de pesquisa teatral da Zózima Trupe desde a sua origem.
Durante os anos de pesquisa, a Trupe desenvolveu diversos projetos que culminaram na criação e realização dos espetáculos Cordel do amor sem fim (2007) – de Cláudia Barral, apresentado mais de 620 vezes em vários estados brasileiros e também encenado no continente europeu, Valsa nº 6 (2009) – de Nelson Rodrigues, O poeta e o cavaleiro (2010) – livre inspiração na obra literária de Pedro Bandeira e contemplado com o Prêmio Myriam Muniz da Fundação Nacional das Artes (FUNARTE), Dentro é lugar longe (2013) – de Rudinei Borges e Os minutos que se vão com o tempo (2016), com dramaturgia em processo compartilhado com Cláudia Barral e o primeiro espetáculo encenado em ônibus de linha; Iracema via Iracema em parceria com o Agrupamento Andar 7 (2017); e dos projetos 1º Mostra de Teatro no Ônibus (2009) e Plantar no ferro frio do ônibus o ninho – Residência artística por um teatro do encontro sem fronteiras (2012/2013) – contemplado pela 20ª edição do Programa de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo e Os minutos que se vão com o tempo: da imobilidade urbana ao direito à poesia, à cidade e à vida, contemplado pela 24º Edição da Lei de Fomento. A Trupe foi um dos grupos selecionados para representar o Brasil no I Mercado de Indústrias Culturais dos Países do Sul (Micsul) na Argentina, em maio de 2014 e da 15ª Edição – Platea Santiago a Mil em 2015 no Chile.
Foto: Christiane Forcinito
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