Solo do Núcleo Barro 3 debate educação em um Brasil 2030, enfiado a meio uma ditadura, e leva para o palco um processo de pesquisa gerado a partir de performances e troca de cartas…
No ano e no mês em que Paulo Freire completaria 100 anos, o Núcleo Barro 3 estreia o espetáculo Aos professores, aos miseráveis, a Paulo, adeus., no próximo dia 18 de setembro, sábado, às 16 horas, no Museu da Imigração. O monólogo traz em cena a atriz Rosana Pimenta, sob a direção de Lucas França, com dramaturgia assinada por Gustavo Braunstein e produção de Douglas Scaramussa.
Aos professores, aos miseráveis, a Paulo, adeus. tem como disparador do processo de pesquisa o livro O Quinze, de Rachel de Queiroz. A peça apresenta um Brasil em 2030. Em meio às censuras de uma nova ditadura e um forte movimento separatista da região Nordeste, uma professora de língua portuguesa cruza o país em busca de refúgio no estado do Ceará. Neste trajeto, ela troca cartas codificadas com um interlocutor secreto, por meio das quais discorre sobre a miséria que assola o país, suas memórias da sala de aula e a prática de uma pedagogia emancipatória. A professora procura manter a lucidez apoiando-se na paixão pela língua e na luta por uma educação libertadora.
Além da obra de Rachel de Queiroz, Barro 3 também foi buscar inspiração nas ideias de Paulo Freire para a estrutura central da montagem. “O sentido político da alfabetização; o papel da palavra em monumentalizar as ideias em que acreditamos; o diálogo frente ao silenciamento implantado pela opressão; o fazer-se sujeito de si e do mundo através da educação. Todo esse repertório trama as utopias da professora em meio à distopia fabulada em um Brasil de 2030”, explica Rosana Pimenta.
Paulo aparece de outra maneira também. Para criar seus espetáculos, o Núcleo Barro 3 parte de um processo de trocas de cartas para desenvolver os temas de pesquisa, a dramaturgia e mergulharem fundo no universo que se propõe. Essa troca acontece de diversas maneiras durante os três anos de processo até a montagem. Ao todo, 29 cartas foram produzidas até Aos professores, aos miseráveis, a Paulo, adeus. chegar aos palcos. Essas cartas também aparecem na voz da protagonista, que endereça correspondências a uma série de destinatários, que na verdade, trazem o diálogo com Paulo que, a depender do contexto, pode simbolizar um de seus estudantes, um colega professor, um companheiro de vida e também o próprio Paulo Freire.
“Nossa dramaturgia, portanto, coaduna um pouco de todas essas experiências de diálogos que temos travado. A estrutura do texto é sustentada a partir de cartas que foram escritas pela figura central do monólogo: uma professora apaixonada pelas palavras. Na fábula, as cartas são remetidas a diferentes destinatários, porém sempre trazem à tona um diálogo da professora com alguém que marcou profundamente sua vida, a quem ela chama de Paulo. As cartas também mesclam temporalidades diferentes, transpassam passado, presente e futuro, criando diferentes nuances do tempo da ação ao tempo das memórias da professora”, conta o dramaturgo Gustavo Braunstein.
Educação, pandemia e coincidências
Aos professores, aos miseráveis, a Paulo, adeus. teria estreado em 2020 porém, a pandemia acabou impedindo que isso acontecesse, o que levou que a estreia coincidisse com centenário de Paulo Freire. “Aquelas coincidências da vida que parecem planejadas”, como diz Rosana. Com a pesquisa e alguns exercícios para a montagem coincidindo com esse período, a peça acabou trazendo muito desse tempo e a montagem se viu obrigada a dialogar com esse contexto. “Reconhecendo o lugar do Brasil na periferia do capitalismo global e todo o histórico de decisões – por vezes equivocadas – que nos trouxeram ao difícil contexto atual, entendemos que a crise sanitária decorrente da pandemia da Covid-19 foi um fator que contribuiu para escancarar uma crise anterior bastante generalizada: aquela que amplia as desigualdades; que busca invalidar as vozes dos que pensam diferente; que desqualifica o conhecimento científico; que questiona o papel de educadores; e que corrói as instituições democráticas. Em nossas vivências enquanto artistas-educadores e na pesquisa deste projeto teatral, constatamos que a escola pública é um campo de disputa de muitas forças. Nela, existe a potência de tantos estudantes e famílias que compreendem que a formação escolar talvez seja o único caminho possível para algum tipo de emancipação para novas oportunidades. Esse mesmo lugar é alvo do jogo político entre lideranças partidárias que tomam decisões – ou deixam de tomá-las – sem o necessário diálogo com discentes, docentes, coordenações, direções e comunidades escolares. Durante a pandemia, vimos educadoras e educadores sendo convocados ao ensino presencial em espaços que não lhes garantiam a segurança necessária frente ao contágio e nos dias em que mais brasileiros faleciam em decorrência da Covid-19. Vimos, lamentavelmente, tantas professoras e professores que perderam suas vidas. Nos perguntamos mais uma vez sobre qual o valor de quem ensina. As falas de educadoras e educadores que atuam em diferentes regiões da cidade de São Paulo deflagraram também o aumento da insegurança alimentar de crianças e adolescentes pela redução do acesso à merenda. O atraso na compra de vacinas e a imunização tardia das trabalhadoras e trabalhadores da educação agravaram essa situação. Se a educação se configura como um direito universal segundo Constituição Cidadã de 1988, precisamos nos perguntar, enquanto artistas e educadores, por que, na prática, não é plenamente assegurado e traz à tona tantas fragilidades especialmente durante a pandemia?”, explica o diretor Lucas França.
A ideia do grupo desde o início era estrear o espetáculo com público e presencialmente. Porém, dada a pandemia, esse planejamento nem sempre é possível e eles pensaram na possibilidade que reunissem o hibridismo de estéticas, já que a montagem também investe nas interações que ocorrem pelos meios digitais. O próprio contexto do ensino à distância e de cada vez mais a vida escolar se dar através de janelas virtuais foi um elemento um tanto distópico que disparou a construção da cenografia da peça. “Apostamos em projeções de vídeo que atravessam as ações que se dão no palco e levam o público a outras temporalidades vividas pela professora: são as chamadas dramaturgias transparentes. Também investimos em uma cenografia com câmeras e telas que exprimem a ideia de encarceramento, enquanto o conflito principal do espetáculo traz a busca incansável pela liberdade. Desse modo, a tecnologia, seja a que integra a própria cenografia, seja a que permite a transmissão do espetáculo online, será usada como mais um elemento que compõe camadas de discussão sobre o nosso tempo vivido”, detalha o diretor.
Ficha Técnica
Elenco – Rosana Pimenta
Direção – Lucas França
Dramaturgia – Gustavo Braunstein
Cenografia – Julio Dojscar
Figurino – Silvana Marcondes
Iluminação – Taty Kanter
Direção musical – Lua Oliveira
Preparação corporal – Lilian Vilela
Preparação vocal e de elenco – Gabriela Flores
Direção Audiovisual – Cesar Barbosa
Produção – Douglas Scaramussa.
Aos professores, aos miseráveis, a Paulo, adeus
Museu da Imigração
Rua Visconde de Parnaíba, 1316 – Mooca
Estreia dia 18 de setembro, sábado, às 16 horas.
Temporada – Até 9 de outubro, sábados, às 16 horas
Capacidade – 10 lugares (com distanciamento social)
Ingressos: gratuito
Duração: 60 minutos
Recomendado para maiores de 14 anos.
Foto: Douglas Scaramussa
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