Para esta nova criação, a artista mergulhou nos rituais e nas tradições da espiritualidade de Okinawa, revelando na cena uma leitura de rituais originários feitos por mulheres que atuam dentro da comunidade okinawana em São Paulo…
“Mabui”, na espiritualidade de Okinawa, pode ser descrito como uma pulsação, fluxo de algo não visto, que se encontra no ‘entre’. No ser humano, é a característica daquilo que o torna original, sua essência vital.
Mabui, nova criação do Núcleo Lúcia Kakazu – que estreia agora, dia 25 de março de 2022, no jardim do Teatro João Caetano, em São Paulo – pode ser definido, na espiritualidade de Okinawa, como uma pulsação, a energia vital que anima o corpo. A temporada segue até abril com sessões de sexta a domingo. Além das apresentações, ainda estão previstos em abril um workshop online, “Corpo Selvagem | Mente Desperta”, com o artista Elias Cohen, e outro presencial, Liminaridades Ancestrais, com Lúcia Kakazu, e também uma palestra online Caminho do Dançante, com Elias Cohen e mediação de Lúcia Kakazu.
Fruto do mergulho em uma longa pesquisa sobre Okinawa, ilha principal do arquipélago de Ryukyu, no Japão, e sua comunidade diaspórica espalhada pelo mundo, particularmente no Brasil, a obra se aproxima de uma tradição de espiritualidade singular e viva. “O projeto nasceu a partir da pesquisa e contatos que surgiram no meu primeiro trabalho autoral que se chama Oba Nu Mun (que em uchinaguichi, língua de Okinawa, significa coisas da avó). A dança partia de aspectos documentais e das memórias da relação com a minha avó, já falecida, que imigrou de Okinawa ao Brasil após a Segunda Guerra. Ao final, iniciei um mergulho nos estudos sobre a história de Okinawa”, conta Lúcia.
Contemplado na 29ª Edição do Programa Municipal de Fomento à Dança da Cidade de São Paulo, a pesquisa levou em conta o reconhecimento, feito há alguns anos pela Organização das Nações Unidas (ONU), de Okinawa como uma etnia indígena no Japão. Em São Paulo, há uma grande comunidade, com a língua e a cultura do arquipélago ainda vivos e preservados. “Percebi os movimentos migratórios que formam essa comunidade no Brasil e passamos a observar as formas de reinvenção de uma cultura diaspórica, com forte expressividade na cidade de São Paulo”, diz a artista.
Mabui tem como recorte em sua pesquisa a espiritualidade presente nessa comunidade. Dois encontros foram decisivos para a criação: o contato com Beatriz Nagahama, Kamintyu (sacerdotisa da espiritualidade de Okinawa) e o texto “Se tornando uma xamã étnica Okinawana no Brasil – Xamanização como um processo subjetivo e criativo de re-culturalização”, autoria de Koichi Mori, que foi membro de corpo editorial da Estudos Japoneses (USP), da University of Tokyo e da Universidade de Kanagawa.
A partir disso, o Núcleo chegou a histórias das Yutás e Kamintyus, espécie de xamãs, que sustentam essa forma de culto aqui no Brasil, com incorporações, ao longo de décadas, de atualizações e hibridizações culturais entre os dois países. “Essas mulheres são as responsáveis pela manutenção dessa espiritualidade, realizam os ritos cultuando a natureza e o ambiente onde vivem, também cuidam dos processos de luto e da comunicação com o mundo dos mortos. São elas que percebem e manipulam aquilo que está no entre”, coloca Lúcia Kakazu.
A dança foi construída levando em conta essa referência sobre o “mabui” e do contato com mulheres que sustentam essas práticas rituais aqui no Brasil. “Mabui”, na espiritualidade de Okinawa, pode ser descrito como uma pulsação, fluxo de algo não visto, que se encontra no ‘entre’. No ser humano, é a característica daquilo que o torna original, sua essência vital. Algumas dessas mulheres o definem como sendo o próprio espírito ou uma espécie de anjo da guarda. As Yutás e Kamintyus são as que percebem, equilibram e resgatam o Mabui dentro da comunidade okinawana.
A nova criação aborda essa prática com procedimentos de intensificação da vibração do corpo, da voz e da respiração, um mergulho nas imagens e conexões corporais que emergem a partir de um estado de escuta sensível do corpo.
Sinopse
Mabui é uma pulsação que as Yutás e Kamintyus, mulheres da espiritualidade de Okinawa percebem, equilibram e resgatam. É a energia vital que anima o corpo vivo, o fluxo de algo que não se vê, algo que se encontra no entre. Para o ser humano, trata-se de uma característica definidora daquilo que é original, sua essência vital. Através de procedimentos de intensificação da vibração do corpo, da voz e da respiração, a dança faz um mergulho nas imagens e conexões corporais que emergem a partir de um estado de escuta sensível do corpo.
Projeto
O projeto “Mabui” teve início há cerca de um ano, com mesas e oficinas de pesquisadores e artistas. A primeira atividade, “Okinawa Indígena”, reuniu os pesquisadores Karina Satomi e Victor Kinjo, que fizeram parte da delegação que representou Okinawa no 18° Fórum da ONU para Questões Indígenas, em Nova York, e Gabriela Shimabuko, pesquisadora atuante na defesa do reconhecimento de Okinawa como uma etnia indígena aqui e no Japão.
Outras atividades aconteceram, como o workshop “Memória em cena – Reinvenção e Ativação” e o espetáculo “Obá Nu Mun”. Também fez parte do projeto duas sessões de “Encontros Híbridos”, plataforma de troca com artistas da dança que pesquisam, em suas estéticas e procedimentos de trabalho, ritualidades e matrizes originárias presentes no Brasil.
Para essa ação foi convidado o artista do corpo Fredyson Cunha que apresentou o espetáculo “Brevidades”, criado a partir do contato com os índios Bororos (MT) e seu complexo ritual funerário, além do workshop “Boe Top Aru” (bater os pés).
O segundo artista convidado foi Urubatan Miranda que criou a dança “Negaça – autobiografia, memória e ancestralidade”. A obra parte de pesquisas e experiências na Tenda Espírita Pai Jacob, terreiro de Umbanda localizado em Campos dos Goytacazes – RJ, e que resiste a três gerações em sua família.
Todas as atividades foram transmitidas e algumas estão disponíveis no canal do YouTube do Núcleo Lúcia Kakazu.
Ficha Técnica
Direção, Concepção e Performance – Lúcia Kakazu
Performer e Músico (Sanshin) – Ricardo Kakazu
Orientação Artística – Elias Cohen
Assistente de Direção e Fotografia – Suellen Leal
Provocação Artística – Emilene Gutierrez
Direção Musical – Victor Kinjo
Trilha Sonora – Victor Kinjo e Ricardo Kakazu
Figurino – Andreia Hiromi
Cenário – Catarina Gushiken
Iluminação – Mauro Martorelli
Aprimoramento Técnico – Beatriz Sano, Bruna Oshiro, Inês Terra e Satoru Saito
Conversas Rituais – Beatriz Nagahama, Laís Miwa Higa, Karina Satomi, Gabriela Shimabuko, Victor Hugo Kebbe, Victor Kinjo
Encontros Híbridos – Urubatan Miranda e Fredyson Cunha
Design Gráfico – Satsuki Arakaki e Shima
Assessoria de Imprensa – Canal Aberto
Produção Executiva – Mariana Novais – Ventania Cultural
Consultoria de Produção – Daniele Sampaio – SIM! Cultura
Este projeto foi realizado com o apoio do Programa Municipal de Fomento à Dança para a Cidade de São Paulo – Secretaria Municipal de Cultura.
“Mabui”, do Núcleo Lúcia Kakazu
Teatro Popular João Caetano
Jardim
R. Borges Lagoa, 650, área externa – Vila Clementino
Datas: de 25 de março a 24 de abril de 2022
Sextas e sábados, às 19h e domingo, às 17h.
Duração: 60 minutos
Recomendação: 12 anos
Obrigatório a apresentação atualizada do comprovante de vacinação (mínimo 2 doses) e uso correto da máscara.
**Em caso de chuva, não haverá espetáculo.
“Corpo Selvagem | Mente Desperta”, workshop com Elias Cohen
Datas: 28, 29 e 30 de março, das 10h às 12h
Inscrições através do link: https://linktr.ee/NucleoLuciaKakazu
Atividade online e gratuita
Caminho do Dançante com Elias Cohen e mediação de Lúcia Kakazu (bate-papo)
Data: 30 de março, às 20h
Acesso: Atividade online e gratuita
Atividade online e gratuita
Workshop Liminaridades Ancestrais (presencial)
Teatro Popular João Caetano
R Borges Lagoa, 650 – Vila Clementino
Datas: 05, 07, 12 e 14 de abril
Terças e quintas, das 09h às 11h30
Vagas: 10
Inscrições através do link: https://linktr.ee/NucleoLuciaKakazu
Núcleo Lúcia Kakazu
É composto pela bailarina Lúcia Kakazu e pelo músico Ricardo Kakazu. Em 2019 criaram o espetáculo Obá Nu Mun, que teve sua estreia no Sesc Ipiranga, integrando a programação da Mostra Sentidos (SESC). A obra foi apresentada em diversas cidades do estado de São Paulo. No mesmo ano ganharam o prêmio PROAC Circulação em Dança, que previa apresentações por diversas cidades do interior paulista e que devido à pandemia foi finalizada de forma virtual.
O núcleo se debruça na pesquisa sobre a ancestralidade de Okinawa numa perspectiva contemporânea e estreia agora “Mabui” – contemplado na 29ª Edição do Programa Municipal de Fomento à Dança da Cidade de São Paulo.
Foto: Suellen Leal
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