Casarão da Oficina Cultural Oswald de Andrade será ocupado pela encenação itinerante de “A Morta”, peça de Oswald de Andrade, com direção do Cacá Toledo, da Cia Aberta de Teatro, reuniu uma equipe de mais de 40 profissionais durante cinco meses para construir coletivamente a obra que também dialoga com o local onde o prédio está inserido…
O coração acorda de repente. E começa o trabalho irracional. Corrosivo de todo debate…
A consciência torna-se um estado sentimental e a justiça foge do mundo…
Oh! Drama! Desenvolvimento do próprio ser universal! Eu te Busco!
Oswald de Andrade em A Morta
Fruto do projeto Didática da Encenação da Oficina Cultural Oswald de Andrade viabilizado por meio do Programa Oficinas Culturais, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo, e gerenciado pela Poiesis, A Morta é uma montagem da Cia Aberta de Teatro em celebração ao centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, e também às duas décadas de atividade da cia, com equipe de criação multidisciplinar e equipe de assistentes e elenco formado por artistas selecionados em audição – que trabalharam incansavelmente durante 5 meses para levantar a peça.
Última e mais densamente poética das peças de Oswald de Andrade, escrita em 1937 e integra a “Trilogia da Devoração” do Teatro Antropofágico ao lado de O Rei da Vela e O Homem e o Cavalo, A Morta ganha montagem em encenação em site specific do diretor Cacá Toledo, da Cia Aberta de Teatro, em processo que considerou a história do prédio e suas relações com o lugar em que está inserido. “Nas instalações site specific o espaço atua como potência transformador no sentido de assumir a posição de diretriz para a concepção da montagem, assumindo papel provocador”, diz Cacá.
Cacá Toledo foi convidado para coordenar o projeto ‘Didática da Encenação’, da Oficina Cultural Oswald de Andrade, iniciativa composta por uma série de oficinas formativas, palestras e masterclasses para capacitar os atores e a equipe técnica e artística, tendo como produto final a peça que celebra os 100 anos da Semana de Arte Moderna e as duas décadas de atividade da Cia Aberta. Oficina de direção e interpretação teatral; ateliê de cenografia e cenotécnica; ateliê de direção musical e trilha sonora; de iluminação; ateliê de preparação corporal e direção de movimento; ateliê de produção e são algumas das etapas pelas quais todos os atores e equipe tiveram de passar.
O enredo da peça é desenvolvido em uma estrutura onde a ação dramática é reduzida ao mínimo e se apresenta, sobretudo, através de vozes e devaneios de figuras fantasmagóricas de um mundo em ruínas. A encenação dialoga com o entorno e leva em conta o atual sucateamento dos patrimônios públicos, inclusive o prédio que abriga a montagem, o desmonte da cultura do atual governo e a especulação imobiliária da região do centro de São Paulo. Os figurinos foram construídos com sobras de tecidos deixados nas calçadas do Bom Retiro, os objetos de cena foram feitos pelos próprios atores e os profissionais das equipes técnica e criativa, os móveis são da própria Oswald.
A peça, dividida em um prólogo e três quadros, traz personagens que são mais íntegros e não possuem personalidades próprias. Beatriz, a personagem central, que foi a musa inspiradora de Dante; Horácio, grande poeta lírico; o personagem Urubu, que faz referência ao O Corvo de Edgar Allan Poe; o Poeta, que apresenta sua autópsia; o Hierofante, uma espécie de mago que abre a peça e chama a plateia a assistir à autópsia do indivíduo; o personagem Uma Roupa de Homem, que vai dialogar com a vanguarda.
Segundo Sábato Magaldi, A Morta (1937) é a “peça de menor viabilidade cênica”, entretanto é a que Oswald mais avança na elaboração de um teatro de vanguarda. Cai definitivamente a quarta parede que separa os espaços do espectador e da representação e a linguagem toma a forma de um texto onírico, poético, no qual as conexões terão de ser reconstruídas em meio a um caos de alusões e paródias.
No primeiro ato (“País do Indivíduo”), o Poeta se junta a Beatriz, A Outra e ao Hierofante.
Neste primeiro momento, como apontam as próprias palavras do autor na rubrica, admiramos “um panorama de análise” em que os próprios personagens se veem questionados pelos outros e por si mesmos, buscam identificar suas fragilidades e repensar suas práticas, paralelo traçado com o próprio movimento antropofágico.
O segundo ato, “País da Gramática”, passa a mostrar o espaço onde se encontra o Poeta, fazendo com que o espectador compreenda melhor os lamentos e dúvidas apresentados no primeiro ato, tendo como pano de fundo o conflito entre mortos e vivos.
Personagens estereotipadas surgem e configuram grupos sociais num momento de conflito entre a tradição e a modernidade, de um lado O Hierofante, o Grupo de conservadores de cadáver, O Polícia Poliglota, O Turista Precoce, os Mortos; e de outro O Poeta, Horácio, O Cremador, O Grupo de cremadores, os Vivos. Beatriz, neste momento, segue os conservadores, e O Poeta, que antes havia decidido abandoná-la, corre subitamente ao encontro da musa no País da Anestesia, terceiro e último ato.
“A Morta pode ser situada como a peça mais importante de Oswald, na perspectiva de ruptura com a tradição dramática e da margem de invenção que enseja. Muito mais do que qualquer outra de suas peças, e mesmo das duas que a antecedem na década de 1930, permanece indecifrável e enigmática, como só acontece aos grandes textos da dramaturgia”, escreve Luiz Fernando Ramos em “Oswald de Andrade e antiteatralidade de A Morta”.
A proposta contemplou ainda uma série de ações formativas complementares ao trabalho de pesquisa, o forte engajamento de todos e suas habilidades de criação e doação, tudo para celebrar a arte em sua liberdade de expressão; tema tratado por Oswald de Andrade em suas obras.
Ficha Técnica
Texto: Oswald de Andrade.
Criação, dramaturgia e encenação: Cia. Aberta de Teatro.
Direção: Cacá Toledo.
Elenco: Amadeu Carvalho, Alanis Mahara, Arys Cavalcante, Bianka Barbalho, Bia Torres, Francesco Chioccola, Garcia, Laura Ludwig, Lae Araújo, Lucas Frizo, Luma Belfort, Marco Arcúrio, Marta Braga, Marina Rodrigues, Marina Atra, Maria Marangoni, Maurício Soares Filho, Noedir Ferrara, Patricia Nardo, Rafaela Bortoletto, Raul Vicente, Roberto Herreira, Rosseline Juarez, Vitória Mangini.
A Morta
Oficina Cultural Oswald de Andrade
Rua Três Rios, 363 – Bom Retiro
Temporada: 11 a 28 de maio
Quarta a sexta, às 20h
Sábados, às 18h.
Peça itinerante e a capacidade em locais fechados é de 40 a 60 lugares.
Ingressos: Grátis – Retirar 1h antes.
Duração: 90 minutos
*É necessário apresentar o comprovante de vacinação contra a Covid-19, com, pelo menos, duas doses ou dose única. É recomendado a utilização de máscara nos espaços internos da Oficina.
Sobre O Programa Oficinas Culturais
Como uma iniciativa da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo desde 1986, e gerenciado pela POIESIS – Organização Social de Cultura, o Programa Oficinas Culturais promove formação e vivência à população no campo da cultura. O programa dialoga com o interior por meio de dois festivais (FLI – Festival Literário e MIA – Festival de Música Instrumental), Jornadas de Gestão Cultural, Ciclos de Estudos sobre Cultura Tradicional e Contemporaneidade, Programa Qualificação em Artes (qualificação artística de 60 grupos, entre teatro e dança), o Programa de Formação no Interior e ações dedicadas à pesquisa e à experimentação nas diversas linguagens artísticas, a partir da relação direta com 350 municípios, em mais de 500 atividades de formação. Além disso, na cidade de São Paulo, o programa realiza atividades de formação e difusão em três espaços: Oficina Cultural Oswald de Andrade (Bom Retiro), Oficina Cultural Alfredo Volpi (Itaquera) e Oficina Cultural Maestro Juan Serrano (Taipas).
Sobre A Poiesis
A Poiesis – Organização Social de Cultura é uma organização social que desenvolve e gere programas e projetos, além de pesquisas e espaços culturais, museológicos e educacionais, voltados para a formação complementar de estudantes e do público em geral. A instituição trabalha com o propósito de propiciar espaços de acesso democrático ao conhecimento, de estímulo à criação artística e intelectual e de difusão da língua e da literatura.
Foto: João Maria Silva Jr.
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