A programação começa dia 2 de junho com Estádio (Stadium), com concepção dos diretores franceses Mohamed El Khatib e Fred Hocké, no Sesc Pinheiros. A Mostra, um dos principais eventos de artes cênicas do país, segue até dia 12, com ações que envolvem seus principais eixos: Mostra de Espetáculos, Ações Pedagógicas, Olhares Críticos e MITbr – Plataforma Brasil, que contam com a participação de artistas nacionais e internacionais…
A MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo apresenta a programação de sua oitava edição, que acontece de 2 a 12 de junho de 2022, e marca a volta de suas ações presenciais – em 2021, todas as atividades aconteceram de forma on-line. Neste ano, serão três montagens internacionais, sete espetáculos nacionais, três estreias nacionais e uma internacional e uma ampla grade de oficinas, debates e conversas ao longo dos dez dias de atividades. A abertura, dia 2 de junho, será no teatro do Sesc Pinheiros, com o espetáculo Estádio (Stadium), com texto de Mohamed El Khatib e concepção de Mohamed El Khatib e Fred Hocké.
A oitava edição da MITsp tem apresentação do Ministério do Turismo, Itaú, Sabesp e Secretaria Municipal de Cultura, realização da Olhares Instituto Cultural, ECUM Central de Produção, Itaú Cultural, Sesc SP, Secretaria da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, Secretaria Especial da Cultura – Ministério do Turismo e correalização do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha, Goethe-Institut São Paulo, Consulado-Geral da França em São Paulo e Instituto Italiano de Cultura de São Paulo.
Esta edição marca a retomada da MITsp no formato presencial, ainda que reduzida. “Uma vontade de estar vivos, pulsando, atuantes”, diz Antonio Araujo, diretor artístico e parceiro de Guilherme Marques, diretor geral de produção, ambos idealizadores da Mostra. “Estamos felizes com a retomada da MITsp, com trabalhos presenciais, embora esta seja uma edição mais concisa, nos limites do que foi possível trazer em um tempo pós-pandemia. Mas são espetáculos que seguem a ideia primeira da Mostra de trabalhos com radicalidade no ‘pensar a cena’”, diz Antonio Araujo. Em 2022, o evento mantém as programações de seus quatro principais eixos: Mostra de Espetáculos, Ações Pedagógicas, Olhares Críticos e MITbr – Plataforma Brasil.
Mostra de Espetáculos
Entre os espetáculos internacionais, Estádio (Stadium), com concepção dos franceses Mohamed El Khatib (ele esteve na MITsp em 2019 com o solo Partir com Beleza) e Fred Hocké aproxima em cena a emoção de um estádio de futebol e a do teatro; a montagem põe o espectador de teatro frente a frente com o dos estádios, colocando em questão o que é uma audiência e o que diferencia, além da roupa, os dois públicos.
O Martelo e a Foice (Le Marteau et La Faucille), adaptação do conto homônimo do americano Don DeLillo e dirigido por um dos expoentes da cena contemporânea de seu país, o também francês Julien Gosselin, escancara os excessos do capitalismo com um personagem aprisionado no que parece ser um local para crimes de colarinho branco, repleto de banqueiros e negociantes de arte que se apropriaram indevidamente de fortunas.
Vale da Estranheza (Uncanny Valley), trabalho do Suíço radicado na Alemanha, Stefan Kaegi, do grupo Rimini Protokoll (grupo que esteve à frente da encenação 100% São Paulo, na MITsp, em 2016), empresta o título da expressão criada pelo cientista japonês Masahiro Mori para designar – no campo da engenharia robótica – a aversão que as pessoas sentem diante de robôs muito parecidos com pessoas reais e discute o estranhamento e a facilidade que temos com a tecnologia.
As três estreias nacionais mostram a pesquisa de expoentes da cena artística brasileira: História do Olho – Um Conto de Fadas Pornô Noir, de Janaina Leite; Antes do Tempo Existir, de Andreia Duarte e Um Jardim Para Educar as Bestas, de Eduardo Okamoto. O diretor argentino Lisandro Rodríguez e o dramaturgo brasileiro Alexandre Dal Farra estão juntos na estreia internacional Tragédia e Perspectiva 1 – O Prazer de Não Estar de Acordo, com produção da MITsp.
MITbr – Plataforma Brasil – Criada em 2018 como um programa de internacionalização das artes cênicas brasileiras, a MITbr tem, em 2022, curadoria de Jane Schoninger e Jorge Alencar. Ambos selecionaram sete grupos e artistas de vários estados brasileiros para se apresentarem ao público com a presença de programadores de festivais nacionais e internacionais. Os selecionados são Ancés, Tieta Macau (CE); Despacho Coletivo, de Jaqueline Elesbão/Coletivo Pico Preto (BA); E.L.A, de Jéssica Teixeira (CE); Eles Fazem Dança Contemporânea, de Leandro Souza (SP); Fortaleza, de Fauller/Cia. Dita (CE); Há Mais Futuro que Passado – Um Documentário de Ficção, de Complexo Duplo (RJ) e Trava Bruta, de Leonarda Glück (PR).
Nas Ações Pedagógicas, a curadoria de Dodi Leal trouxe como tema Afetossíntese: as atividades reunidas colocam a força afetiva da elaboração cênico-performativa no sentido de gerar vigor nutritivo nas relações existenciais-sociais. Entre os destaques, estão os eventos: A Encontra da Pedagogia da Teatra, com conversas, shows e debates; oficinas e um Laboratório da Pedagogia da Performance.
Os Olhares Críticos, este ano com curadoria de Julia Guimarães e José Fernando Peixoto de Azevedo, propõem discussões sobre as artes cênicas e a contemporaneidade a partir da realização de conversas com pensadores e pesquisadores de diferentes áreas, além da publicação de críticas, artigos e entrevistas. A programação conta com as Reflexões Estético-Políticas, Pensamento-em-Processo, Diálogos Transversais, Prática da Crítica, Cartografia, entre outros.
Mostra de Espetáculos
Estádio (Stadium – 2017) | Mohamed El Khatib | França
Duração: 110 minutos
Recomendação: 10 anos
Teatro Sesc Pinheiros
Ator, diretor e dramaturgo, Mohamed El Khalib escreveu Estádio colocando lado a lado a plateia do futebol e do teatro. Considerada formidável pelo jornal Le Monde, a peça se desenrola em dois tempos de 45 minutos, como em um jogo de futebol. Originalmente criado com uma plateia formada por torcedores de um time francês, os dois encenadores procuram evocar na cena as emoções de uma partida e contam histórias de seus torcedores. “O espetáculo é sobretudo o teatro de uma comunidade…E essa comunidade está longe de ser homogênea: ao contrário da imagem dada pelos torcedores, que tendemos a considerar uma massa quando não frequentamos os estádios, ela se desdobra no cenário em toda a sua diversidade, e se torna humana, encarnada por pessoas que nunca pensariam em se encontrar um dia em um teatro, e a quem Mohamed El Khatib oferece a oportunidade única de aparecer como eles são”, escreveu Brigitte Salino para o jornal Le Monde.
O Martelo e a Foice (Le Marteau et la Faucille – 2019)| Julien Gosselin | França
Duração: 60 minutos
Recomendação: 14 anos
O solo dirigido por Julian Gosselin, O Martelo e A Foice, a partir do texto de Don DeLillo, conta a história de um ex-comerciante poderoso que agora vive em uma prisão ao lado de outros presos também influentes. São ex-financistas ou negociantes de arte, que ganharam muito dinheiro em crimes de “colarinho branco”. Um monólogo sobre posse e perda, sonhos e ausência de esperança. Interpretado por Joseph Drouet, ele nos coloca diante de uma imensa visão do vazio contemporâneo. “É este mundo, onde nada mais faz sentido e onde o grotesco impera, que Julien Gosselin decidiu trazer ao palco. Apresenta Joseph Drouet, um ator tão sóbrio quanto magistral…(ele.) Leva-nos a um turbilhão que ecoa o absurdo, a irracionalidade e a profunda angústia com que DeLillo reveste nosso mundo contemporâneo, que pode sacudir catástrofes opacas e indecifráveis”, escreveu o site Theatre Contemporain.
Vale da Estranheza (Uncanny Valley | 2019) | Rimini Protokoll | Alemanha
Duração: 60 minutos
Recomendação: livre
Em outro solo presente na mostra, Vale das Estranhezas, da companhia de teatro Rimini Protokoll, uma figura aparentemente humana está sozinha no palco e faz pequenos movimentos de mãos e cabeça. Esse robô faz uma palestra escrita por Stefan Kaegi, em colaboração com Thomas Melle, coloca algumas questões que reverberam em nosso tempo: quanto controle temos em nossas vidas? O que nos diferencia dos robôs? Se eliminarmos a incerteza da vida, o que nos resta? Sobre a peça Sam Williams, do site Frieze escreveu: “A produção abraça essa qualidade freakshow, lançando o voyeurismo empático do teatro contra o voyeurismo ocular que se liga ao robô, que aponta para o público”.
História do Olho – Um Conto de Fadas Pornô-noir (2022) | Janaína Leite | Brasil
Duração: 180 minutos – com intervalo
Recomendação: 18 anos
Entre as estreias, um dos destaques é Janaína Leite que desenvolve há alguns anos a pesquisa sobre pornografia. História do Olho – Um Conto de Fadas Pornô-noir, é uma livre adaptação de História do Olho, de Georges Bataille. A diretora investiga a relação entre teatro e pornografia, tema recorrente em seus últimos espetáculos, nos quais a pornografia é reivindicada como uma arte cênica. Mesclando ficção e não ficção, a peça segue a estrutura do livro para contar, em cenários de contos de fadas, a história de três adolescentes em suas descobertas sexuais. Sobre a pesquisa da diretora, o pesquisador Luiz Fernando Ramos, da USP, disse sobre seu trabalho: “As obras de arte são a vida pulsando e o risco que esta pulsação assume. Pressupõem a coragem de olhar e ver, e voltar para dizer e apresentar dizendo e mostrando. Janaina Leite explora regiões profundas, como espeleologistas, astronautas, mergulhadores e microbiologistas. Navega também, como poeta, no acaso da investigação que se faz fazendo, em perdas e ganhos, tropeços e sustos patéticos.”
Antes do Tempo Existir (2022) | Andreia Duarte e Denilson Baniwa, Kenia Dias, Lilly Baniwa e Ricardo Alves Jr. | Brasil
Duração: 80 minutos
Recomendação: livre
A criação coletiva de artistas indígenas e não indígenas, Antes do Tempo Existir, busca a memória longínqua dos povos originários e um diálogo entre as variadas existências no planeta. O trabalho é um desdobramento dos conceitos apresentados em O Silêncio do Mundo (2020), cuja palestra-performance com Ailton Krenak, o crítico Antonio Hohlfeldt, do Jornal do Comércio, descreveu como: “Mas como explicar um espetáculo tão profundamente emocionante e criativo quanto ‘O Silêncio do Mundo’, segundo a concepção de Andreia Duarte e de Ailton Krenak? Aquela rede artesanal estendida por sobre a cabeça dos intérpretes, a simplicidade de Ailton e a dedicação de Andreia emocionaram a todos que ali estivemos. Efetivamente, foi como se, naquela noite, estivéssemos todos reunidos em torno do fogo original, a ouvir o ruído do passado que o silêncio do presente pretende destruir.” Neste novo trabalho coloca em evidência o tempo dilatado e aumenta as possibilidades de comunicação entre seres diversos, humanos e não humanos.
Um Jardim para Educar as Bestas (2022) | Uma criação de Eduardo Okamoto, Isa Kopelman, Marcelo Onofri e Daniele Sampaio | Brasil
Duração: 55 minutos
Recomendação: 12 anos
Um Jardim para Educar as Bestas, uma criação dos artistas Eduardo Okamoto, Isa Kopelman, Marcelo Onofri e Daniele Sampaio, que reescreve, de modo alegórico, A Lenda do Oleiro Saburo e da Senhora Fuyu, uma das histórias do livro Homens Imprudentemente Poéticos, de Valter Hugo Mãe. Esse duo para piano e atuação, a trama é transposta para o sertão brasileiro e dialoga com textos de Ariano Suassuna, Guimarães Rosa e Euclides da Cunha, e mistura narração, representação, movimento e música.
Tragédia e Perspectiva 1 – O Prazer de Não Estar de Acordo (2022) | Alexandre Dal Farra, Lisandro Rodríguez | Argentina, Brasil
Duração: 85 minutos
Recomendação: 16 anos
O diretor argentino Lisandro Rodríguez participou da última edição da MITsp, em 2020, com a residência artística Teatro Urgente: Encontro Agonizante, que iniciou o processo de criação de Tragédia e Perspectiva 1 – O Prazer de Não Estar de Acordo. O trabalho marca seu retorno à Mostra ao lado do dramaturgo brasileiro Alexandre Dal Farra – esta é a segunda parceria dos dois artistas, que já trabalharam juntos na montagem de Abnegação III – Restos, encenada na Argentina. No espetáculo, com produção da MITsp, cinco pessoas (escolhidas durante a residência de Lizandro) se encontram em volta de uma garrafa de água. São indivíduos desencantados, como se enterrados vivos no ambiente claustrofóbico em que estão. Ali, revisam as suas posições, as suas discordâncias, mudam de posição, descobrem coisas sobre si mesmas, e sobre os outros, cometem crimes e se amam.
Sobre a parceria entre Dal Farra e Rodríguez, o crítico do jornal La Nacion Federico Irazábal escreveu: “Se o teatro clássico e dramático soube jogar com a ilusão, Rodríguez parece ir contra esse artifício complexo, até o momento em que o exibe: neste caso, uma mudança brusca de luz revela o que sempre esteve presente e o público não pôde assistir ; uma forma de falar da nossa própria cegueira política, cegueira a partir da qual, como indivíduos (ou como representantes de famílias), impomos um destino inelutável à sociedade. Mas Rodríguez encena, desta vez nas mãos de Dal Farra.”
MITbr – Plataforma Brasil
Espetáculos selecionados para a MITbr – Plataforma Brasil, edição de 2022
Em seu quinto ano consecutivo (em 2021 houve uma edição online com grupos convidados), a MITbr – Plataforma Brasil, criada em 2018 como um dos eixos da MITsp, procura dar visibilidade, difundir, circular e trazer reconhecimento para o cenário artístico nacional. Nesta edição, a curadoria de Jane Schoninger e Jorge Alencar selecionou sete grupos e artistas que se apresentam ao público com a presença de programadores de festivais nacionais e internacionais.
Para esta edição, compõem a programação os espetáculos: Ancés, Tieta Macau (CE); Despacho Coletivo, de Jaqueline Elesbão/Coletivo Pico Preto (BA); E.L.A, de Jéssica Teixeira (CE); Eles Fazem Dança Contemporânea, de Leandro Souza (SP); Fortaleza, de Fauller/Cia. Dita (CE); Há Mais Futuro que Passado – Um Documentário de Ficção, de Complexo Duplo (RJ); Trava Bruta, de Leonarda Glück (PR).
“Desde 2018, procuramos fomentar e promover grupos e artistas nacionais, que privilegiam espetáculos com pesquisa experimental e investigação da linguagem cênica. Dentro da nossa programação, nos debruçamos sobre o debate de internacionalização. Além da programação de espetáculos nacionais, temos realizado ações pedagógicas voltadas para a capacitação de gestores e produtores culturais, além de cursos e seminários”, afirma Guilherme Marques.
Ao longo das edições, com a MITbr conseguiu resultados para artistas e grupos brasileiros. “Essas ações reforçam a política da MITsp que é de internacionalização, voltada ao apoio aos artistas brasileiros, não apenas com circulação, mas com o desenvolvimento e a sustentabilidade das linguagens artísticas”, coloca Antonio Araujo.
Parcerias com festivais: resultados práticos
A MITsp, por meio da MITbr – Plataforma Brasil, vem conversando e fechando acordos com eventos de artes cênicas. São parceiros os festivais de Edimburgo; o Proximamente da KVS, em Bruxelas, o Lift, em Londres e o Festival de Santarcangelo, na cidade italiana de mesmo nome.
As ações que visam a internacionalização já apontam resultados concretos: artistas e grupos brasileiros conseguiram se inserir no trânsito de colaborações e apresentações. Altamira 2042, de Gabriela Carneiro da Cunha, estreado na MITsp em 2019, esteve em turnê por festivais de países como França, Portugal, Suíça e Uruguai em 2022. Lobo, de Carolina Bianchi, foi convidado a se apresentar no Skirball, em Nova York, em 2020. A atriz e diretora Janaína Leite, que se apresentou na edição de 2020, deu um workshop no Festival Proximamente, na Bélgica. O Grupo Mexa levou Cancioneiro Terminal para o Festival Transform, em Leeds, na Inglaterra; e devem iniciar um processo à distância com artistas da cidade inglesa para a próxima edição.
Outros espetáculos como violento., solo encenado por Preto Amparo, com concepção de Preto Amparo, Alexandre de Sena, Grazi Medrado e Pablo Bernardo; Caranguejo Overdrive, da Aquela Cia de Teatro; Isto é um Negro?, do grupo E Quem É Gosta?; Vaga Carne, de Grace Passô; De Carne e Concreto, da Anti Status Quo Companhia de Dança estiveram em festivais como o Festival Mladi Levi, na Eslovênia, o Proximamente e o FITEI – Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica, no Porto, Portugal.
Em dança, a bailarina e coreógrafa Marta Soares, com Vestígios, teve ingressos esgotados na sua performance em 2019 no Festival Proximamente. Boca de Ferro, das coreógrafas Marcela Levi e Lucía Russo, foi assistido aqui e em outros festivais por programadores internacionais e, em 2021, a dupla estreou grrRoUNd no Festival de Artes Kunsten, na Bélgica. O trabalho, uma coprodução com outros festivais, ainda é inédito no Brasil.
Programação MITbr
Ancés (2017) |Tieta Macau| (CE)
Duração: 45 minutos
Recomendação: livre
Ancés traça um percurso entre presença e ausência, ativando memórias não codificadas em instâncias dizíveis ou lineares. A coreografia se desenrola da linearidade greco-romana de Cronos, marcada pelas horas, para um tempo e espaço direcionado a Iroko, orixá cultuado pelo candomblé no Brasil, regido pelo tempo de imanência da ação. Percorre o tempo de evocação e articulação de memórias, que se dão entre movimento, som e palavra, rastros que compõem o presente da criação. Com isso, Tieta Macau apresenta o espetáculo como modo de pensar/inventar relações entre ancestralidade, corpo, memória e contemporaneidade, colocando a dança como possibilidade de rearticular narrativas, tornar heterogêneo o que antes era homogêneo, causar estanques, interrupções, desviar de padrões, inventar, propor novos fins e inícios.
Despacho Deferido (2021) | Jaqueline Elesbão/Coletivo Pico Preto | BA
Duração: 34 minutos
Recomendação: 16 anos
Com perspectiva afro-futurista, o solo Despacho Deferido é um convite à resistência e preservação da ancestralidade. Usando metáforas que rementem ao universo dos jogos, traz para o público negro a experiência de se imaginar como peça fundamental em um sistema que escancara o racismo e sustenta o sexismo. Estruturas são desmontadas e reconfiguradas em desobediência à lógica dominante, como reparação necessária que potencializa a virada de históricos de violências e constrangimentos. No palco, Jaqueline Elesbão interage virtualmente com rostos negros, joga capoeira com ela mesma, dança com um atabaque. Imagens de Brasília e de jogos de xadrez, dominó e sinuca são intercaladas com o objetivo de estimular reflexões sobre o imaginário, as narrativas negras e a construção do negro como o outro e consigo mesmo.
E.L.A (2019) | Jéssica Teixeira| CE
Duração: 70 minutos
Recomendação: 14 anos
No solo, a atriz Jéssica Teixeira investiga cenicamente seu próprio corpo – inquieto, estranho e disforme – e questiona de que forma ele interage com o mundo. Assumindo a personalidade Ela, em contraponto a seu corpo (Ele), Jéssica faz de seu físico uma ferramenta multifacetada (ética, política, estética), que desestabiliza e potencializa outros corpos e olhares, buscando uma visão sensível sobre a diversidade e a multiplicidade, além de uma crítica à imposição de padrões de beleza. A artista se apoia em textos teóricos (como o livro O Corpo Impossível, da pesquisadora Eliane Robert Moraes) e na sua própria biografia para criar, em cena, um misto de depoimento e cenas performáticas. Vemos, nesse trânsito narrativo, seu corpo transformar-se muitos: da diva pop ao ciborgue, até libertar-se de amarras e desembocar na selvageria.
Eles Fazem Dança Contemporânea (2019) | Leandro Souza| SP
Duração: 40 minutos
Recomendação: 16 anos
Enquanto manipula uma pilha de cabelos sintéticos, o artista Leandro Sousa repete incessantemente a pergunta “Eu sou suficientemente negro para você?”, refrão de uma música do afro-estadunidense Billy Paulo. Eles Fazem Dança Contemporânea é um solo coreográfico gerado pelo emaranhamento da fala, do corpo e do objeto. Nele, o artista procura por uma cena síntese capaz de dar vazão aos dilemas, ruídos e tensões, envolvendo as presenças negras na arte contemporânea ocidental. A dança é articulada a partir de novos entendimentos sobre coreografia, dialogando com as artes visuais e a performance e se alinhando à crescente demanda por representatividade e descolonização da produção de arte e conhecimento. Leandro busca tensionar as questões da negritude, em relação aos modos eurocentrados de fazer, pensar e ver arte. Ele provoca reflexões acerca de uma lógica do “lugar específico”, pelas quais operam instituições artísticas e às quais corpos racializadas e subalternizadas são relegadas.
Fortaleza (2019) | Cia Dita| CE
Duração: 40 minutos
Recomendação: 18 anos
A palavra Fortaleza traz a ambiguidade de ser o nome da capital do Estado do Ceará, na região nordeste do Brasil, e designar uma estrutura arquitetônica militar projetada para a defesa na guerra – aludindo às ideias de força e fortificação. O espetáculo da Cia. Dita remete a essas duas possibilidades, já que trabalha a partir da iconografia da cidade, por meio de fotografias que retratam os bailarinos nus diante de marcos arquitetônicos. O trabalho apresenta-se como resistência, revelando um corpo-cidade político que busca tornar possível viver na aspereza da vida urbana, ao mesmo tempo que coloca em evidência as raízes indígenas, a influência da Belle Époque e de outros fatos históricos da capital. Revela corpos periféricos e marginais, em permanente estado de guerra. Ali se inscrevem simultaneamente a violência e a delicadeza da cidade, cujo nome já traz em si a ideia de resiliência.
Há Mais Futuro que Passado – Um Documentário de Ficção (2017) | Clarisse Zarvos, Cris Larin, Daniele Avila Small, Mariana Barcelos, Tainá Nogueira e Tainah Longras | RJ
Duração: 75 minutos
Recomendação: 16 anos
Há Mais Futuro que Passado – Um Documentário de Ficção – foto Nityama Macrini
Crítica à historiografia oficial e ao poder que as narrativas hegemônicas exercem sobre a nossa visão de mundo, a peça-paletra joga luz sobre a vida e a obra de importantes mulheres latino-americanas. Como numa conferência à plateia, as três atrizes apresentam uma pesquisa sobre artistas de diferentes países da América Latina, com produções dos anos 1960 aos 1980. A partir de documentos, cartas, vídeos, gravações em áudio e canções, elas questionam a predominância de nomes masculinos e europeus como personalidades de destaque. Além disso, discutem a distância entre o Brasil e os países vizinhos e como desconhecemos aquilo que foi produzido tão perto de nós. Ao longo da narrativa, o tom de palestra do elenco (que, em cena, também opera os vídeos, o som e a iluminação) dá lugar a passagens poéticas, costurando um discurso que fricciona a ficção e o documental.
Trava Bruta (2021) | Leonarda Glück | PR
Duração: 70 minutos
Recomendação: 18 anos
Partindo de sua experiência transexual, Leonarda Glück apresenta um manifesto cênico que propõe uma ponte e também um contraponto entre o contexto artístico e a atual conjuntura política e social do Brasil no campo da sexualidade. Sozinha em cena, a atriz e dramaturga discute a relação da cultura com a transexualidade, discorre sobre como é ser uma artista trans no país de hoje e de que forma a sociedade reage a um corpo que provoca, a um só tempo, repulsa e desejo. Para tanto, o espetáculo busca tensões entre a ficção e a realidade, costurando diversas camadas de artificialidade, como videoprojeções, efeitos sonoros, filtros de redes sociais (que modificam a aparência da atriz) e artifícios de figurino, que ora revelam, ora ocultam. São recursos que vão sendo destruídos e desconstruídos ao longo da narrativa, num constante questionamento sobre quais ficções são permitidas, quais diversidades são aceitas.
Ações Pedagógicas
Performances
ELA | Vina Amorim | MG
Parte da programação do Eixo Ações Pedagógicas, a performance de Vina Amorim parte da ideia da morte como luto, em uma sociedade estruturada pela necropolítica. A morte apresenta-se também como ponte para a travessia, como renascimento e transição. Guiada poeticamente pelo butô, a artista investiga memórias, cria imagens e busca as fissuras pelas quais surgem experiências inomináveis, que só dão conta de serem expressas quando dançadas. Desse modo, a performer se torna a curva que se desvia da norma. Ela é a travessia, é o incerto. Ela… o que fica depois da partida, o que não mente e se faz presente em cada movimento, experimentando o trânsito impregnado entre a presença e a ausência. ELA desobedece o que lhe foi dado no nascimento para ser imorredoura de todas nós.
PROcurava Ser Afetada| Efe Godoy | MG
Este experimento performático trata do afeto na infância, para falar da confiança da alma de uma criança que acredita na essência de apenas existir. Com uma pesquisa no hibridismo em suas variadas linguagens (vídeo, objeto, desenho, pintura, performance), esse ritual procura entender que podemos ser “afetadas”.
Performance
Nesta performance, o indígena da Amazônia Central Emerson pergunta: O que são cartas de Amor? Quais amores nestes mundos são possíveis? Que corpos têm direito ao sentir e ao expressar este sentimento? Quem ainda escreve, quem ainda recebe cartas de Amor? Longe de respostas, a performance é um debate, que talvez vire escrita ativa e coletiva, que talvez relembre a importância do Amor e suas expressões.
Ações Pedagógicas
Curadoria: Dodi Leal
As atividades foram reunidas na edição a partir do tema Afetossíntese e revelam a força afetiva da elaboração cênico-performativa para gerar vigor nutritivo nas relações existenciais-sociais. As ações tratam de pedagogias teatrais como forma de estabelecer novos parâmetros para a cena.
Laboratório de Pedagogia da Performance
Integrando o eixo Ações Pedagógicas da MITsp, o Laboratório de Pedagogia da Performance é um espaço dedicado ao estudo e experimentação da arte da performance a partir de matrizes do Brasil e de outros países. A programação articula estudos teóricos com realizações estéticas concretas provenientes de coletivos, movimentos, festivais e trabalhos artísticos autorais. Confira as atividades: Performance ELA; Roda de conversa após performance; Pocket Show com Isis Broken; Pocket Show com Ayô Tupinambá.
Oficinas
Massageaço, com Danilo Patzdorf e Isabela Laynes
Inscrição por ordem de chegada (credenciamento abre 1hora antes da atividade)
Massageaço é um encontro para aprender e trocar massagem. O objetivo é compartilhar técnicas e saberes necessários para se aplicar um toque estruturado em situações informais. Cruzando arte com saúde, serão investigadas as causas somato-políticas que transformaram a experiência do tato em tabu ou trauma para nossos corpos ocidentalizados. Em seguida, serão vivenciadas diferentes manobras da massoterapia e seus possíveis efeitos terapêuticos na dimensão fisiológica, afetiva, ética e estética.
“daquilo que te afeta”, com Efe Godoy
Inscrição por ordem de chegada (credenciamento abre 1 hora antes da atividade)
Esta é uma vivência para conhecer as pessoas por meio do desenho. A proposta é a liberdade, resgatar um desenho de infância, sem medo de errar, sem pretensão. Brincar com a genuinidade, brincar com o fazer de verdade, e depois expressar com o corpo essa vontade.
Conferência Afetividades Cênicas com Geni Núñez
Inscrição por ordem de chegada (credenciamento abre 1hora antes da atividade)
Nesta atividade, será discutida a monocultura dos afetos e seus efeitos na construção das relações consigo mesmo e com os demais seres. A conversa traz a importância de nomear, reconhecer e buscar formas de reparação das colonialidades. Por meio da noção de reflorestamento do imaginário e artesania dos afetos será feita a reflexão sobre outras pistas e caminhos para construção de envolvimentos mais potáveis nas diversas relações.
Oficina: Internacionalização na Prática – Módulo 2, com Wolfgang Hoffmann
A partir da elaboração de sessões de pitch, para um apresentador real, os participantes deverão identificar as metas e traçar estratégias para o seu próprio trabalho e definir a posição que querem ocupar no cenário global. Todos os participantes deverão sair desse workshop com um conjunto objetivos alcançáveis para o próximo ano e uma estratégia para atingi-los. Este workshop é uma ação da MITbr: Plataforma Brasil, eixo de internacionalização das artes cênicas brasileiras da MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, com realização da Olhares Instituto Cultural e apoio do Goethe-Institut São Paulo.
Encontra de Pedagogias da Teatra: Afetividades do Saber Riscar e Arriscar
Inscrição por ordem de chegada (credenciamento abre 1hora antes da atividade)
A Encontra é um espaço para revitalizar as metodologias de criação teatral a partir das experiências disruptivas de saberes não hegemônicos. Serão realizadas trocas reflexivas e práticas nas quais as corporalidades se arriscam em novas possibilidades de encontrar outras formas de riscar os fazeres de espaço e de cena. A combinação de rodas com oficinas, sarau e momentos de convívio pretende instigar os afetos vetoriados pela perspectiva transfeminista de transição de gênero da área teatral: do teatro para a teatra. O objetivo é instigar novas pedagogias baseadas nos saberes trans. A programação inclui: Encontros com Luh Maza, Aretha Sadick e Divina Valéria; Roda de conversa com Bernardo de Assis, Daniel Veiga, Gabriel Lodi e Léo Moreira Sá; Pocket Sarau com Bixarte e Julian Santos.
Olhares Críticos
Curadoria: Julia Guimarães e José Fernando Peixoto de Azevedo
O eixo reflexivo da MITsp propõe uma discussão sobre as artes cênicas e a contemporaneidade a partir da realização de conversas com pensadores e pesquisadores de diferentes áreas, além da publicação de críticas, artigos e entrevistas.
Reflexões Estético-Políticas
Seminário – Do “ao vivo” ao vivo: teatro e imaginação, ruína e insurgências
O seminário discute a produção e as contradições da linguagem e da cultura no Brasil contemporâneo.
Aulas abertas:
“As fronteiras entre os saberes orgânicos e os saberes sintéticos”, com Nego Bispo (PI)
Saberes orgânicos são os saberes que se envolvem para compor o mundo do Ser e os saberes sintéticos são os saberes que se desenvolvem para compor o mundo do Ter.
Mesa 1: “O meu país é o meu lugar de fala”: destruição e linguagem
Com: Babalorixá Sidnei Nogueira de Xangô (SP) + João Cézar Rocha (RJ) + Silvia Viana (SP)
Mediação: Rosane Borges (SP)
Mesa 2: Elaborações do presente: políticas da morte e imaginação política
Com: Aldri Anunciação (BA) + Casé Angatu (BA) + Fabio Luís Franco (SP)
Mediação: Rosane Borges (SP)
Diálogos Transversais
Conversas com artistas e reflexões críticas realizadas em diálogo com o público. Convidados de diferentes campos do conhecimento lançam olhares transversais, no intuito de cruzarem as fronteiras e ampliarem as leituras das obras em foco.
Prática da Crítica
Crítica diária
Produção diária de críticas sobre os espetáculos da mostra para veiculação eletrônica (www.mitsp.org). Com: Daniel Guerra (BA), Guilherme Diniz (MG), Ierê Papá (CE/SP), Lorenna Rocha (PE) e Michele Rolim (RS – Coordenação).
Cartografias
Entrevistas e artigos de atravessamento sobre espetáculos da mostra para veiculação eletrônica (www.mitsp.org).
Programação atualizada no site www.mitsp.org
Foto Tragédia e Perspectiva: Lisandro Rodríguez
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