Cia. São Jorge De Variedades estreia Festa dos Bárbaros

Com 24 artistas, entre atores e músicos, nova montagem do grupo paulista toma como ponto de partida a Jurema Sagrada e a luta dos povos originários. Espetáculo é encenado na Praça do estacionamento da Funarte SP onde acontece uma grande festa…

 

 

 

Ancestralidade, tempo mítico, luta, cultura e sabedoria dos povos originários e afro-ameríndios do território brasileiro integram a pesquisa da Cia. São Jorge de Variedades para a criação de seu mais novo espetáculo. Festa dos Bárbaros, estreia dia 14 de outubro, sexta-feira, às 15h, na Praça do estacionamento da Funarte SP e traz à cena, sob a direção de um trio de mulheres – Georgette Fadel, Patrícia Gifford e Paula Klein Flecha Dourada – um coro, entre atores e músicos, de 24 artistas.

Contemplado com o Prêmio Zé Renato de Teatro da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, Festa dos Bárbaros se estrutura a partir dos estudos sobre A Revolta dos Bárbaros [guerra que durou mais de 70 anos e que envolveu diversas etnias indígenas em confronto com os colonizadores no sertão nordestino brasileiro] e a Cosmologia da Jurema Sagrada [árvore da caatinga do nordeste que para diversos povos ameríndios é guardiã de cultura e ciência, em rituais de cura e conexão com a ancestralidade].

Festa dos Bárbaros acompanha a história da fuga de um casal, cujo o homem é acusado de assassinar um policial. Na fuga, o casal faz uma peregrinação pela cidade até encontrar uma região de mata, onde se depara com Malunguinho, uma entidade sagrada dos terreiros de Jurema, que caminha por três mundos. A partir de então, o casal é apresentado aos aspectos sagrados, profanos, culturais e identitários da Jurema em celebração com o público e o cruzamento com a geografia local.

Para Paula Klein Flecha Dourada, Festa dos Bárbaros toma como ponto de partida a Jurema Sagrada e a luta dos povos originários para instaurar novos pontos de vista sobre a realidade. “O espetáculo aborda muitos outros assuntos, como questões relacionadas ao sagrado e ao profano, à ancestralidade, ao respeito à multiplicidade da vida, à luta por dignidade e respeito às diferenças, à instauração de modos coletivos de sobrevivência, à celebração da vida, à afirmação de identidades e culturas excluídas”, explica a diretora e atriz.

 

Festa com comidas
A música é um dos pilares dramatúrgicos e parte fundamental da encenação. A pesquisa realizada pelos integrantes da Cia. São Jorge de Variedades ao tema em conjunto a Associação Cultural Morro da Crioula, traz na narrativa musical uma infinidade de canções, cantadas nos terreiros e presentes nas manifestações culturais da tradição, que farão parte do espetáculo. A pesquisa musical também contempla a aproximação com a música afro-ameríndia brasileira tendo como principais instrumentos tambores, maracás e pífanos. A maioria das músicas são cantadas em coro e dentro do repertório musical da peça há muitas canções inéditas compostas pelos artistas do projeto.

A cenografia será composta por uma série de mesas que formam um cruzeiro e uma árvore da jurema, além de uma cobra de 20 metros. Na Praça do estacionamento da Funarte SP o público também se deparará com uma grande festa, onde poderá adquirir comidas em barracas dispostas no local [quem quiser pode levar sua bebida favorita].

Segundo a atriz e diretora Patrícia Gifford, a Cia. São Jorge de Variedades deseja através da proposição desse projeto criar uma obra cênica que seja capaz de trazer à memória os saberes de alguns desses povos originários por meio de cantos e narrativas. “A despeito da tentativa colonial de promover sua adequação ao mundo do trabalho, à conversão à fé cristã católica e uma educação aos moldes das sociedades ditas civilizadas, não conseguiu forjar o completo apagamento dos elementos e práticas culturais identitárias. Esperamos que este novo trabalho seja uma forma de louvação à nossa ancestralidade afro-ameríndia, que a História oficial teima em esconder”, argumenta ela.

 

Sobre a Revolta dos Bárbaros
Ocorrida entre os anos de 1650 e 1720 envolveu os colonizadores e os povos nativos chamados Tapuia e teve como palco os sertões nordestinos, desde a Bahia até o Maranhão. A denominação Tapuia foi dada pelos cronistas da época, e perpetuada pela historiografia oficial, aos grupos indígenas com diversidade linguística e cultural que habitavam o interior, em distinção aos Tupi, que falavam a língua geral e se fixaram no litoral. Estudos atuais demonstram que esses povos pertenciam aos seguintes grupos culturais: os Jê, os Tarairiu, os Cariri e os grupos isolados e sem classificação, como os Sucurú, os Bultrim, os Ariu, os Pega, os Panati, os Corema, os Paiacu, os Janduí, os Tremembé, os Icó, os Carateú, os Carati, os Pajok, os Aponorijon e os Gurgueia.

Embora tenha tido uma longa duração, cerca de setenta anos, e tenha sido contemporânea à existência do quilombo dos Palmares, a Guerra dos Bárbaros pouco aparece na historiografia, sendo praticamente desconhecida. A omissão dessa guerra nos livros didáticos e os raros livros de estudiosos especialistas sobre o episódio revelam o desprezo dado ao tema da resistência indígena e do violento processo de conquista lusitano no sertão nordestino. A designação “bárbaros” era dada pelos colonizadores aos povos nativos que habitavam a região e ofereciam resistência à ocupação do território pelos portugueses, que os descreviam como selvagens, bestiais, infiéis, traiçoeiros, audaciosos, intrépidos, canibais, poligâmicos, enfim, “índios-problema”, pois não se deixavam evangelizar e civilizar.

Essa imagem reforçou os argumentos do conquistador de impetrar uma “guerra justa” para extirpar os “maus” costumes nativos, satisfazendo tanto as necessidades de utilização de mão de obra pelos colonos quanto à garantia aos missionários do sucesso na imposição da catequese. O resultado foi a criação de dispositivos legais que legitimaram uma guerra de extermínio. É isso que confirma o documento datado de 1713, quando os povos nativos já estavam drasticamente reduzidos ou aprisionados e aldeados, no qual o governador de Pernambuco insiste ser “necessário continuar a guerra até extinguirem estes bárbaros de todo, ou do menor, ficarem reduzidos a tão pouco número que ainda que se queiram debelar o não possam fazer”.

 

Sobre a Jurema Sagrada
Crença e fé de muitos povos originários brasileiros, a Jurema Sagrada ou Catimbó, pode ser considerada a primeira religião no Brasil. Guardada a diversidade de experiências dentro de cada povo indígena, e posteriormente os ‘cruzos’ com a religiosidade africana e católica, se caracteriza pela sagração da árvore da Jurema, muito presente no Nordeste brasileiro, e o uso de suas raízes, folhas, frutos e tronco nos rituais cantados onde se faz presente o uso do cachimbo/da fumaça e do maracá em ritos celebrando a história dos encantados, da ancestralidade, e a indissociável relação da vida e cultura com a natureza.

Na Jurema são contadas/cantadas as histórias de mestres e mestras, reis, rainhas e caboclos sertanejos, que através dos cantos perpetuam e presentificam suas narrativas de existência e luta salvaguardando os saberes desses povos diversos. Esses encantados e encantadas driblam a morte e se fazem presentes nos rituais dos terreiros de Jurema através de seus cantos e danças, a fim de compartilhar seus saberes e ciência, orientar e ajudar quem os procura. As entidades da Jurema, portanto, pertencem à história do Brasil, e vão desde figuras extremamente populares e marginalizadas, até figuras de reis e rainhas, como Reis Malunguinho (figura do líder João Batista, do Quilombo de Catucá/ Recife, entre outras lideranças quilombolas), Reis

Canindé (liderança do povo indígena Canindé que vive nos municípios de Aratuba e Canindé no estado do Ceará) e Mestra Maria do Acais (vidente, conselheira e curandeira da cidade de Alhandra/ Paraíba).

Ficha Técnica
Realização – Cooperativa Paulista de Teatro e Cia São Jorge de Variedades. Idealização e Coordenação Geral do Projeto – Patrícia Gifford e Paula Klein Flecha Dourada. Direção – Georgette Fadel, Patrícia Gifford e Paula Klein Flecha Dourada. Dramaturgia – Antonia Mattos com a colaboração de todos artistas-criadores. Direção Musical – Lincoln Antonio. Repertório de Músicas da Tradição da Jurema – Associação Cultural Morro da Crioula. Composições Originais – Artistas-criadores do projeto. Artistas-Criadores – Alexandre Krug, Antônia Mattos, Carlota Joaquina, Darcio Oliveira, Dedê Ferreira, Eugenia Cecchini, Fagundes Emanuel, Fernanda Machado, Georgette Fadel, Girlei Miranda, Giullya Nahirniak, Iraci Estrela, Jonathan Silva, Laruama Alves, Laura Lufési, Lincoln Antonio, Luís Mármora, Marcelo Reis, Patrícia Gifford, Paula Klein Flecha Dourada, Rogério Tarifa, Ronny Abreu, Sarah Lessa, Valmir Sant’Anna e Zi Arrais. Cenografia e Figurinos – Rafael Bicudo. Assistência de Figurino – Érika Grizendi. Cenotecnia – Gustavo Salomão e Katiana Aleixo. Iluminação Cênica – Dedê Ferreira. Equipe Técnica de Operação – Clara Araujo, Guira Bara, Gustavo Salomão, Katiana Aleixo, Matheus Góis e Renan Vilela. Técnico de Som – Duda Gomes. Assistência de Direção – Sarah Lessa. Coordenação de Produção – Nathália Fernandes [Oriri Agência Cultural]. Assistente de Produção – Marcos Vinícius, Sarah Lessa e Laura La Padula. Designer Gráfico – Fernando Sato. Social Media – Camila Cardoso. Assessoria de Imprensa – Nossa Senhora da Pauta. Apoio – Funarte, Cia. Livre, Cia do Feijão, Núcleo Bartolomeu, Quilombaque, Tempero de Oyá, Quadra Filhos da Santa, Apfel Restaurante Vegetariano e Cantina Luna Di Capri

 

 

 

 

 

 

Festa dos Bárbaros
Com a Cia. São Jorge de Variedades.
Praça do estacionamento da Funarte SP
Alameda Nothmann, 1058 – Campos Elíseos
Telefone – (11) 3662-5177.
De 14 a 30 de outubro
Sexta-feira a domingo, às 15h [dia 22 de outubro a apresentação acontece às 13h] e de
De 3 a 20 de novembro
Quinta-feira a domingo, às 15h [dia 5 de novembro não haverá apresentação].
Duração: 180 minutos
Classificação: Livre
Gratuito

 

Sobre a Cia. São Jorge de Variedades
Projeto coletivo, criado em 1998, com integrantes da Escola de Arte Dramática e da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. O grupo visa estabelecer, por meio de investigações permanentes, um processo de lapidação da cena bruta, se utilizando de artifícios e procedimentos simples e artesanais. A base estética da companhia se apoia em referências múltiplas, de acordo com as necessidades de cada espetáculo, mas principalmente nas manifestações ritualísticas de canto e dança, mantendo como referência paralela as religiões afro-brasileiras. A dramaturgia tem como tema principal a discussão de questões éticas inerentes à diversidade e os paradoxos da cultura brasileira, desde sua formação, da colonização à contemporaneidade.

Pedro o Cru, de 1998, uma montagem do poema dramático do escritor português António Patrício, é o primeiro espetáculo da Cia. Em 1999, montam Um Credor da Fazenda Nacional, resgatando a obra do autor José Joaquim de Campos Leão Qorpo-Santo. A partir de 2001, o grupo reforça seu vínculo com a cidade, ocupando por dois anos o Teatro de Arena, local em que, em parceria com o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, o Grupo Teatral Isla Madrasta e a Companhia Bonecos Urbanos, desenvolve o projeto Harmonia na Diversidade. Nesse ano, encena Biedermann e Os Incendiários, de Max Frisch.

O grupo se preocupa com a função social da arte e suas possibilidades, e se envolve com iniciativas públicas para pessoas em situação de rua, como a Oficina Boracea e o Albergue Canindé, entre 2002 e 2004. Nesse contexto, nasce As Bastianas, a partir da coletânea de contos de Gero Camilo, sob direção de Luís Mármora. Em 2007 realizam a montagem de O Santo Guerreiro e o Herói Desajustado (vencedor do Prêmio Shell de melhor figurino) com direção de Rogério Tarifa e 20 atores em cena. Em 2009 monta o espetáculo Quem Não Sabe Mais Quem é, o Que é e Onde Está, Precisa se Mexer, ganhador da categoria especial do Prêmio Shell de Teatro pela pesquisa e criação. A companhia também produz, desde 2003, o fanzine, São Jorges – canal de interlocução de uma geração que deve ser estimulada a contracenar com a cidade de outra maneira.

Em 2010 a Cia é contemplada pelo Programa Petrobras Cultura e em 2012 estreia o espetáculo Barafonda, com quatro horas de duração e um percurso de dois quilômetros pelo bairro da Barra Funda. O espetáculo foi vencedor nas categorias Dramaturgia, Direção e Trabalho apresentado em Rua do Prêmio Cooperativa Paulista de Teatro, além de receber indicações ao Prêmio Governador do Estado de São Paulo como melhor espetáculo e Prêmio Shell 2012 na categoria especial pela montagem e criação. Em 2014 a Cia se aventura pela primeira vez numa experiência artística voltada para as crianças e seus familiares e estreia o espetáculo infantil São Jorge Menino, texto de Ilo Krugli. No mesmo ano estreia Fausto, de Goethe, no Mirada – Festival Internacional Ibero-americano de Teatro. Indicada ao Prêmio Shell de Melhor Música, a peça cumpre temporadas no Sesc Pompeia e Teatro Joao Caetano na capital paulista. Em 2017 surge Afinação I, solo de Georgette Fadel, atriz, diretora e fundadora da Cia.

 

Foto: Reinaldo Meneguim

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