Em Cena Ouro – Epide(R)Mia, uma das companhias de teatro mais prestigiadas do Brasil entra em cena junto com sete não atores, pessoas que trabalham ou moram na região conhecida como “Cracolândia”, no Centro de São Paulo, para evidenciar o que não é mostrado sobre esse território…
No espetáculo, que irá integrar a programação do Festival C’est Pas Du Luxe, em Avignon, na França, a Cia. Mungunzá de Teatro, agora com mais vivência e maturidade política, social e territorial, une sua potência estética-narrativa a uma articulação comunitária
Após apresentações no Festival Cultura e Pop Rua e no Sesc Avenida Paulista, a Cia. Mungunzá de Teatro faz uma nova temporada de Cena Ouro – Epide(R)Mia. Dessa vez, o mais novo espetáculo do coletivo paulistano volta ao palco do Teatro de Contêiner Mungunzá com apresentações de 23 de março a 8 de abril, sábado e domingo às 18h e segunda-feira às 20h.
Em 2018, a Cia. Mungunzá de Teatro levou ao palco no espetáculo Epidemia Prata, a visão pessoal dos atores sobre os personagens reais, que conheceram em sua residência no Teatro de Contêiner Mungunzá, localizado no centro de São Paulo em uma região popularmente conhecida como “Boca do Lixo” ou “Cracolândia”. Depois de cinco anos, o coletivo paulista volta o seu fazer teatral ao território, porém eles não estão sozinhos em cena. Na montagem de Cena Ouro – Epide(R)Mia sete novos integrantes, artistas parceiros de vivências do centro da cidade, que estão ou já passaram por diferentes graus de vulnerabilidade social, completam o elenco.
O espetáculo possui uma direção tripla: Georgette Fadel e Cris Rocha, diretoras que já trabalharam com a Mungunzá, foram convidadas a voltar à “Cracolândia”, mas agora com a colaboração de Tânia Granussi, diretora, atriz e educadora trans e PcD (visão), que já ocupa há três anos o espaço do Teatro de Contêiner com aulas de teatro para as pessoas do entorno. Para a cena foram convidados: Átila Fragozo, artista urbano e percussionista; Cleiton Ferreira, artista plástico e redutor de danos (também PcD – visão); Danee Amorim, mulher trans, contorcionista, atriz e dançarina; Índio Badaróss (em vídeo) pintor da região conhecido como “Basquiat da Cracolândia”; Laurah Cruz, mulher trans e cantora; Mc Docinho, mulher preta, mãe e cantora; e Mc Nego Bala, reconhecido cantor e produtor musical de funk, eleito disco do ano pela Associação Paulista dos Críticos de Arte e último artista a gravar com Elza Soares. Todos unidos ao núcleo artístico da Cia. Mungunzá de Teatro – Léo Akio, Lucas Bêda, Marcos Felipe, Pedro das Oliveiras, Sandra Modesto, Verônica Gentilin e Virginia Iglesias.
No palco, diferentes agentes da região central da cidade de São Paulo se aproximam e colocam em cena as vivências deste território compartilhado. A narrativa costura a vida cotidiana à mitologia e à figura da medusa em um jogo entre o que é maleável e o que é tornado estátua no contexto.
Em Cena Ouro – Epide(R)Mia, a Cia. Mungunzá de Teatro pôde ser confrontada com novas corporeidades, experiências e narrativas sobre a vida olhada por outros pontos de vista/vivências e, com isso, sair da zona de conforto. “Constatamos na prática o fazer teatral como insumo de redução de danos e opção de geração de renda em um território com altos índices de vulnerabilidade social. Embora todos os encontros do processo criativo fossem direcionados para a criação de um espetáculo teatral colaborativo, os ensaios também proporcionaram uma vivência pedagógica ampliada, pois todos passaram por transformações profundas relacionadas ao comprometimento, a autonomia e ao autoconhecimento, explicam Léo Akio e Marcos Felipe, da Cia. Mungunzá de Teatro.
Desde o início, a montagem foi entendida como uma pesquisa intersetorial, pois abordaria de maneira intensa questões artísticas e sociais, sendo necessário uma equipe especificamente ligada ao cuidado e a saúde emocional de todos os envolvidos. Destacam-se nesse processo a presença da psicanalista Ludmila Frateschi e do mediador social Ricardo Paes Carvalho, ambos profissionais também atuantes na região, que estiveram presentes em todos os ensaios sustentando, explicitando e mediando os conflitos surgidos no processo, e também colaborando na construção cênica do espetáculo.
Infinidade de conotações
Cena Ouro – Epide(R)Mia tem em seu histórico as políticas socioculturais do Teatro de Contêiner Mungunzá (existentes desde 2017) e a dramaturgia da peça Epidemia Prata (que estreou em 2018), mas agora a epidemia dá lugar a uma espécie de epide(r)mia, que adquire novos coloridos. Durante o espetáculo, os artistas vão, aos poucos, adquirindo as cores prata e ouro, mostrando que uma mesma experiência, num mesmo lugar, pode ser dura e fria, ao mesmo tempo, quente e porosa. No espetáculo, o universo prata e ouro assume uma infinidade de conotações.
Transitando entre múltiplos sentidos, as atrizes e atores vão desconstruindo personagens estigmatizados pela sociedade, e compartilhando um pêndulo entre petrificação (prata) e fusão (ouro).
Para a psicanalista Ludmila Frateschi, Cena Ouro – Epide(R)Mia é a “proposição de um movimento sempre contínuo de deslocamento da posição com que se olha o mundo a partir do contato com o outro”. Já a diretora Georgette Fadel conta: “Nos deparamos com o conhecimento que estava do outro lado. São travestis, corpos negros, ex-frequentadores e frequentadores do fluxo da ‘Cracolândia’ com uma potência artística incrível. Para muitos é ali que estão amigos, afeto, relações e a própria sobrevivência”.
Podcast – complemento e expansão da cena
Paralelamente a criação da peça, a pesquisa também procurou se expandir para outras mídias e formatos e o resultado foi o podcast Emoção Criativa | Cena Ouro. O programa da Cia. Mungunzá desenvolvido em parceria com o fotógrafo e escritor Pedro Garcia de Moura, que a partir de seu método de direcionamento artístico, em cada episódio, conseguiu construir um retrato-entrevista de cada um dos sete não atores presentes no espetáculo, evidenciou o protagonismo, o universo e o contexto individual de cada um dos participantes. O podcast já está disponível no site do grupo, nas plataformas de áudio e no Youtube. https://www.ciamungunza.com.br/cenaouro#Podcast
Conexão Brasil – França
Diversas iniciativas ao redor do globo terrestre apontam e militam para que a cultura seja entendida como um direito básico social. O espetáculo Cena Ouro – Epide(R)Mia, entra como precursor dessa discussão no Brasil e por esse motivo já tem data marcada (setembro de 2024) para integrar a programação do Festival C’est Pas Du Luxe, em Avignon, na França. O Festival C’est Pas Du Luxe existe desde 2008 e apoia projetos artísticos e instituições culturais que imaginam e constroem pontes entre as artes e as pessoas em situação de rua e vulnerabilidade social.
Ficha Técnica
Argumento e Produção – Cia. Mungunzá de Teatro. Direção – Cris Rocha, Georgette Fadel e Tânia Granussi. Artistas da Cena – Átila Fragozo, Cleiton Ferreira, Danee Amorim, Índio Badaróss (em vídeo), Laurah Cruz, Léo Akio, Lucas Bêda, Marcos Felipe, Mc Docinho, Mc Nego Bala, Pedro das Oliveiras, Sandra Modesto, Verônica Gentilin e Virginia Iglesias. Textos – Artistas da cena e Direção. Supervisão Dramatúrgica –Verônica Gentilin. Direção e Preparação Musical – Bruno Menegatti, Flavio Rubens e Gustavo Sarzi. Composições Originais – Pedro das Oliveiras, Mc Docinho e Mc Nego Bala. Assistência de Direção – Amanda Rocco. Psicanalista (acompanhamento, mediação do processo e colaboração cênica) – Ludmila Frateschi. Mediador Social (acompanhamento e colaboração cênica) – Ricardo Paes Carvalho. Vídeos (criação, captação, edição e IA) – Flavio Barollo. Desenho de Luz – Pedro das Oliveiras. Cenário – Léo Akio, Lucas Bêda, Marcos Felipe e Pedro das Oliveiras. Figurino – Cris Rocha e Sandra Modesto. Costura das saias – Coletivo Tem Sentimento. Apoio técnico (equipe Teatro de Contêiner Mungunzá) – Camila Bueno, Paloma Dantas e Sônia Cariri. Estágio (acompanhamento do processo) – Bárbara Freitas, Beatriz Cristina e Legina Leandro. Identidade Visual e Design Gráfico – Átila Fragozo e Léo Akio. Assessoria de Imprensa – Nossa Senhora da Pauta. Podcast “Emoção Criativa | Cena Ouro” – Léo Akio, Pedro Garcia de Moura e Fabrício Zava. Produção Executiva – Cia. Mungunzá de Teatro e Gustavo Sanna. Apoio – Festival Pop Rua 2023 – 1ª edição, Museu da Língua Portuguesa, Sesc Bom Retiro, Teatro de Contêiner Mungunzá e Festival C’est Pas Du Luxe (Avignon – França). Realização – Cia. Mungunzá de Teatro e Sesc SP.
Cena Ouro – Epide(R)Mia
Teatro de Contêiner Mungunzá
Rua dos Gusmões, 43 – Santa Ifigênia, São Paulo (550 metros da estação Luz do metrô).
De 23 de março a 8 de abril
Sábado e domingo às 18h
Segunda-feira às 20h (sessões acessíveis em libras nos dias 25 de março, 1º e 8 de abril).
Classificação: 16 anos
Duração: 90 minutos
Gratuito (retirada de ingressos com uma hora de antecedência do início da sessão).
Sobre a Cia. Mungunzá de Teatro
A Cia. Mungunzá de Teatro iniciou suas atividades em 2008, com uma pesquisa realizada em parceria com o diretor Nelson Baskerville, em torno do teatro épico de Bertolt Brecht, que gerou o espetáculo Por que a criança cozinha na polenta?. Entre 2008 e 2010, a peça realizou temporadas em São Paulo e participou de festivais em todo o Brasil, recebendo mais de 30 prêmios. Entre 2011 e 2013, também com a direção de Nelson Baskerville, a companhia realizou o premiado Luis Antonio–Gabriela, que narrava a história de transformação do irmão de Nelson Baskerville na travesti Gabriela. Concebido na perspectiva do teatro-documentário ou documentário cênico, Luis Antonio-Gabriela fez temporadas em São Paulo, além de circular por todo o Brasil e fazer apresentações em Portugal recebendo vários prêmios, entre eles o Shell e o APCA, o da Cooperativa Paulista de Teatro e o Prêmio Governador do Estado de São Paulo. Em 2015 estreia Era uma Era, que inaugura o repertório infantil da Cia. e no mesmo ano, o grupo leva aos palcos Poema Suspenso para uma Cidade em Queda, onde desdobra o tema da família em uma pesquisa sobre os relicários pessoais dos atores e pedaços de histórias, que se unem a experiências universais.
Em 2017, a Cia. inaugura o Teatro de Contêiner Mungunzá, formado por 11 contêineres marítimos em um antigo terreno abandonado no bairro da Luz, centro da cidade de São Paulo. O espaço foi o vencedor do Prêmio APCA na categoria especial de teatro e um dos indicados ao Prêmio Shell de inovação pelo uso arquitetônico inédito voltado para o teatro, inserido na região degradada do centro da capital paulista. Já em 2018, o grupo estreia Epidemia Prata, com direção de Georgette Fadel, que comemora 10 anos do coletivo e devolve ao público de forma engajada e poética a experiência vivida em um ano no centro de São Paulo, desde a criação do espaço na região da Luz. No mesmo ano, a Cia. lança o livro-arte sobre os 10 anos do grupo – Mungunzá: Obá! Produção Teatral em Zona de Fronteira… – com assinatura do pesquisador teatral Alexandre Mate e colaboração de José Cetra.
No início de 2020, Epidemia Prata é encenado na Índia no Festival Internacional de Teatro de Kerala e em maio a Cia. Mungunzá de Teatro lança a Mungunzá Digital, uma plataforma virtual com uma programação eclética de conteúdos artísticos, culturais e sociais, pesquisas e projetos de variados artistas, criando um vasto acervo que abre espaço para conversas e aprofundamento nas obras e conteúdos dispostos. O grupo também estreia Poema em Queda-Live, espetáculo em três episódios concebido para o universo digital com diversas tecnologias, como softwares de Live Streaming, Vídeo Mapping, manipulação ao vivo de imagens, para de forma inovadora combinar a essência do teatro à diversas formas de artes digitais. Em 2022, a Mungunzá estreia anonimATO, primeiro trabalho concebido para a rua e primeiro musical com direção de Rogério Tarifa.
Foto: João Leoci
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