23 anos após ter estreado no Rio de Janeiro e viajado por quase todo o Brasil, o solo-performático-processual Para acabar de vez com o julgamento de Artaud estreia na capital paulista…
Em cena, o ator Samir Murad conhecido do grande público por sua participação em várias novelas e seriados, explora a trajetória do poeta dramaturgo, ator e diretor francês do início do século XX com cartas, poemas, manifestos e pensamentos do próprio Antonin Artaud.
Em Para acabar de vez com o julgamento de Artaud, o ator carioca Samir Murad mergulha fundo nos pensamentos de Antonin Artaud (1896-1948), uma das personalidades mais instigantes do teatro mundial, e faz uma série de reflexões sobre o homem contemporâneo. O solo chega à capital paulista após 23 anos de sua estreia no Rio de Janeiro com apresentações de 22 de novembro a 1º de dezembro, sexta-feira e sábado, às 20h e domingo, às 19h, no Espaço Parlapatões.
O título do espetáculo é inspirado no poema radiofônico de Artaud, na época censurado, Para Acabar de Vez com o Julgamento de Deus, e que segundo Samir Murad, justifica-se também em função de dar ao público a oportunidade de fazer um “julgamento” a respeito do que seria a real “loucura” de Artaud. A encenação, que se autointitula processual, é uma proposta cênica que busca um constante aperfeiçoamento das formas e conteúdos apresentados, estando assim em consonância com o projeto teatral artaudiano e que também se propõe a provocar uma transformação criativa e curativa no espectador.
A ideia da encenação surgiu a partir da tese de mestrado de Samir A Influência de Antonin Artaud sobre o trabalho do ator e diretor Rubens Corrêa (o ator é formado no Centro de Letras e Artes da Uni-Rio) e “curiosamente não foi pensado inicialmente para ser um solo e acabou tomando esse caminho por uma ‘fatalidade’ artaudiana”, pontua Samir.
Para acabar de vez com o julgamento de Artaud explora a trajetória de Antonin Artaud, que abalou com suas ideias avançadas para a época, as certezas do Teatro e da Vida e por conta dessa inadequação social, foi considerado louco e internado durante nove anos em diversos manicômios. No palco, Samir debate as sutis fronteiras entre arte e loucura, colocando em cheque os parâmetros da normalidade e da saúde mental, a partir de textos escritos pelo poeta, dramaturgo, ator e diretor francês do início do século XX que criou o conceito de “teatro da crueldade”.
“O Teatro da Crueldade foi criado a fim de devolver ao teatro uma apaixonada e convulsiva concepção da vida, e é neste sentido de violento rigor e de extrema condensação de elementos cênicos que a crueldade em que se baseia deve ser compreendida. Essa crueldade, que será sangrenta quando necessário, mas não de modo sistemático, pode assim ser identificada com uma espécie de pureza moral severa, que não tem medo de pagar a vida o preço que deve ser pago”, escreve Artaud [The Theatre of Cruelty, in The Theory of the Modern Stage. Ed. Eric Bentley. Penguin, 1968, página 66].
Novos textos em cena
Eleito um dos 10 melhores espetáculos de 2001 pelo jornal O Globo em lista idealizada pela crítica teatral Bárbara Heliodora, o solo busca exibir facetas de Artaud, como sua relação com o movimento surrealista, o teatro, as drogas, a política e o misticismo. Murad usa elementos musicais, das artes plásticas e técnicas orientais psicofísicas como o yoga, o tai-chi-chuan e o xamanismo.
O espetáculo traça uma narrativa de passagens da vida-obra de Artaud, a partir de elementos da cena por ele preconizados e que desembocam em conceitos pós-modernos como a performance e o work in process, “tal a riqueza de possiblidades que a herança de Artaud suscita para a cena pós-dramática”, acrescenta o ator. A peça procura assim, expandir a reflexão sobre o espaço e o valor do artista na sociedade contemporânea.
Para acabar de vez com o julgamento de Artaud tem como foco principal, a figura do ator, que evolui em cena a partir de experimentações corporais e textuais inspiradas em técnicas e conceitos orientalistas que reverberam nos outros elementos da cena, como os objetos, as projeções e a música e que funcionam com extensão do universo simbólico irradiado a partir da presença do ator. “Assim, a montagem caminha por um espaço, onde as unidades de tempo e espaço se fragmentam e onde a cena e o texto estabelecem diálogos de tintas surrealistas, onde sonho e realidade se intercalam, procurando-se criar novos significados para o sentido da representação”, pontua Samir Murad.
Para as apresentações em São Paulo, Samir Murad, que recentemente interpretou o personagem Dr. Silvério na novela Terra e Paixão, da TV Globo, conta: “Estou revendo algumas cenas e inserindo novos textos, embora a linguagem seja exatamente a mesma, por uma necessidade ética e estética de me manter fiel a montagem original. Afinal esse espetáculo mudou minha vida. Foram muitos anos circulando pelo Brasil, mas nunca tive a oportunidade de encená-lo na capital paulista. É emocionante rever esse ‘meu’ Artaud mais de 20 anos depois. Um desafio instigante que tomou minha vida, com uma força avassaladora, digna da obra de Artaud. É como se escutasse ele sussurrando junto a mim vem! Coragem! Vamos por aqui!”
De acordo com Samir Murad, a trajetória do espetáculo se articula a partir de uma bipolaridade que busca a síntese de alguns paradoxos artaudianos, como o rigor formal de repetição se conjugando a um espaço aberto para novas experiências a cada apresentação. “Artaud experimentou no corpo o pavor de ser injustiçado pela sociedade. E sentiu a carga violenta como resposta a quem não se enquadra. A psiquiatria impôs tratamentos à base de eletrochoques. E com isso usurpou seu potencial criativo durante o tempo em que ficou esvaziado por essas descargas”, explica o ator.
Ficha Técnica
Textos – Antonin Artaud. Criação e Atuação – Samir Murad. Cenário – José Dias. Figurino e Adereços – Pâmela Vicenta. Trilha Sonora – Samir Murad. Desenho e Operação de Luz – Julye Luz. Operação de Som e Imagem – Allysson Lemes. Programação Visual – Fernando Alax. Assessoria de Imprensa e Redes Sociais – Nossa Senhora da Pauta. Produção Executiva – Wagner Uchoa. Direção de Produção e Realização – Cia Cambaleei, mas não caí..
Para acabar de vez com o julgamento de Artaud
Espaço Parlapatões
Praça Franklin Roosevelt, 158 – Consolação, São Paulo.
Telefone: (11) 3258-4449.
De 22 de novembro a 1º de dezembro
Sexta-feira e sábado, às 20h
Domingo, às 19h.
Duração: 70 minutos
Classificação: 12 anos
Ingressos R$ 40,00 e R$ 20,00 (meia entrada).
Sobre Samir Murad
Ator de teatro, cinema e televisão, autor e professor. É formado pela UNIRio, com pós-graduação na UFRJ, com mestrado também pela UNI-RIO. No cinema, participou de diversos longas e curtas metragens nacionais premiados. Na televisão, fez inúmeras participações na TV Globo, TV Record, Netflix e Canal Brasil. Trabalhou como dublador na Herbert Richers. Foi Professor da Faculdade da CAL. Fundou a companhia teatral Cambaleei, mas não caí…, que tem, em Antonin Artaud sua principal referência de pesquisa de linguagem cênica, inaugurada com o texto infantojuvenil de sua autoria Além da lenda do Minotauro, que também dirigiu e que foi publicado. No teatro atuou sob a direção de Augusto Boal, Bibi Ferreira, Sérgio Britto, Miguel Falabella, Paulo de Moraes, Sidnei Cruz e Gustavo Paso entre outros. Em 2001 encenou seu primeiro trabalho solo Para acabar de vez com o julgamento de Artaud e segundo a crítica de O Globo, foi um dos dez melhores espetáculos do ano. Em 2008 escreveu e encenou seu segundo solo, Édipo e seus duplos, também publicado. Em 2017, encenou, também de sua autoria O cão que sonhava lobos, um solo musical infantil, publicado com ilustrações. Em 2019 protagonizou a encenação de Educação Siberiana e estreou seu terceiro solo, Cícero – A anarquia de um Corpo Santo, que encerra a trilogia Teatro, Mito e Genealogia e que também virou livro. Em 2020 integra o elenco da novela Genesis da TV Record e apresenta seu primeiro livro de poemas e crônicas intitulado O Retorno de Netuno. Em 2022 atua em O Alienista, sob direção de Gustavo Paso, sucesso de público e crítica e em 2023 integra o elenco da novela Terra e Paixão da TV Globo e estreia seu mais recente solo O Cachorro que se Recusou a Morrer, que continua em cartaz em 2024 e que coroa como um fechamento de percurso a mencionada trilogia.
Foto: Divulgação
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