São raros os casos em que diversas potências artísticas reúnem-se numa só pessoa. Mais incomuns ainda são as pessoas que, dotadas dessa variedade de talentos, realizam de forma primorosa todos eles. Um belo exemplo dessa raridade é o cantor, compositor, multi-instrumentista e produtor Emerson Leal…
O artista, que é nascido em Salvador, tem sido celebrado pela engenhosidade das suas harmonias e melodias, alinhada à linguagem pop-sofisticada característica das suas músicas [que já na concepção do seu primeiro disco [Emerson Leal, 2012] atraíram parceiros como Tom Zé e Luiz Tatit]; pelas suas próprias letras de alto nível, ou “bem acima da média das que estão sendo produzidas no Brasil hoje”, de acordo com o crítico musical Thales de Menezes [Folha de São Paulo]; pela beleza e timbre do seu canto, que cativam especialmente fãs femininas que acompanham o cantor em shows ou pelas redes sociais – e, finalmente, pela sua virtuosidade ao violão, instrumento que domina desde muito cedo, graças a seu ouvido privilegiado e sua musicalidade natural [características inclusive observadas por Chico Buarque em vídeo-apresentação de seu disco Chico, 2011, após descobrir performances de Leal através da internet].
A boa notícia é que uma nova mostra de todas essas capacidades já pode ser conferida em todas as plataformas digitais: trata-se do EP Ao vivo no Rio, primeiro lançamento de Emerson Leal neste formato. O miniálbum de quatro faixas, todas compostas pelo artista, foi gravado durante o show de estreia do seu segundo CD, Cortejo, realizado em 26 de janeiro de 2017 no Teatro Sérgio Porto, no Rio de Janeiro [cidade onde Leal viveu entre 2008 e 2018. Hoje ele reside em São Paulo].
Ao vivo no Rio traz canções até então não gravadas pelo autor, mas conhecidas pelo público que frequenta os seus shows; além de novas versões de outras canções já lançadas. E é justamente uma dessas versões que abre o EP: Vai que dá certo, música que havia sido registrada no álbum Cortejo e se tornou o maior sucesso desse disco [além de ter sido também interpretada pela cantora e compositora Ana Carolina em seu show Ruído Branco, de 2017]. É uma surf-bossa-music com melodia de sotaque pop, que proporciona leveza a versos provocativos sobre uma relação líquida, de vínculos frágeis: Você nunca me telefona | Porque vai que eu atendo | Você nunca me explica nada | Porque vai que eu entendo | Você não pergunta onde eu moro | Porque vai que é perto | Você não me pede conselho | Porque vai que dá certo. A moldura sonora da faixa fica a cargo do trio de músicos cariocas Rafael Camacho (guitarra), Ph Rocha (baixo) e Pitito (bateria).
A canção seguinte é uma das que até então estavam inéditas em disco. Conduzida pela voz e pelo violão do compositor, contando ainda com os contracantos da guitarra de Rafael Camacho, Sugar baby é um blues de harmonia incomum e letra composta por questões sobre uma certa mulher bela, jovem e sustentada por um amante/marido muito mais velho – e poderoso: Quanto vale a sua juventude? | Há quanto tempo você não se ilude, Sugar? | (…) | Sugar baby, quase é hora de dormir | De exercer a obrigação de se despir | No espelho o ritual dos cremes | No banho, solitária goza e geme | Sugar.
Outra canção já conhecida pelo público dos shows de Emerson Leal e até então não gravada é a terceira faixa do EP, Um samba inacabado – que, se não chega a ser exatamente um samba, possui, sim, acabamento de alto nível no encontro entre letra e música. A gente tem um samba abandonado | Recado que ninguém vai receber | Um canto vai morrer sem ser cantado | Coitado | Ainda antes mesmo de nascer, diz a letra do quase samba, embalado na forma mais essencial possível para a execução das canções de Leal; ou seja, pela voz e pelo violão do próprio autor.
Com a mesma ambiência sonora, surge a quarta e última faixa: Na frente da tela, canção com DNA de hit instantâneo, atestado pelo canto da plateia carioca no refrão final – Eu vivo na frente da tela | É nela que vejo você | A gente se fala por uma janela | E a solidão parece desaparecer. De todas as canções reunidas neste volume, esta é a única que fala de um relacionamento que parece dar certo – mas que ao mesmo tempo possui um componente particular: a distância física entre os envolvidos. Esta música havia sido gravada em 2014 pela cantora Ariella (SP) e em 2017 pelo supergrupo Três Quartos, formado pelo próprio Leal e seus parceiros Julia Bosco (RJ) e Gustavo Macacko (ES); contudo aparece aqui nesta versão ao vivo e particular do autor, que faz o ouvinte se entregar ao canto, somando sua voz à do público presente no Teatro Sérgio Porto naquela noite. Uma bela maneira de encerrar esta pequena coleção de grandes canções, que apontam para a contínua ampliação da ocupação de Emerson Leal no novo cenário musical do país.
Ficha Técnica
Produzido por Emerson Leal
Gravado por Augusto Feres
Editado e mixado por Emerson Leal
Masterizado por Martin Scian
Fotografia por Donatinho
Distribuição por Tratore
Banda
Emerson Leal – voz, violão, direção musical e arranjos
Rafael Camacho – guitarra
Ph Rocha – baixo
Pitito – bateria
Faixas:
1. Vai que dá certo [Emerson Leal]
2. Sugar baby [Emerson Leal]
3. Um samba inacabado [Emerson Leal]
4. Na frente da tela [Emerson Leal]
Emerson Leal
Nascido em Salvador, Emerson Leal encontrou os primeiros acordes no violão aos nove anos de idade. Começou a compor e se apresentar em público na adolescência, em mostras de som que ocorriam na Escola onde cursava o Ensino Médio. Anos depois, já na Universidade [cursou Ciências Sociais na UFBA], fundou a banda Oda Mae Brown, com a qual circulou por diversos palcos de Salvador e participou com êxito de festivais universitários. Ao se mudar para o Rio de Janeiro, passou a desenvolver seu trabalho solo e produzir o que seria o seu primeiro disco [Emerson Leal, lançado em 2012, com sucesso de crítica em diversos veículos do país]. Montou um show correspondente ao disco e se apresentou, com sua banda carioca, em vários pontos do Brasil – e também na Itália: foi convidado a se apresentar em festivais no sul daquele país em 2014. No ano seguinte entrou em estúdio para produzir e gravar seu segundo disco, Cortejo. Lançado em 2016 [e também bem recebido pela crítica especializada], o disco deu origem a show homônimo estreado em janeiro de 2017 no Teatro Sérgio Porto, Rio de Janeiro. O registro desse show originou o EP Ao Vivo no Rio, lançado em 2018 em todas as plataformas digitais.
Fotos: Donatinho
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