A experiência da atriz Tati Caltabiano ao realizar o parto da sua primeira filha, Miranda, de forma natural e domiciliar e as questões em torno das formas de dar à luz gerou o espetáculo A Conquista de Miranda_Uma Versão Isolada que será apresentado de 22 a 31 de março pela plataforma da Mungunzá digital do Teatro de Conteiner…
A encenação flui entre as memórias da gestação, o transe de um trabalho de parto e as reflexões sobre os modos de trazer o bebê ao mundo. A partir de uma narrativa que revela a potência do corpo feminino em parir de forma natural, a atriz promove uma crítica à sociedade patriarcal ao trazer à tona o tema das violências obstétricas.
Para Tati Caltabiano é de extrema importância tratar sobre o assunto das violências obstétricas. “Só tomamos proximidade com essa questão quando engravidamos ou quando alguma pessoa próxima a nós passa por isso. E, de fato, pode ser uma experiência traumatizante, que deixa marcas físicas e emocionais na mulher. Esse é um tema que deveria interessar a todos já que o nascimento diz respeito a todos nós. Hoje acredito que a forma como se chega ao mundo tem implicações na vida adulta”, explica.
Tendo como referência o teatro documentário e autobiográfico, a atriz produziu conteúdo cênico e teórico durante o processo de pesquisa, que teve início em 2018, quando descobriu que estava grávida da sua primeira filha. Durante a gestação começou a criar cenas e experimentos dramatúrgicos que foram documentados a partir de ensaios cênicos, registros de vídeo e áudio das fases de gestação, além de entrevistas com outras mães e parteiras.
Utilizando sua casa como um set de filmagem, a direção de cena alterna planos fechados apontando um estúdio onde são registrados depoimentos; o plano médio revela um ateliê onde uma barriga de gesso está sendo confeccionada, e um plano mais aberto, a sala com projeções sobre o corpo da atriz. A iluminação é toda feita com o projetor, com a luz branca imprimindo uma estética documental, e as cores dos vídeos projetados sobre o corpo da atriz trazendo uma atmosfera mais poética. Tati veste em cena o mesmo roupão usado durante o seu trabalho de parto.
“Sou de uma família onde todas as mulheres da minha geração fizeram cesárea com hora marcada. Acredito muito que essa escolha seja por falta de informação, por condução médica e por medo, já que parir de forma natural na nossa cultura está associado a dor e a iminência da morte. Quando escolhi o parto domiciliar aos 43 anos, tive que me desfazer de crenças que me apontavam muitas vezes, até de forma estatística, que meu corpo não seria capaz de parir.”
Recolhimento
Após uma quarentena por conta do nascimento da filha, Tati Caltabiano trabalhava para montar e estrear o espetáculo, mas um novo hiato foi imposto diante a chegada do novo coronavírus no Brasil. A atriz, então, em isolamento social, decide manter vivo, dentro da sala de sua casa, um processo artístico que estava prestes a nascer, mas que foi interrompido. Diante de alguns desafios de “fazer teatro em casa” como a redução do espaço físico, as interrupções da filha pequena e as questões políticas que atingem o país, construiu uma nova escrita e encenação pensadas para a linguagem audiovisual e o formato digital.
O tema das violências obstétricas emergiu durante a pesquisa e passou a nortear a criação da dramaturgia. “Tornou-se de extrema importância para mim trazer à esfera pública uma prática tão violenta e naturalizada acometida sobre o corpo feminino, e que na maioria das vezes, fica silenciada na esfera do privado.”
Tati Caltabiano assistiu documentários como a trilogia O Renascimento do Parto, de Érica de Paula e Eduardo Chauvet; Orgasmic Birth, de Debra Pascali-Bonaro, O Que Eu Poderia Ser Se Eu Fosse, do cineasta Bruno Jorge; os documentários de ficção Elena e Olmo e a Gaivota, de Petra Costa. Também buscou referências teóricas dentro da pesquisa de teatro autobiográfico com o livro Autoescrituras Perfomativas _ Do Diário à Cena, de Janaina Leite, e no livro A Cientificação do Amor, de Michel Odent.
“Acredito que realizar este projeto é uma forma de dar luz ao corpo da mulher enquanto potência de criação, de desmistificar e minimizar as crenças culturais do sistema patriarcal que legitimam a indústria da cesárea como a forma mais segura de parir, que demoniza o parto natural e naturaliza diversas formas de violência, que rouba o protagonismo da mulher parturiente e coloca nas mãos da medicina o controle da natureza, ou seja, o controle do corpo feminino”, conclui.
Ficha Técnica
Criação, direção, dramaturgia e performance: Tati Caltabiano
Pesquisa: Tati Caltabiano e João Junior
Direção de movimento: Manuela Aranguibel
Preparação Vocal e Criação Sonora: Sandra X
Provocação Cênica: Janaina Leite e João Júnior
Provocação Dramatúrgica: Ramilla Souza
Vídeo arte: Ju Piesco
Designer gráfico e técnico: Leo Akio
Produção: Tatiana Mohr
Assessoria de Imprensa: Adriana Balsanelli
Colaboração sobre Relatos de parto: Sandra Modesto, Camilla Flores, Fernanda Roman, Ericka Leal, Camila Cruz e Kely Andrade
Realização: Tati Caltabiano e Petit Comitê
A Conquista De Miranda_Uma Versão Isolada
De 22 a 31 de março
Segundas, terças e quartas-feiras, às 21h
Classificação etária: 18 anos
Duração: 40 minutos
Preço Ingressos: Gratuito
Transmissão:
Plataforma da Mungunzá digital do Teatro de Conteiner nos links
Cia. Mungunza
YouTube – Teatro de Conteiner Mungunza
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Foto: Arô Ribeiro
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