“Um Jardim para Educar as Bestas” estreia na 8ª edição MITsp

Espetáculo convidado pelos curadores Antonio Araújo, Guilherme Marques e Rafael Steinhauser para estrear nacionalmente na Mostra é um Duo para Piano e Atuação, criado coletivamente por Eduardo Okamoto, Isa Kopelman, Marcelo Onofri e Daniele Sampaio…

 

 

 

 

Falso Profeta, insone, Extraviado, Vivo, Cego, a sondar o Indecifrável: e, jaguar da Sibila- inevitável, meu Sangue traça a rota desse Fado. Eu, forçado a ascender, eu, Mutilado, busco a Estrela que chama, inapelável. E a pulsação do Ser,
fera indomável, arde ao Sol do meu Pasto- incendiado. Por sobre a Dor, Sarça do Espinheiro que acende o estranho Sol, sangue do ser, transforma o sangue em Candelabro e Veiro. Por isso, não vou nunca envelhecer: com meu Cantar, supero o Desespero, sou contra a Morte e nunca hei de morrer.
Abertura Sob Pele de Ovelha, de Ariano Suassuna
(1927-2014)

“Um Jardim para Educar as Bestas”, criação coletiva dos artistas Eduardo Okamoto, Isa Kopelman, Marcelo Onofri e da produtora Daniele Sampaio estreia nacionalmente na MITsp em 04 de junho, na Biblioteca Mário de Andrade. Trata-se de um duo para piano e atuação que reescreve um dos trinta e seis capítulos do livro “Homens Imprudentemente Poéticos”, de Valter Hugo Mãe: “A Lenda do Oleiro Saburo e da Senhora Fuyu”. Originalmente ambientada num Japão antigo, a trama é transposta para o sertão brasileiro, em diálogo com textos de Ariano Suassuna, Guimarães Rosa e Euclides da Cunha.

O impulso para o processo criativo reside em estudos de Okamoto sobre a cultura japonesa e, em especial, a dança butô, manifestação criada a partir de 1959. Em 2019, depois da eleição da ultradireita no Brasil, um professor desta dança, em um festival na Alemanha, provocou o ator: “É hora de criar a sua própria revolta na carne”, referindo-se a um dos trabalhos icônicos de Hijikata, criador fundamental do butô.

“Naquele momento, eu pensei que, num contexto de barulho, exposição nas redes, disputas de narrativas, poderia haver revolta no silêncio. Seria possível não reagir ao que está dado, por princípio, para tentar imaginar outra coisa?”, perguntou-se o ator. A inquietação remeteu-o a personagens de “Homens Imprudentemente Poéticos”, de Valter Hugo Mãe. Estes são artesão de leques e oleiro: homens que se dedicam à arte com recolhimento e como forma de cultivo de si. Assim, reuniu a equipe que, logo tornou a empreitada coletiva.

Hugo Mãe, quando escreveu o livro, estava referenciado em Kawabata, autor japonês muito admirado por Okamoto. “Lendo o livro de Hugo Mãe, vi proximidade, ainda que considerando suas singularidades, nas obras desses escritores: textos curtos, com orações igualmente curtas que, no seu acúmulo, produzem fábula e sentido. Para mim, era como se Kawabata estivesse escrevendo em português”, acrescenta o ator.

Considerando a inspiração de Hugo Mãe e outra reescritura de obra de Kawabata – “Memórias de Minhas Putas Tristes”, de Gabriel Garcia Márquez – a equipe decidiu recriar a história original, numa versão própria do texto: alteraram-se a paisagem e a linguagem, assim como o desfecho da fábula.

Outras obras de Rosa, como “Orientação”, bem como outros narradores do sertão, foram referência no processo. Além disso, a dramaturgia homenageia a imigração japonesa no sertão da Paraíba, especialmente dois de seus personagens fundamentais: o Seu Inhês e a sua esposa, Marly.

O processo se deu a partir de estudo literário, mas não só. Deu-se na cena. Por exemplo, a música original de Marcelo Onofri, “Bem-te-vi e o Jardim Japonês”, desempenha função narrativa equiparável às palavras redigidas no papel. Por isso, é difícil saber onde começa a dramaturgia: nas proposições da Isa Kopelman, como olhar externo; na música de Marcelo Onofri; na organização do projeto, realizada por Daniele Sampaio; na atuação e ou no movimento de Okamoto. Por isso, a criação é assinada coletivamente e as funções da ficha técnica são diluídas. A forma “duo para piano e atuação” enfatiza, justamente, esta dramaturgia multilinguagem.

O empreendimento de jardinagem do Seu Inhês, protagonista de “Um Jardim para Educar as Bestas”, é feito de pedras. Um jardim japonês, no meio do sertão, pode nos trazer reflexões fundas sobre a impermanência. Há, aqui, um paradoxo: tudo muda, mas é a ilusão das formas dos fenômenos o que nos viabiliza a verificação das transformações.

“Nosso jardim é, enfim, a narrativa de um modo nipo-sertanejo de resiliência diante da incivilidade: misto de manifesto, paciência ativa, aposta na beleza e na poesia como modo de trabalho e lapidação do espírito”, concluem os criadores.

O espetáculo conta ainda com a colaboração de Yumiko Yoshioka, Nina Pires, Fernando Stankuns, Binho Signorelli e Yasmim Amorim.

 

 

 

 

 

 

8a MITsp | Um Jardim Para Educar As Bestas
Duo para piano e atuação com Eduardo Okamoto e Marcelo Onofri
BMA – Biblioteca Mário de Andrade
Rua da Consolação, 94 – República
Lotação: 170 lugares
Dias 4, 5, 11 e 12 de junho, às 17h
Grátis
Senhas de acesso podem ser retiradas uma hora antes do início do espetáculo
Duração: 55 minutos
Classificação: 12 anos
Acesso para portadores de necessidades especiais

 

Foto: de Nina Pires

1 comentário em ““Um Jardim para Educar as Bestas” estreia na 8ª edição MITspAdicione o seu →

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *