Espetáculo Chroma Key reflete sobre a masculinidade em temporada gratuita no Espaço Mezanino do Centro Cultural FIESP (SESI-SP)…
Com texto de Angela Ribeiro, direção de Eliana Monteiro e atuação de Rafael De Bona e Ricardo Henrique, peça coloca a virilidade narcísica do masculino em xeque
Um homem em confronto consigo mesmo: esse é o mote do espetáculo “Chroma Key”, que reestreia em São Paulo. A peça, que cumpriu uma bem-sucedida temporada no Sesc Avenida Paulista em 2022, faz apresentações gratuitas entre os dias 16 de fevereiro e 24 de março no Espaço Mezanino do Centro Cultural FIESP (SESI-SP). As sessões acontecem de quinta a sábado, às 20h30, e, aos domingos, às 19h30. É possível reservar os ingressos online a cada segunda-feira, a partir das 8h.
Na trama, os atores Rafael De Bona e Ricardo Henrique dão vida a uma figura em uma profunda crise existencial. Como em um circuito incansável, ele reflete sobre pilares sociais, trabalho, dinheiro, família e o modo como atua no mundo, problematizando a representação de sua masculinidade.
“Trata-se de um homem que está perdido, pois sempre teve status e ocupou lugares de poder. Ele é narcisista e, agora, precisa fugir dessas projeções de si próprio para conseguir enxergar o outro, reconhecer a diversidade e entender qual é o espaço que precisa ocupar neste momento”, explica Rafael De Bona.
Sobre o texto
Em 2018, quando iniciaram-se as pesquisas para o espetáculo, o ponto de partida foi a depressão originada da sociedade do trabalho e da produção. Para a diretora Eliana Monteiro, a metáfora que resume esse sentimento é a de um boi com os olhos totalmente tapados por um antolho – acessório que limita a visão dos animais de montaria, forçando-os a olhar apenas para frente e evitando que se distraiam e saiam do rumo, andando em círculos para se alimentar enquanto seu movimento é responsável por fazer um moinho funcionar, moendo cana ou mandioca.
Nesse contexto, obras como “O Demônio do Meio-Dia – Uma Anatomia da Depressão”, de Andrew Solomon, e “Sociedade do Cansaço”, de Byung Chul-Han, foram fundamentais no processo criativo da dramaturga Angela Ribeiro.
“Durante as minhas pesquisas, me surpreendi com dados sobre o alto número de homens com depressão que não buscam ajuda por medo do julgamento social. Isso também acontece porque eles são criados desde criança para serem heróis e não demonstrar fragilidade”, conta Angela.
Diante deste cenário, a dramaturga quis gerar um espaço de reflexão com o espetáculo “Chroma Key”. “A ideia do trabalho não é trazer respostas, e sim estimular as pessoas a repensarem a sociedade e suas ideias em torno do “masculino”. Por exemplo, como podemos colaborar para não criar esses homens? Da mesma forma, os homens precisam perceber que estão em um lugar de privilégio e que cabe a eles, também, renunciar a isso para garantir um mundo mais igualitário”, completa.
Esses homens fazem parte da engrenagem de um sistema que asfixia o sujeito. A todo o momento as pessoas são bombardeadas por informações, sem tempo suficiente para ressignificá-las, problematizá-las e até digeri-las. Trata-se de uma violência invisível que exaure e gera uma sociedade na qual corremos contra o tempo e não sabemos para onde.
Segundo Eliana Monteiro, com o resultado das eleições de 2018, essa força masculina truculenta ganhou ainda mais projeção. “Os políticos/gigolôs arquitetaram o golpe contra a democracia, mas apertavam a corda apenas o suficiente para manter todos acordados. Ficamos expostas ao cheiro fétido exalado pelo patriarcado, ao seu jugo nocivo, produtor da morte. Homens com seus reservatórios cheios de violência, opressão e horror à diversidade estavam autorizados pelos poderes constituídos a eliminar ou subjugar o não reconhecido”, argumenta. Assim, “Chroma Key” ganhou mais complexidade: passou a falar tanto da depressão do sujeito contemporâneo quanto do horror do retrocesso.
Sobre a encenação
Na nova temporada, de acordo com a encenadora, a peça ganhou contornos ainda mais radicais. Isso porque o espaço destinado ao espetáculo no Mezanino do Centro Cultural FIESP é bem mais estreito do que no Sesc Avenida Paulista, criando uma enorme contradição. “Na primeira versão, estávamos todos confinados e o espaço do confinamento na peça era muito maior, fazendo alusão ao tamanho ocupado pelo masculino naquele momento. No espaço atual, ele está submetido a um cubículo, o confinamento é maior, o embate entre as projeções que o homem tem de si e o círculo fechando sobre si, será o desafio dessa empreitada”, explica.
Em 2024, o Brasil vive um momento mais otimista. “O coronavírus já não é uma ameaça, pois as vacinas sempre atualizadas nos garantem alguma proteção. Ao mesmo tempo, tivemos novas eleições, a troca de presidente, os movimentos sociais ganhando força, as chamadas minorias reivindicando seus direitos. Mesmo assim, tenho a sensação de que estamos vivendo uma falsa liberdade. Esse véu que cobria o patriarcado foi retirado e ele está exposto. Suas garras deixaram marcas profundas e ainda sinto o ar passando com dificuldade pela garganta estrangulada pela força a qual fora submetida. A pergunta que me faço é: esse homem branco, ao perceber vozes dissonantes, estaria se sentindo sufocado?”, acrescenta.
Para Ricardo Henrique, olhar para a própria trajetória masculina foi desafiador. “Pensar no quanto ainda reproduzimos o machismo nas nossas relações e no trabalho não foi fácil. Este homem que estamos retratando é extremamente nocivo e facilmente reconhecível pela plateia: ele tem ódio das mulheres e não consegue aceitá-las em cargos superiores, por exemplo. Da mesma forma, ele não sabe lidar com o abandono e vive competindo com seus pares”, afirma.
Rafael De Bona vai além. “É evidente que é uma personagem que reflete uma masculinidade específica. Existem muitas masculinidades, não só essa. Mas essa é a que está no centro da problemática dos nossos tempos. Nosso desafio foi nos colocarmos juntos em questão com isso, sem ignorar quem somos e sem sair ilesos enquanto intérpretes”, diz.
Visualmente falando, a encenação propõe uma instalação cenográfica imersiva, investindo na multiplicidade de linguagens artísticas para a criação de uma experiência ativa com o público, borrando as fronteiras das linguagens do teatro, do audiovisual e das artes visuais.
Assim, os atores se relacionam com projeções em vídeo criadas por Bianca Turner em um cenário assinado por Rafael Bicudo. A iluminação de Guilherme Bonfanti e a trilha sonora de Érico Theobaldo intensificam a sensação de opressão da personagem. O figurino é de Marichilene Artisevskis e a produção da Corpo Rastreado.
Sinopse
Um homem cindido está em constante embate consigo mesmo. Como num circuito incansável, ele articula questões sobre pilares sociais, trabalho, dinheiro, família e o modo como atua no mundo, colocando em xeque a representação de sua masculinidade.
Ficha Técnica
Concepção e direção artística: Eliana Monteiro
Dramaturgia: Angela Ribeiro
Elenco: Rafael De Bona e Ricardo Henrique
Assistência de direção: Rafael Bicudo
Dramaturgismo: Bruna Menezes
Desenho de luz: Guilherme Bonfanti
Trilha sonora: Érico Theobaldo
Cenografia: Rafael Bicudo
Cenotécnico: Wanderley Wagner
Concepção de vídeo projeção: Bianca Turner
Figurino: Marichilene Artisevskis
Envelhecista: Foquinha Cris
Direção de movimento: Fabricio Licursi
Orientação de atuação: Luciana Canton
Operação de vídeo: Bianca Turner
Operação de sonoplastia: Igor Souza
Operação de iluminação: Mauricio Matos
Assistência de produção: Leonardo Monteiro
Produção: Corpo Rastreado / Lucas Cardoso
Idealização: Rafael De Bona e Ricardo Henrique
Chroma Key
Espaço Mezanino do Centro Cultural FIESP (SESI-SP)
Avenida Paulista, 1313 – Jardins
Lotação: 50 lugares.
Temporada: 16 de fevereiro a 24 de março de 2024
Às quintas, sextas e sábados às 20h30, e, aos domingos, às 19h30
Ingressos: Os ingressos gratuitos são liberados a cada segunda-feira, a partir das 8h. Podem ser reservados no site www.sesisp.org.br/eventos
Classificação etária: 16 anos.
Acessibilidade
Duração: 70 minutos.
Foto: Mayra Azzi
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