Chego até a janela e não vejo o mundo leva ao palco o encontro entre Graciliano Ramos e Nise da Silveira na prisão

O espetáculo, com direção e dramaturgia de Gabriela Mellão e João Wady Cury, estreia no Itaú Cultural dia 28 de março de 2024. A temporada é gratuita…

 

 

 

 

 

 

O encontro da psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999) e do escritor Graciliano Ramos (1892-1953) na prisão em 1936, durante a Era Vargas, é tema da peça Chego até a janela e não vejo o mundo. Os dois alagoanos, que até então não se conheciam, iniciam uma amizade que extrapola o cárcere e seria levada até a morte do escritor, anos depois.

O espetáculo tem direção e dramaturgia de Gabriela Mellão e João Wady Cury e é protagonizado por Simone Iliescu e Erom Cordeiro. A estreia acontece no Itaú Cultural em 28 de março e a temporada segue até 14 de abril, de quinta-feira a sábado, às 20h, e, aos domingos e feriados, às 19h. As sessões são gratuitas.

A obra parte da história real, o encontro entre esses dois personagens maiores da história brasileira, e segue o caminho da ficção. “Para contar essa história vivida por Nise e Graciliano, abordar o horror da perseguição política e a beleza da amizade nascida entre grades, nos interessava a cumplicidade criada no claustro entre eles sem abrir mão de uma narrativa onírica e poética de um lado, e também aterrorizante e delirante do outro. Sem esse abstrato não há como retratar o que eles passaram na prisão”, conta Gabriela Mellão.

Quando foram presos, os dois estavam em momentos diferentes da carreira. Graciliano já tinha publicado ‘Caetés’ (1933) e ‘São Bernardo’ (1934), além de ter sido prefeito de Palmeira dos Índios e diretor da Instrução Pública de Alagoas, cargo equivalente a Secretário Estadual da Educação. Já Nise da Silveira trabalhava no Serviço de Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental do Hospício Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro, após ter concluído uma especialização em psiquiatria.

A maneira com que Nise e Graciliano se relacionam evidencia o modo como eles viam a vida. São duas personalidades muito diferentes que compartilham o interesse pelas questões humanas e voltam suas atenções aos que estão à margem do sistema. A experiência da prisão, uma imersão neste universo, reafirma o caminho escolhido por eles ao mesmo tempo em que ressalta a importância do afeto para o homem em circunstâncias adversas.

O encarceramento gerou impactos diferentes em cada um. “Graciliano publicou livros logo ao sair da prisão, filiou-se ao Partido Comunista, foi candidato a deputado e relatou sua experiência em ‘Memórias do Cárcere’, publicado postumamente. Ao contrário dele, depois de liberada, Nise passou oito anos escondida no interior da Bahia por medo de ser presa novamente. Só retomou a sua carreira em 1944, quando a perseguição política do Estado Novo foi amenizada”, acrescenta o diretor e dramaturgo.

Nesse cenário, “Chego até a janela e não vejo o mundo” é um elogio à liberdade que busca retratar de uma maneira simbólica o horror da Era Vargas e da perseguição política. As pesquisas realizadas para o espetáculo apontam que nem o escritor, nem a psiquiatra foram torturados. No entanto, o simples fato de estarem em um ambiente violento foi suficiente para marcar definitivamente as vidas dos dois alagoanos – e o texto evoca isso.

 

Sobre a encenação
Foi durante o isolamento social vivido por João Wady Cury e Gabriela Mellão na pandemia de Covid-19 que nasceu a peça. A estratégia adotada pela dupla para mergulhar o máximo possível na psiquê desses personagens envolveu uma constante troca de correspondências entre os dois dramaturgos, Mellão como Nise e Cury como Graciliano Ramos. A partir daí, começaram a elaborar a dramaturgia.

Simone Iliescu e Erom Cordeiro dão vida a essas figuras icônicas. Já o clima que transita entre o afetuoso e o aterrorizante é criado por meio da iluminação de Aline Santini, do cenário de Camila Schmidt e da trilha sonora original de Federico Puppi.

 

Graciliano
Eu escrevo. Somente escrevo. Escrevo o que vejo, não invento coisas que não existem porque o mais importante é retratar a realidade como ela é para que as pessoas que não vivem esta realidade saibam como é. O mundo das minhas histórias é o mundo que eu vejo e que vivo. É por isso que escrevo. Para as pessoas. Como você. Fazemos pelo outro, por quem precisa, por quem merece.

Nise
Você acha que eu compreendo as pessoas que estão doentes, que são pobres e que sofrem por estar aqui? Eu me identifico com elas, me sinto uma delas.

Graciliano
Há frases que tomam todas as horas do dia, até que fiquem como eu espero. Não faço planos, sigo, somente sigo. (..) As crises passam, tão certo como a vida passa. Então por que diabos prende indivíduos como eu, para quê?

Nise
Ser livre é ter espaço interno para poder ser o que se é? Eu sei quem sou? Em nome do que eu me corrompo? Em nome de desejos? (…) Ter de seguir as normas sociais, as leis e as imposições? De quais condutas estou me referindo, as do sistema, as dos poderosos, do meu ego, do meu inconsciente?
Trechos da dramaturgia “Chego até a janela e não vejo o mundo”

 

 

Sobre Graciliano Ramos
Primogênito de 16 irmãos, Graciliano Ramos nasceu dia 27 de outubro de 1892 em Quebrangulo (AL). Casou-se aos 23 anos com Maria Augusta de Barros, com quem teve quatro filhos: Márcio, Júnio, Múcio e Maria Augusta, que recebe o nome de sua mãe, falecida no parto. Em 1928, casa-se com Heloisa Leite de Medeiro, em 20 de março de 1953, com quem também tem quatro filhos.

Na vida profissional, além de ser um romancista, contista e cronista notável, o autor de “Vidas Secas”, “Memórias do Cárcere” entre outras obras-primas da literatura brasileira, foi jornalista, tradutor e teve uma série de cargos públicos, incluindo o de Inspetor Federal de Ensino Secundário do Rio de Janeiro.

 

Sobre Nise da Silveira
Nise da Silveira nasceu em 15 de fevereiro de 1905, em Maceió (AL). Entre 1921 e 1926, foi a única mulher dentre os 157 alunos da turma na Faculdade de Medicina na Bahia. Especializando-se em Psiquiatria, a médica lutou contra as formas agressivas de tratamento existentes na época, como internação, eletrochoques e lobotomia.

Nise foi responsável por introduzir a arte no cuidado com os pacientes do Centro Psiquiátrico Pedro II. Quem frequentava a Seção de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação (Stor) da instituição era convidado a se expressar artisticamente. Todos tinham acesso a ateliês de desenho e pintura, aulas de esportes variados, além de oficinas de teatro, marcenaria e sapataria.

Em 1952, funda o Museu de Imagens do Inconsciente, um Centro de Estudo e de Pesquisa, ainda em atividade, que reúne as obras de atividades produzidas nos ateliês. Parte do trabalho é exibido no II Congresso Internacional de Psiquiatria, em Zurique, em 1957, a convite de C.G. Jung.

O interesse do fundador da psicologia analítica e da psiquiatra brasileira pela expressividade do inconsciente em pinturas e desenhos sob a forma de mandalas aproxima-os. Além de se corresponderem, Nise viaja algumas vezes à Suíça para visitar e estudar no Instituto C.G. Jung em Zurique. Em 1955 ela forma o Grupo de Estudos C.G. Jung no Brasil.

 

Sobre o encontro
Nise e Graciliano estiveram presos praticamente no mesmo período, entre os anos de 1936 e 1937. Foram apresentados por um amigo comum, justamente por serem alagoanos, em uma situação curiosa narrada em Memórias do Cárcere, quando precisaram se encarapitar para se ver. A partir daquele momento, iniciou-se uma profícua amizade baseada na cumplicidade das grades.

Nos poucos momentos em que puderam se encontrar, fosse nos banhos de sol ou mesmo na enfermaria da prisão, passaram a conversar sobre assuntos de interesse comum — é importante lembrar que homens e mulheres ficavam em alas separadas, apesar de muitas vezes contíguas. Graciliano e Nise, além de terem em comum o Estado de Alagoas, comungavam do interesse no ser humano.

Sinopse
Graciliano Ramos e Nise da Silveira são presos durante a ditadura Vargas. Nesta situação de restrição absoluta, acabam se conhecendo e nasce uma amizade que se estende até o final da vida entre o escritor, um dos mais importantes do país, autor de Vidas Secas e São Bernardo, e a psiquiatra que revolucionou o tratamento psiquiátrico no Brasil com a inserção da arte na vida dos internos em manicômios. São duas personalidades muito diferentes que têm em comum o afeto, a compreensão de suas condições e o tamanho do mundo.

Ficha Técnica
Texto e direção: Gabriela Mellão e João Wady Cury
Atuação: Simone Iliescu e Erom Cordeiro
Cenografia: Camila Schmidt
Desenho de luz: Aline Santini
Assistente de iluminação: Gabriela Ciancio
Trilha sonora original: Federico Puppi
Operador de som: May Manão e Lucas Bressanin
Figurinista: Dani Tereza Arruda
Preparador físico e coreógrafo: Reinaldo Soares
Fotografia: Giorgio D’Onofrio
Designer gráfico: Ana Fortes
Produção: Corpo Rastreado – Letícia Alves
Assessoria de Imprensa: Canal Aberto – Márcia Marques

 

 

 

 

 

 

 

Chego Até a Janela e Não Vejo o Mundo
Itaú Cultural
Na Sala Itaú Cultural
Avenida Paulista, 149, (Piso Térreo) – Bela Vista, São Paulo (400 metros da estação Brigadeiro do metrô)
Capacidade: 224 lugares
Temporada: 28 de março a 14 de abril
De quinta-feira a sábado, às 20h
Domingos e feriados, às 19h
Duração: 70 minutos aproximadamente
Classificação Indicativa: 16 anos (temas sensíveis, prisão, tortura)
Entrada gratuita. Reservas de ingressos pela plataforma INTI – acesso pelo site do Itaú Cultural www.itaucultural.org.br
Acessível em libras

De terça-feira a sábado, das 11h às 20h.
Domingos e feriados 11h às 19h
Informações: pelo telefone (11) 2168.1777 e wapp (11) 9 6383 1663
E-mail: atendimento@itaucultural.org.br
Acesso para pessoas com deficiência física
Estacionamento: entrada pela Rua Leôncio de Carvalho, 108.
Com manobrista e seguro, gratuito para bicicletas.

 

Conheça a equipe

Gabriela Mellão
Autora, diretora e crítica teatral. É crítica colaboradora da Revista Bravo! desde 2006. Compõe o júri teatral do prêmio APCA. Foi repórter teatral da Folha de São Paulo entre 2008 e 2012 e curadora de diversos festivais e editais. É autora de peças como Mutações (2023), pela qual foi indicada ao prêmio APCA de melhor dramaturgia e Sylvia Plath – Ilhada em Mim (2014-18 – prêmio APCA melhor direção), ambas encenadas por André Guerreiro Lopes. É também roteirista, diretora e editora das peças/filme como We’re Not in Kansas Anymore (2022 – Seleção Oficial do Silicon Beach Film Festival, em Los Angeles) e Começo do Fim (2022), vencedor do prêmio de melhor filme experimental do Festival Chicago Blow Up, nos EUA.

 

João Wady Cury
Jornalista e escritor. Em teatro, é autor de Ossada, Lorca – Ando Comigo Mesmo, e Borges – Meus Olhos Brilham Enquanto Como Palavras. Atua há 20 anos em estratégia e criação digital para programas na internet na área de entretenimento e notícias. Tem três livros publicados: Ninguém Solta a Mão de Ninguém (coautoria, Claraboia), Enquanto Eles Choram, Eu Vendo Lenços (HarperCollins Brasil) e o infantil Ziiim (LeYa). Trabalhou em Marie Claire, TRIP, Carta Capital, Veja e nos jornais Estadão, Folha e O Globo.

 

Simone Iliescu
Atriz desde os sete anos, começou no Teatro Vento Forte e após um tempo em Portugal com a Companhia de Teatro de Braga, ingressou no Grupo Macunaíma de Antunes Filho, onde além de atriz foi também assistente de direção. Em sua passagem pelo Macunaíma integrou o elenco de Medeia, A Pedra do reino e Pret´à´Portêr. No cinema, protagonizou mais de dez filmes, como Riocorrente, A Espera de Liz, e foi premiada por sua atuação em inúmeros festivais no Brasil e no exterior.

 

Erom Cordeiro
Alagoano, começou a fazer teatro em Maceió em 1993 e se formou em teatro na UNIRIO/RJ, em 2000. Nesses 31 anos de carreira participou de mais de 40 espetáculos tendo trabalhado com diretores como Amir Haddad (Mambembe Canta Mambembe), Aderbal Freire-Filho (Macbeth), Ulysses Cruz (O Zoológico de Vidro), Marco André Nunes (Laio & Crísipo), Alessandra Vanucci (Pocilga), Bia Lessa (As Três Irmãs) e Victor Garcia Peralta (Quem Tem Medo De Virginia Woolf?). Em audiovisual, entre vários trabalhos em TV e cinema, foi indicado e também premiado por seu trabalho em séries, curtas e longas.

 

Foto: Giorgio D’Onofrio

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