Quelônio lança romance da atriz Helena Cerello

Dia 26 de maio, no Teatro Cemitério de Automóveis, Helena Cerello lança o seu primeiro livro, “Ninguém abandona o Paraíso pela porta da frente” que conta a história de Bella, atriz casada com Ulisses, diretor de cinema 21 anos mais velho, que se recupera de um AVC…

 

 

 

 

Narrativa alterna tempos entre 2016 e 1994, passando em revista o relacionamento da protagonista com Tonio, ator talentoso e politizado, com quem Bella e Ulisses fizeram um filme no Nordeste. No presente, o romance transcorre em apenas um dia: Bella conta histórias ao convalescente Ulisses, revê as contradições entre desejo, arte e política, e decide dar outro rumo à própria vida, assumindo uma voz narrativa autoral, que se torna a matéria do romance que o leitor tem em mãos.

O romance de estreia de Helena Cerello narra a história de uma atriz de sucesso que, confrontada com a própria história (marcada por um amor dividido entre dois homens), toma consciência das ilusões do sucesso, questiona suas escolhas profissionais e passa em revista o próprio desejo. O estilo impactante da autora e a própria forma do romance (que alterna temporalidades e flerta com a linguagem dos roteiros de cinema) tornam o romance hipnótico, que envolve o leitor em uma trama surpreendente por meio de uma forma literária experimental de alta voltagem.

No presente, Bella cuida de Ulisses no quarto de uma fazenda em Limeira, interior de São Paulo. De início muito limitado em movimentos e consciência por conta do AVC sofrido recentemente, Ulisses vai melhorando aos poucos, graças às histórias de Bella, que o excitam e ao mesmo tempo o incomodam. Ao conversar com Ulisses, Bella conta histórias e revela um caso amoroso de vinte anos com um ator, com quem o casal fez um filme no Nordeste. Ao tomar para si a narrativa de sua própria história, ela assume uma voz autoral e emancipada, que combina o acusatório e o irônico, o romântico e o sarcástico.

A narrativa alterna capítulos entre 2016 e 1994, época em que os dois jovens atores, Bella e Tonio, se conheceram. Ulisses, o marido 21 anos mais velho, nunca creditou as participações dela nos roteiros de filmes que fizeram juntos. Sempre tratou a mulher (e sua atriz favorita) como uma musa, sem considerar as ideias, a autoria e os questionamentos de Bella. Narrado em primeira pessoa, o romance apresenta uma Bella que é ao mesmo tempo narradora e atriz, personagem e autora, personificação do mítico e do singular, do feminino e de uma individualidade única. Bella é Sherazade e Marilyn Monroe, Emma Bovary e Hilda Hilst, Cleópatra e Maria I, a Louca.

Os capítulos do passado contam a história dos encontros de Bella com o talentoso e sedutor Tonio, descrito como “um dos melhores atores de sua geração”, também casado, com quem Bella se envolve sem nunca ter um caso duradouro. Bella e Tonio não chegam a ser amantes de fato. Encontram-se algumas vezes ao longo de vinte anos, e a atração que sentem permanece um enigma, um desejo de ingredientes contraditórios. Bella admira Tonio pelo talento, por suas posições políticas, pelo espírito rebelde e insubmisso, que não se deixa capturar pelas armadilhas da fama.

Atriz de sucesso no cinema e na TV, Bella é uma espécie de musa à sua própria revelia. Perturbada e perturbadora, sua inteligência e sarcasmo organizam essa história sobre as contradições do feminino, sempre a um passo do fetiche e do protagonismo. “Bella vive o fracasso de ter se tornado uma atriz de sucesso”, diz Lourenço Mutarelli no texto de orelha do livro. Para o escritor, a protagonista concentra características de muitas personagens femininas, uma essência camaleônica que encarna figuras míticas e paradigmáticas como a Rainha de Copas, Cleópatra, Lady Macbeth, Marilyn Monroe e Rapunzel. Como observa Mutarelli, Bella “acostumou-se demais ao conforto”. A personagem vive um momento de tomada de consciência e de retomada da própria vida em suas mãos. Sua jogada é perigosa e incerta, mas necessária. Afinal, ninguém abandona o Paraíso pela porta da frente.

 

Texto de orelha do livro por Lourenço Mutarelli
Neste romance, Helena Cerello nos apresenta uma história dentro de outras histórias. Uma Matrioska às avessas: cada pequena peça traz dentro de si uma figura maior. E o jogo segue quase sem fim ou com o fim dado logo ao começo. Bella é uma mulher que se observa em um espelho estilhaçado. Bella vive o fracasso de ter se tornado uma atriz de sucesso. Do sucesso comum, popular. Imposto. Feito para engolir sem mastigar. Está acostumada demais ao conforto e julga ser amor o desvio. Ama as pequenas escapadas de seu porto seguro. Como já foi dito, seguro é o que te protege e te prende ao mesmo tempo. Bella é a Rainha de Copas, é Cleópatra, Lady Macbeth, Marylin Monroe, Rapunzel, Wendy, Maria I, a Louca. Bella está sempre alerta, sempre à espera.

E mesmo observando que “o xamã é aquele que vai, experiencia o mistério e volta”, ela não consegue voltar, porque carrega o amor em pequenas doses e o peso desse Nordestern, o filme que ela roteirizou com o marido, Ulisses, e protagonizou ao lado de Tonio. Bella profetiza: “Cuidado. A traição é um estilingue apontado para si mesmo”. Bella está sedenta. Tem a sede das águas do Lete. Precisa e inveja o esquecimento do seu Ulisses. Da sua história que só dura um dia. Um dia que se projeta no espaço.Tudo se mistura no imenso vazio de Bella. Nas tramas que ela tece e com que nos envolve, nos seduz e nos abandona. Enquanto aguardamos ansiosos em sermos devorados. Mas ninguém abandona o Paraíso, somos sempre expulsos.

 

 

Lançamento do livro “Ninguém abandona o Paraíso pela porta da frente”
de Helena Cerello
Teatro Cemitério de Automóveis
Rua Frei Caneca, 384 – Consolação
Sábado, 26 de maio, a partir das 17h

 

 

Helena Cerello
Nasceu em 1977 em São Paulo. Estudou administração de empresas na Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP) e teatro no teatro-escola Célia-Helena. Trabalha como atriz desde 2000, com destaque para seu trabalho junto à companhia teatral Le Plat du Jour, onde recebeu, junto ao grupo, dentre outros, o prêmio APCA. Atualmente, além de ser atriz, escreve ficção e dramaturgia e ministra a oficina de corpo e escrita O corpo todo que escreve.

 

 

Editora Quelônio
A proposta da Quelônio é a publicação de literatura brasileira contemporânea e de narrativas visuais como fotolivros e livros de artista. A editora foi criada em 2013 pela designer Sílvia Nastari e pelo escritor Bruno Zeni. Em menos de quatro anos, publicou mais de vinte títulos, como A órbita de King Kong, de José Luiz Passos, Ensaio de voo, de Paloma Vidal, Eu, prosador, me confesso, de Cristovão Tezza, e Adão desdenha o Paraíso, de Sidnei Xavier dos Santos (coleção Valsa de Esquina). Em 2016, a editora ganhou o Prêmio Miolo(s) na categoria Projeto Gráfico, com a coleção de literatura brasileira Quelônio Solto. Em 2017, a Quelônio passou a funcionar também como uma tipografia, ao adquirir um pequeno parque gráfico composto de uma linotipo, uma impressora tipográfica e um acervo de tipos móveis garimpado em antigas gráficas de São Paulo. Em 2018, a editora integrou a programação do festA!, Festival do Aprender, do SESC-SP, oferecendo uma oficina de editoração independente no SESC Pinheiros; participou da Printa-Feira no SESC 24 de Maio e da Feira Plana, na Cinemateca Brasileira, além de ter sido convidada para uma residência artística no CCSP (Centro Cultural São Paulo).

 

Foto: João Caldas

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