Pequena História para um Tempo Sem Memória encerra temporada domingo no Sesc Bom Retiro

Após um pássaro agourento espalhar para longe as memórias dos moradores de uma vila, duas crianças viajam no tempo e se deparam com realidades nada agradáveis a fim de salvarem seus conterrâneos do total esquecimento. Peça do Coletivo Quizumba têm musicais originais executadas ao vivo…

 

 

 

O Coletivo Quizumba faz temporada do quarto espetáculo do seu repertório, Pequena história para um tempo sem memória, até o dia 16 de dezembro, domingo, meio-dia, no teatro do Sesc Bom Retiro. Com o objetivo de criar peças para crianças e jovens com discussões sociais e políticas relevantes na contemporaneidade, o grupo elegeu para este trabalho temas como o período pós-abolicionista brasileiro, em que milhares de pessoas negras foram libertas da escravidão sem nenhum tipo de respaldo para se estabilizarem socialmente, e também a especulação imobiliária, uma das responsáveis por acentuar desigualdades sociais no país.

A peça se inicia com a chegada de um grande Marabu (ave africana carnívora que pode chegar a mais de um metro de altura) a uma vila. Cheio de segundas intenções, ele pede abrigo na cidade, que se recusa a acolhê-lo. Cansado de negociar com os cidadãos, o Marabu rouba a árvore do tempo que protege o local e, num bater de asas muito forte, faz uma ventania que varre as memórias das cabeças das pessoas, com exceção das memórias dos irmãos Muriquim e Dandará, que estavam escondidos dentro do tambor encantado da Dona Vó.

As crianças então conhecem Uxê, uma entidade que tem o poder de voltar no tempo e que levará as crianças em uma jornada capaz de devolver a memória de toda população. Na primeira viagem, os três vão parar no dia 14 de maio de 1888, apenas um dia depois da abolição da escravatura no Brasil. Lá se deparam com uma realidade bem diferente da que consta nos livros, pois a população negra, ainda que livre, não contava com nenhum tipo de suporte da sociedade para conquistar empregos e estabilidade social, entre outros direitos humanitários básicos.

Escravo já não sou, valei-me nossa senhora / Me diz onde é que eu vou / O que é que eu faço agora / Dia 13 de maio acabou a escravidão / Deixamos a senzala / O navio e o porão / Disseram que agora / Raiou o sol da liberdade / Esqueceram de avisar que o negro / não é bem-vindo na cidade / Escravo já não sou, valei-me nossa senhora / Me diz onde é que eu vou /O que é que eu faço agora – Trecho de canção do espetáculo

Enquanto isso, na vila, o grande Marabu começa a implementar seu verdadeiro plano, que é encher a cidade de prédios e empreendimentos imobiliários, como o Marabus Village Garden Hill e o Marabu Center Plaza. A ave usa a seu favor um grande conhecimento de recursos tecnológicos e grava vídeos e lives para seus seguidores nas redes sociais.

Em outro momento da jornada de Uxê, Dandará e Muriquim, os três vão parar em uma região de São Paulo no início do século XX, onde milhares de famílias estavam sendo despejadas de suas moradias em nome da modernização da cidade.
Sobre a encenação
O diretor e dramaturgo da peça, Tadeu Renato, conta que o espetáculo reforça uma linguagem que já faz parte da trajetória do Coletivo Quizumba. “Tratamos de temas relevantes, como ancestralidade negra e questões sociopolíticas moldando o discurso para que crianças e jovens possam entender e se divertir”, diz.

Nesta encenação, há duas novidades na carreira da companhia: a primeira é a apresentação em palco italiano, já que todas as peças anteriores foram criadas para espaços alternativos; e a segunda é a utilização de projeções para comporem cenas do espetáculo. “São imagens que não funcionam como ilustrações, mas sim como camadas narrativas que abrem possibilidades de leituras diferentes sobre a peça”, diz o diretor.

As músicas, compostas em conjunto por Bel Borges e Jonathan Silva, são inspiradas na musicalidade africana, com destaque para a congada e a moda de viola.

A estética da peça tem como fundamento a ideia de Encruzilhada, em que elementos da tradição afro-brasileira se encontram com outros da arte contemporânea. Sendo assim, a peça se apropria de elementos ancestrais da cultura africana e os atualiza em toda encenação por meio dos figurinos, música e elementos cênicos. “Essa contaminação entre as linguagens nos ajudou muito a pensar sobre a peça que queríamos montar, uma que pudesse unir a modernidade à tradição”, exemplifica Tadeu.

Ficha Técnica
Texto e direção: Tadeu Renato
Elenco: Bel Borges, Camila Andrade, Cesar Azevedo e Jefferson Matias
Direção e concepção musical: Bel Borges e Jonathan Silva
Preparação corporal: Rita Galante
Direção em dança: Silvana de Jesus Santos
Iluminação: Camila Andrade e André Rodrigues
Figurino: Thaís Dias
Cenografia: Júlio Dojcsar
Criação e operação da projeção: Achiles Luciano
Artista gráfico: Murilo Thaveira – casadalpa
Produção executiva: Eunice Azevedo e Audrey Bessa

 

 

 

 

Pequena História Para Um Tempo sem Memória
Sesc Bom Retiro
Teatro
Al. Nothmann, 185 – Bom Retiro
Capacidade: 291 pessoas
Duração: 60 minutos
Temporada: De 25 de novembro a 16 de dezembro
Domingos, ao meio-dia
Classificação: Livre
Ingressos:
R$ 17,00 (inteira)
R$ 8,50 (meia)
R$ 5,00 (credencial pena)

 

 

 

Coletivo Quizumba
Fundado por artistas e educadores formados pelo Instituto de Artes da UNESP, Escola Livre de Teatro de Santo André e SP Escola de Teatro, o Coletivo Quizumba surgiu em 2008, com a proposta de estudar, debater e realizar ações artísticas que nos provocassem a agir/refletir sobre questões estéticas e políticas do mundo contemporâneo, com foco no estudo da historiografia e da formação cultural do Brasil e nos símbolos das culturas africanas e afro-brasileiras.

A primeira obra que resultou do encontro destes artistas foi o espetáculo infanto-juvenil Quizumba! que narra as trajetórias de Mestre Pastinha e de Zumbi dos Palmares.

Também partindo das pesquisas na cultura africana e afro-brasileira, o Coletivo estreou, em 2012, o espetáculo de narração de histórias Cantos de Aiyê, inspirado em contos da tradição oral africana.

Em 2013 o grupo foi contemplado pelo Proac Incentivo à Leitura com o projeto Toguna: narrativas afro-brasileiras, que ocupou a Biblioteca Municipal Paulo Duarte, no bairro do Jabaquara, com atividades artísticas e artístico- pedagógicas. Tendo como ponto de partida a cultura africana e afro-brasileira, o projeto teve como eixo reflexivo a oralidade e a escrita: formas de registro de nossas histórias. Em 2015, estreou Oju Orum, com direção de Johana Albuquerque.

 

Foto: Alice Peres

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