“Os Um e os Outros”, da Cia Livre, leva luta e resistência dos povos ameríndios ao Sesc Pompeia

Bertolt Brecht se inspirou em uma guerra ocorrida na Roma Antiga para escrever, em 1933, “Os Horácios e os Curiácios”: uma obra que investiga modos de resistência à chamada “época da contrarrevolução”, instaurada com a ascensão e consolidação da Alemanha Nazista. A partir dessa “peça de aprendizagem”, como a define o próprio autor, a Cia. Livre, em parceria com a Cia. Oito Nova Dança, traz ao palco do SESC Pompeia, a partir de 5 de setembro, a questão dos povos ameríndios e suas lutas históricas no Brasil…

 

 

 

 

 

Na transcriação cênica concebida pela diretora Cibele Forjaz, chamada “Os Um e os Outros”, os Curiácios são o povo dos Um, que acredita na universalidade da sua cultura, enquanto os Horácios são os Outros, ou todos aqueles que defendem a diversidade dos modos de existência.

Os Curiácios invadem a terra dos Horácios para roubar seus campos e minas. Frente à ameaça de perderem tudo aquilo de que necessitam para viver, os Horácios decidem resistir. Em três batalhas – dos arqueiros, dos lanceiros e dos escudeiros – o autor aborda diferentes estratégias de luta, refletindo sobre formas de resistência ao avanço do totalitarismo no mundo.

Para tecer esse diálogo entre a história escrita por Brecht e a luta dos povos ameríndios no Brasil contemporâneo, as duas companhias contam com a participação de artistas colaboradores e a presença especial de convidados do povo Guarani M’Bya – moradores da Terra Indígena Tenondé-Porã em Parelheiros, multiplicando os pontos de vista da encenação num espetáculo que mescla teatro, música, dança e projeção de imagens.

A narrativa em cena mantém como espinha dorsal o texto de Brecht, mas a encenação justapõe a este material mensagens, documentos, relatos e imagens que apresentam uma guerra em curso hoje no Brasil: a luta dos povos originários pelo reconhecimento de seus territórios e pelo respeito aos seus modos de vida.

A fábula de Brecht e o Brasil contemporâneo
Com o objetivo de discutir as relações entre os povos indígenas e não-indígenas, o espetáculo faz uma justaposição entre o texto original e a nossa situação atual, permeada por uma série de conflitos em torno do pertencimento, valor e destino da terra. Essa disputa, que envolve a demarcação de terras, dilemas sobre a preservação ambiental, projetos político-econômicos de expansão agropecuária e de exploração de jazidas – temas cada vez mais acirrados no país -, é trazida para a cena por meio de farto material iconográfico, pesquisado na imprensa nacional e internacional, em instituições e publicações variadas. Enriquecendo esse precioso recorte documental, a peça é plataforma para mensagens em vídeo dirigidas aos “caraí” (ou, os homens e mulheres não-indígenas) e seus líderes, enviadas pelos líderes e viventes da região do Xingu.

A pesquisa do espetáculo, que envolveu os dois grupos artísticos paulistanos, incluiu a visita da Cia Livre a regiões de disputa ao longo do último ano, possibilitando a convivência com diversas culturas, povos e comunidades indígenas. Essa ida a campo, a fim de trazer o teatro mais perto da experiência viva, era objetivo da Cia Livre desde a montagem de Vem Vai, o caminho dos mortos. Também vinha sendo realizada pela Cia. Oito Nova Dança em criações anteriores, tais como Xapiri, Xapiripê, lá onde a gente dançava sobre espelhos (criada em parceria com a Cia Livre) e Esquiva.

Assim como o texto de Brecht apontava para conflitos pela supremacia na exploração das fontes naturais por meio das barragens, pastos e garimpos, o Brasil dos tempos de hoje não oferece contexto muito diverso daquele ficcionalizado em 1933. O que se vê é a reprodução de violências motivadas por mais um ciclo de exploração, mudando apenas os agentes interessados nesses recursos naturais e a desigualdade com que ignoram direitos, para atingirem o lucro visado.

Neste sentido, a Cia Livre se refere, sobretudo, à resistência. Também propõe uma reflexão sobre como o mundo pode ser transformado e de que maneira as ações que podemos tomar nos dias de hoje são capazes de alterar o destino de exploração, expropriação e destruição que se avista no futuro próximo.

Como diz o xamã Ianomâmi Davi Kopenawa, em entrevista ao etnólogo Bruce Albert no livro A queda do céu, que relata o fim do mundo se os brancos continuarem agindo como fazem hoje em relação à natureza e à vida na Terra, “o céu cairá sobre as nossas cabeças”. Sobre este assunto, Kopenawa explica que uma vez que a harmonia na Terra é quebrada, o céu cairá sobre a cabeça de todos. E a sensação para muitos é de que estamos à beira desse momento.

Cia Livre
Ficha Técnica
Jogadorxs:
Adriano Salhab
Cibele Forjaz
Fernanda Haucke
Fredy Allan
Gisele Calazans
Lu Favoreto
Lucia Romano
Marcos Damigo
Roberto Alencar
Vanessa Medeiros
Contra regra em cena: Jackson Santos
Músicos em cena: Adriano Salhab, Gabriel Máximo e Ivan Garro
Composições de trilha origina, Direção Musical e Arranjos: Adriano Salhab e Guilherme Calzavara
Desenho de som e Sonoplastia: Ivan Garro
Direção de Arte: Cla Mor, Marília de Oliveira Cavalheiro e Valentina Soares
Arquitetura cênica e Objetos: Marília de Oliveira Cavalheiro
Figurino e Objetos: Valentina Soares
Vídeo: Annick Matalon, Cla Mor, Fábio Riff, Lucas Brandão e Mariana Caldas
Operação de vídeo: Cla Mor
Câmera em cena: Annick Matalon
Vídeo Mapping: Fábio Riff e Mariana Caldas | Vapor 324
Luz: Cibele Forjaz e Matheus Brant
Operação de luz: Matheus Brant e Nara Zocher
Identidade Visual e Projeto Gráfico: Julia Valiengo
Assistência de Direção: Gabriel Máximo e Jackson Santos
Preparação e direção vocal: Lucia Gayotto
Preparação corporal e Direção de movimento: Lu Favoreto
Assessoria de Imprensa: Márcia Marques | Canal Aberto
Produtoras: Bia Fonseca e Iza Marie Miceli | Nós 2 Produtoras Associadas
Direção Geral e Encenação: Cibele Forjaz
Coro Convidado do povo Guarani M’Bya [em revezamento]:
Jerá Poty Mirī | Jerá Guarani
Tatarndy Germano
Karai Negão
Karai Tiago
Poty Priscila
Karai Tataendy Ricardo

 

 

 

 

 

 

“Os Um e os Outros”
Sesc Pompeia
Teatro
Rua Clélia, 93 – Água Branca
Capacidade: 342 lugares
Duração: 2h30 minutos
Temporada: De 05 a 22 de setembro de 2019
Quinta a sábado, às 21h
Domingo, às 18h
Classificação indicativa: 14 anos
Ingressos:
R$ 12,00 (credencial Plena)
R$ 20,00 (meia)
R$ 40,00 (inteira)

 

Foto: Cacá Bernardes

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