‘Cesária’ traz em cena três travestis para discutir morte, vida e travestilidade

Coletiva Profanas, com direção de Morgana Manfrim, estreia Cesária, espetáculo teatral que traz em cena três travestis para discutir morte, vida e travestilidade…

 

 

 

 

 

A Coletiva Profanas apresenta, a partir do dia 1º de setembro, sexta-feira, no Teatro Cacilda Becker (Rua Tito, 295 – Lapa, São Paulo, SP), o espetáculo Cesária, com elenco composto por AIVAN (Mãe), Morgana Olívia Manfrim (Filho), Nata da Sociedade (Cesária) e trilha sonora ao vivo com o baterista Henrique Kehde. Em uma montagem fragmentada que não se detém à passagem tradicional do tempo, o espetáculo parte de uma trama em que o filho procura pelo pai desaparecido, que começa a escrever-lhe cartas que se misturam ao passado e ao presente. Nessa busca pelo pai, o filho encontra sua mãe e Cesária, a travesti grávida de um planeta.

As tramas remetem a tempos epi-pandêmicos – recentes e de outrora – , como a de HIV/AIDS, iniciada no fim dos anos 1980 e a da COVID-19, de 2020. A menção às pandemias não está implicada de modo objetivo, mas sim num campo de ambientação dessas duas épocas que se encontram.

A peça toca exatamente no assunto da travestilidade, porque desafia o público a entender seu olhar sobre uma pessoa transicionada em diversas gerações. – A dramaturgia surge com a necessidade de afirmar que pessoas trans não nasceram em um corpo errado e que a cisgeneridade não é uma condição intrínseca ao ser humano. Ninguém nasce cisgênero, vocês se tornam! – , conta Morgana Olívia Manfrim, que além de estar em cena como o Filho, interpretando um susposto “homem cisgênero”, sendo ela travesti, também assina direção e dramaturgia. A artista complementa que a escrita desta peça, que começou a ser criada em 2020, parte de um desejo de falar, tanto para o futuro quanto para o passado, que é necessário confiar no sonho de se tornar quem se deseja ser.

A construção da encenação (cenografia, figurino, efeitos especiais e iluminação) inicia em paralelo com o estudo da dramaturgia pelo elenco. Cesária, que não obedece ao cronológico propondo uma espiralar temporal que inverte a lógica de nascer e morrer para morrer e nascer, se torna um fator fundamental para a construção da montagem da cenografia, trilha e a constante transmissão de vídeo ao vivo, que também está presente no espetáculo. Além da inversão de morte e vida, a dramaturgia e a direção dialogam com paradoxos da grávida, feto e médica de um corpo só, a travesti grávida de um planeta e a auto-cesárea sem bisturi.

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Todas nós morremos. Toda transformação tem desejo. E desejo é impulso de morte, porque é reconhecimento de falta. E para suprir um desejo, preencher uma vontade é preciso matar essa lacuna. Portanto, eu preciso matar também a Mãe. Pois, é o que um dia eu mais quis e agora me preenche. Se eu não matar a Mãe ficarei para sempre parada.

Você seria capaz de matar? Capaz de matar sua Mãe? Para descobrir quem matou o pai é preciso matar a Mãe. Eu de fato estou em casa e você irá me encontrar. Mas apenas se seguir minhas regras. Volte para a casa de Cesária e faça o que é preciso. Não sei se estou morta ou se estou viva. Mas uma coisa eu sei: Eu hoje sou Mãe. E você não será o eterno filhinho!

Trecho de Cesária

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Telas pintadas à mão em tinta acrílica pelo artista plástico e homem trans Max Ruan, compõem o cenário e indicam transições de planos ao dividirem espaço com telas digitais compostas por códigos binários de computadores que falham, trazendo novos caracteres para o sistema, que passa a codificar à sua própria maneira. “Está tudo presente, movimento e inércia, envelhecimento e nascimento, morte e vida, descoberta, procura, transmutação, identidade, medo, sonho e glória. Ancestralidade é para frente e para trás.”, diz Morgana que ressalta que para pessoas transgêneras as fases de infância, adolescência, adulta e idosa coexistem de diferentes formas relacionadas ao momento de sua transição “Chegamos a recontar nossa idade depois de nossa consciente transição de gênero. Mas isso não quer dizer que antes não éramos trans.” A dramaturga, atriz e diretora conta que a palavra Cesária, além de nomear a peça, também parte de uma das possíveis origens desse termo – uma referência ao nascimento do Imperador Júlio César, cuja mãe teria morrido durante o parto, fazendo com que sua retirada da barriga fosse feita via incisão abdominal. “Desde de quando surge a cesariana no mundo é um ato de morte e vida por ser um corte no ventre da mãe morta para salvar o feto. E mesmo que ela estivesse viva, antes do surgimento da anestesia na medicina, era certo que a cesariana gerava órfãos, como Júlio César. E isso tem a ver com o espetáculo – essa relação de matar e morrer para que se possa ser si mesmo. De matar o homem ou o filho dentro de si para se tornar a mulher que se é. De tornar-se identidade no mundo, independente de cis ou trans.”, explica a diretora.

 

Sobre Morgana Olívia Manfrim
Morgana Olívia Manfrim é mestra e doutoranda em Artes Cênicas pela USP na área de Teoria e Prática do Teatro. É travesti favelada, dramaturga, performer, atriz, diretora, arteducadora e pedagoga de gênero. É formada em Artes Cênicas e Interpretação Teatral pela UnB e Direção Teatral pela UFBA. Defendeu em 2021 sua pesquisa de mestrado intitulada “Práxis Queer da cena: Percurso de corpos travestigêneres e trans não Binários nas artes cênicas contemporâneas brasileiras” e está em pesquisa atual com “Trans-i-[ação]: Etapas do processo externalizador da performatividade de gênero de um corpo brasileiro na tecnologia da hormonização” ambas sob orientação do estudioso de Teatro e Gênero Prof. Dr. Ferdinando Martins, professor da USP. É autora das obras autobiográficas “fRuTaS&tRaNs- GRESSÃO. Histórias para Tangerinas e Cavalas-Marinhos.” (2018); “COCO!” (2019); “FURA! ou um objeto de penetração!” (2020), “Ritu.1/Penetra!” (2021) e “Cartas Para(Ti)” (2022). Em 2023 e 2024, Morgana fará sua primeira residência artística internacional em Hamburgo, na Alemanha, por meio do financiamento Fleetstreet.

Ficha Técnica
Dramaturgia e direção: Morgana Olívia Manfrim
Elenco: AIVAN (mãe), Morgana Olívia Manfrim (filho) e Nata da Sociedade (Cesária)
Cenografia e pintura: Max Ruan
Cenotécnicos: Leandro e Zito Rodrigues
Design e operação de luz: Nayka Eacjs
Composição de trilha e bateria: Kehde
Letrista: Nata da Sociedade
Beleza: Camila Britto
Figurino e costura: Amber Luz
Assistência de figurino e costura: Dandara Marya
Rigger: Lui Castanho
Coordenação de Produção: Morgana Olívia Manfrim
Produção executiva: Karen Sobue e Flora Terra
Assistente de produção: Max Ruan
Assessoria de mídia: Marcella Ayumi
Fotografia e Vídeo: Vine, Bruna Carvalho e PJ AFROP
Design do programa: Gabriel Franco
Assessoria de Imprensa: Canal Aberto Comunicação – Márcia Marques, Daniele Valério e Diogo Locci
Realização: Coletiva Profanas e CASA8

Este é um espetáculo financiado pelo Edital ProAc Nº 40/2022 – Cidadania Cultural / Produção e Realização de Projeto Cultural / Cultura LGBTQIA.

Sinopse
Com uma montagem que não se detém à passagem tradicional do tempo, o espetáculo parte de uma trama em que, no passado, o Filho procura pelo pai, enquanto no futuro A Mãe planeja matar o patriarca e escreve cartas ao pródigo anunciando esse possível assassinato. Na busca incessante pelo pai, o Filho encontra Cesária, que lhe entrega as cartas atemporais vindas do futuro. As tramas remetem a tempos pandêmicos, sendo eles a pandemia de HIV/AIDS iniciada no fim dos anos 1980 e a pandemia de COVID-19, de 2020.

Mais informações: @coletivaprofanas

 

 

 

 

 

Cesária
Teatro Cacilda Becker
Rua Tito, 295 – Lapa, São Paulo
1º a 10 de setembro de 2023
Sextas e sábados, 21h. Domingos, às 19h
Gratuito – Retirada de ingressos pelo Sympla

Exposição Travesti… Parir… Planeta
Sempre no intervalo das sessões no foyer de cada Teatro.
Gratuito e entrada individual.

Oficina de Escritas Fabulares Autobiográficas – Módulo 2
Teatro Cacilda Becker
Rua Tito, 295 – Lapa, São Paulo
Dias 5 e 7 de setembro de 2023
Horários: 18:30 ás 22:30
Gratuito
Inscrições a partir de 17/07 no link Escritas Fabulares Autobiográficas

 

 

Morgana Manfrim, que assina a dramaturgia e direção, é mestra e doutoranda em Artes Cênicas pela USP, na área de Teoria e Prática do Teatro e pesquisa em Trans-i-[ação] – Foto de Ellen Faria

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