“Meus Pais Adoravam O Premê” por Bruna Bucci

Lá na rua Teodoro Sampaio, em frente a Benedito Calixto, para quem não sabe, houve um teatro. Nos idos finais dos anos 70, depois de muita repressão, torturas silenciosas, lutas inglórias, segredos e sussurros, a Lira Paulistana foi fundada em 25 de outubro de 1979, quase no ocaso da ditadura “braba” verde-oliva. Teatro, sem dúvida, mas também palco underground de muitas das manifestações experimentais de vanguarda da pauliceia desvairada.

Por lá passaram Ná Ozzetti, Tetê Espíndola, Vânia Bastos, Tatit, Arrigo e Itamar, e também os grupos Rumo, Sabor de Veneno, Língua de Trapo e claro, o nosso Premeditando o Breque (ou simples e carinhosamente, Premê).

Formado em 1976, e já conhecido nos redutos estudantis, foi no Lira, todavia, que o Premê celebrizou-se como um grupo alternativo, de essência paulistana (pero no mucho), marcado por uma fusão de gêneros – MPB, rock, samba e choro, com incursões divertidas pela música erudita.

Do espírito libertário da época, a irreverência e a veia humorística do grupo serviram de suporte para letras ousadas e inusitadas que, com arranjos sonoros e recursos teatrais, contavam fatos que acontecem por aí (e a gente nem desconfia).

Brigando na Lua, nessa vertente, contou com pontapé, soco no olho e cascudão, tudo em câmera lenta, em que os músicos simulavam uma briga sem gravidade. Luiz Fernando, um porco jóia, é assassinado logo no início de Feijoada Total, para tudo depois terminar com ruídos pra lá de escatológicos. E quem poderá se esquecer do Conflito de Gerações, nesses dias de milenium? O filho talentoso (faz versos e toca violão) que ainda mora com o velho pai e não tem emprego, aos trinta.

Para comemorar e recontar essas estórias impressas no som do Premê, sob mote de 40 anos de formação, o Selo Sesc idealizou a Caixinha que contém sete CD`s, desde o primeiro álbum de 1981, realizando também os shows de lançamento nos dias 31 de maio, 01 e 02 de junho deste ano.

Acompanhados de Adriano Busko (bateria e percussão) e Danilo Moraes (violão, guitarra e baixo) e contando com a participação do núcleo original formado por Marcelo Galbetti (baixo, violão e teclado), Claus Petersen (sax e flauta), Mario Manga (guitarra, violoncelo, bandolim e violão), Wandi Doratiotto (cavaquinho e violão), o show de estreia foi memorável, com a presença de um público ainda cativo, hoje composto de jovens senhores e senhoras universitários contemporâneos ao grupo, a que se somaram os neófitos de todas as idades.

Duas horas de show não foram suficientes para saldar o legado desses músicos vanguardistas, mas assim como eu, que aprendi a amar o Premê com minha mãe, desde a infância, há uma torcida para que outros shows sigam na esteira desse lançamento historiográfico.

Como consta no encarte promocional da Caixinha, “Meus Pais Adoravam O Premê”.

E nada há que impeça a conquista de novos seguidores, ávidos por saborear o humor, a alegria genuína e a diversidade intelectual, em tempos estranhos nos quais a liberdade criativa parece estar em falta.

 

 

Bruna Bucci

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